LUIS ANTONIO – GABRIELA: REFLEXIVA TRANSGRESSÃO


FOTOS BOB SOUZA/VICTOR IEMINI

Entre 2011 e 2013 o espetáculo paulista Luis Antonio-Gabriela teve episódicas apresentações nos palcos cariocas, respectivamente nas mostras do Tempo Festival e do Palco Giratório. E , felizmente, está se cumprindo agora a  expectativa para uma temporada de maior folego que, espera-se, seja estendida além do Espaço Sesc/Copacabana.

Afinal já há seis anos em cartaz com inúmeras turnês, além da resposta pública, foram extensivos os aplausos críticos, mais as indicações e premiações notórias. Sem deixar de falar na sua oportuna e necessária abordagem temática sobre a problemática da aceitação da livre identidade sexual e da questão da diferença dos gêneros.

Despontando, ainda, como uma proposta cênica capaz de transcender sua incisiva potencialidade dramatúrgica em perceptível resultado estético. Presente tanto na sua inserção inovadora num mix  pulsionamento de teatro documentário com uma singular nuance do distanciamento e da fala épica  brechtiana , como na sua capacidade de comunicação/comoção de proposta transformadora/reflexiva.

Com seu tom confessional/autobiográfico a peça faz um relato da polêmica trajetória existencial do irmão do ator e dramaturgo Nelson Baskerville que, nesta sua  textualidade autoral, conta o que  representaram as ácidas passagens vivenciais que o afastaram para sempre de Luís Antônio. Desde o impacto do abuso sexual sofrido na infância por parte do próprio, às violências preconceituosas tanto do radical conservadorismo militar do pai, como dos ataques,em tempo de bullying , na ambiência escolar por ter um irmão “diferente”.

Sequenciado o estigma na permanente ausência pela transmutação Luis Antonio>Gabriela, no isolacionismo do afastamento até a sua morte decadentista em Bilbao, depois de estelar carreira europeia na transsexualidade, Nélson ,enfim, num processo catártico, assume a remissão de sua culpa. 

E é, assim,que a postura de reconciliação com a afetividade fraternal, perdida na repressividade conduzida  ao desprezo e à vergonha, acontece no resgate memorialístico mistificado em compasso de um mágico teatro ritualístico.

Na criação coletiva da Cia Mungunzá, a partir da reconstituição por documentos, cartas, depoimentos, fotos, num dimensionamento psicológico/dramático entre fisicalidade sexual, espiritualidade , amoralismo, coragem, denúncia e verdade.

Com lúdica e impactante arquitetura cenográfica(Marcos Felipe/Nélson Baskerville), almodovariana e tropicalista, desde a indumentária(Camila Murano) ao score sonoro(Gustavo Sarzi) ao vivo, sob luzes (Marcos Felipe/Baskerville)de modulações lisérgicas.

Onde a organicidade da performance espontânea e  libertária de um elenco de seis atores(Day Porto, Lucas Beda, Marcos Felipe, Sandra Modesto, Veronica Gentilin, Virginia Iglesias) mais a participação especial de Virginia Cavendish, surpreende , entre a poesia e o pânico. E acaba conquistando a cumplicidade de cada espectador, espelhando em seu olhar a aprovação ou rejeição à diversidade da prevalência genética dos outros.

Sem preocupações de limites de choque social/político, tanto  na reiteração de apelos melodramáticos e estereótipos da cultura LGBT, como no presencial ostensivo de elementos plásticos anticonvencionais.

Desde que, tanto faz, entre o belo e o feio, a crueldade e a compaixão, o recado seja dado. Não importa se como uma sensorial e emotiva lição ou como um  soco no estomago e uma porrada na consciência.

                                            Wagner Corrêa de Araújo


LUIS ANTÔNIO-GABRIELA está em cartaz no Sesc/Copacabana,quinta a sábado, às 21h;domingo, às 20h. 90 minutos. Até 27 de agosto.


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