FOTOS/DANIEL MATTAR |
A complexa interiorização do universo de Clarice Lispector se
manifesta no reinventar a presença dramatúrgica da escritora, dividindo o seu “estar só”, na visível escuta
de seu silêncio pelo outro, além do
palco.
Este universo literário teatralizado vem deixando um precioso
inventário estético/ memorialístico. Formatado especialmente em solilóquios/monólogos que
vão, entre outras incursões , de Beth Goulart e Esther Jablonski a Rita Elmôr .
Quando, há dezoito anos, Rita Elmôr surpreendeu a cena
carioca com sua envolvente busca de uma resposta ao metafísico questionar-se de
Clarice – “Eu sou um mistério para mim” – ficou marcada ainda pela
incrível similaridade física com a escritora.
E, assim, depois da performance primeira de 1998 em “Que Mistérios Tem Clarice” , ela retoma,
agora, sua exteriorização das vivências de uma representação, entre vida e
mito, verdade e performance, na desafiante fisicalidade de uma
metafórica escrita.
Desta vez, em “Clarice
Lispector & Eu – O Mundo Não É Chato”,
Rita Elmôr transcende a fórmula inicial, misturando fragmentos da escritora com
suas próprias reflexões , num espetáculo revelador em sua sobriedade e
despretensão.
A atriz , no uso
inteligente de sua semelhança visual com Clarice, faz uma entrega absoluta a esta
personificação. Em linha dramática quase pirandelliana
, na sua conduta de mistura de
identidade com a personagem assumida.
É como se Rita/Clarice fossem uma só, neste fluxo de frases
entre a dramaturgia autoral e referencial literário, entre o “deixo-te
ser” e o “deixa-me ser “. E é esta troca, de poéticos subentendidos, que faz
irradiar a magia da proposta.
A prevalência do sensorial tem seu alcance ampliado nos
achados singulares das fotos de Clarice/
Rita projetadas ao fundo e no bom gosto do figurino (Mel Akerman). Além do
minimalismo da composição cenográfica e
dos efeitos visuais, entre sombras e luzes (na dupla concepção de Paulo Denizot).
Onde um núcleo de
trama simples, concisa e consistente, conduzida pela direção
artesanal de Rubens Camelo, tem no sutil contraponto da
intérprete e da personagem, um tom confessional
pontuado entre o lírico humor e a verdade interior.
Capaz , enfim, de estabelecer carisma e empatia com o público numa das mais sensíveis
gramáticas cênicas da atual temporada.
CLARICE LISPECTOR E EU - O MUNDO NÃO É CHATO está em cartaz no Teatro Poeirinha,de quinta a sábado, às 21h;domingo,às 19h. 60 minutos. Até 30 de outubro.
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