A VERDADE : DIALÉTICO JOGO DE MÁSCARAS E MENTIRAS

FOTOS/DALTON VALÉRIO

Dentro da melhor tradição do vaudeville, do boulevard e do teatro de situação, A Verdade, de Florian Zeller, representante da mais recente dramaturgia francesa, dá continuidade a uma linha que notabilizou autores que vão de E. Labiche a Georges Feydeau, passando pelas criações cinematográficas de Sacha Guitry.

Original de 2011, a peça teve imediata expansão internacional, como expressivo sucesso de público e de cotação crítica no gênero da comédia, e incentivou o autor a escrever o seu contraponto com A Mentira, de 2015.

Com seu andamento farsesco, entre o risível e um sutil referencial ao absurdo de Pinter e à ironia filosófica de Voltaire, sua trama faz uma releitura contemporânea  dos típicos personagens e das situações próprias do vaudeville, sabendo como bem jogar com a especificidade de seus recursos.

Dividindo-se em cinco cenas, numa paisagem cênica (Ronald Teixeira e Guilherme Reis) realista reproduzindo a mutabilidade de um quarto de motel em consultório médico, sala de visitas domiciliar e vestiário de academia de tênis.

Sob funcionais marcações luminares (Maneco Quinderé) ressaltando, ainda, uma indumentária (Ronald Teixeira) remetendo ao coloquialismo elegante e à prevalente ambiência burguesa, marcas originais do teatro de vaudeville.

Confrontando dois casais amigos diante dos malabarismos e das armações de Michel (Diogo Vilela) para disfarçar sua traição conjugal com Alice (Carolina Gonzalez), a mulher de seu mais próximo e dileto amigo Paulo (Paulo Trajano).

Mas convencido quanto a tornar eterno este segredo desagradável, dissimulando-o de sua própria esposa Laura (Cláudia Ventura), nos arranjos e desarranjos, no disse e no não disse das formulações da mentira sob as aparências da verdade.

Neste ir e vir das estratégias de um personagem  (Michel) entre a arrogância, a vaidade e a auto confiança, Diogo Vilella dá potencial autenticidade à materialização de uma virtuosística performance lúdico/cômica, com suas variadas gradações psicológicas, entre os riscos e os imprevistos para não deixar quaisquer pistas de seus pequenos crimes da vida privada.

Num possível referencial de um ideal dramatúrgico do próprio Florian Zeller e com um destinatário acerto no protagonismo, aqui,  desta montagem : “Eu sempre escrevi uma peça pensando em um ator em particular, é o desejo de um determinado rosto que me faz querer escrever para o teatro...”

Sempre lembrando que cada um dos outros personagens tem seus compromissos maritais ou como partners matrimoniais. Desde os caracteres das incertezas no papel de Carolina Gonzalez quanto a continuar ou dar fim ao seu caso extra-conjugal, mais por pena do marido recém desempregado.

Ou da abalada confiança mútua entre casados manifestada no irônico descrédito da personificação de Claudia Ventura expondo, com maestria, seu oficio de esposa que não quer se deixar enganar. 

Enquanto, o segundo elemento atoral masculino (Paulo Trajano) expressa conjecturas encimadas por mordaz dubiedade, fingindo se consolar mas confundindo dialeticamente o amigo Michel, tornado transgressor na relação com Alice.

Onde o convicto comando diretorial (Marcus Alvisi) favorece a unicidade da representação ao possibilitar o entremeio de ambiguidades  entre o falar ou o calar-se, sustentando a agilidade e a malícia necessárias ao registro de uma trama de destinação exclusiva ao entretenimento.

Com acerto concepcional e dando eco a Florian Zeller : “Vaudeville deve seduzir as pessoas sem ser levado a sério mas, ao mesmo tempo, tocando forte o público...”

                                             Wagner Corrêa de Araújo


VERDADE está em cartaz no Teatro Maison de France, Av. Antonio Carlos/Centro/RJ, quinta às 17h30m; sexta e sábado, às 19h30m; domingo às 18h30m. 80 minutos. Até 02 de junho.

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