A OUTRA CASA : NADA COMO PARECE SER

FOTOS/GUIDO ARGEL

Há um referencial metafórico, de base psicanalítica ou pirandelliana, nas alucinações confessionais de uma mente  feminina, fazendo com que sua súbita fantasia do inconsciente se transfira do personagem para o espectador. Quase  como um enigma a ser decifrado, no enredo dramatúrgico do norte americano Sharr White, A Outra Casa.

Estes confusos pensamentos  que atormentam uma renomada neurologista começam a ser delineados durante uma palestra. E é quando Juliana Smithton( Helena Varvaki) experimenta uma espécie de confronto entre o que está acontecendo no presente e a lembrança onírica de fatos do passado.

Aos poucos , vão se delineando os personagens/ habitantes deste seu mundo interior, no espelhamento conturbado de suas vivências cotidianas, num processo mental de disparidade entre o que ela imagina e o que é visto .

Ora através do seu marido Ian( Alexandre Dantas) que, no comportamento compreensivo, envolve sensorialmente  a mulher, alcançando a percepção do público por seu factível esforço em favor dela.

Enquanto , como atriz, Gabriela Munhoz se divide entre três papéis, da médica que atende Juliana  à  filha que ela julga ter reencontrado mas que, simultaneamente, pode ser apenas uma inexplicável visão de uma mulher desconhecida.

Com menor interferência na trama, Daniel Orlean tem brevíssima fala em suas entradas meramente gestuais , mas sem uma clarificada função performática .

O enérgico comando estético de Manoel Prazeres tem sua essência em inteligentes  códigos de minimalismo cênico. Capazes de levar à  maior concentração numa reflexiva linguagem narrativa, de dúvidas e questionamentos, de verdades e delírios, no tempo da memória e do esquecimento.

Ora através de uma pontual iluminação( Renato Machado) ora pela adequação de figurinos(Leticia Ponzi), para o necessário alcance desta  sintética arquitetura cênica(Doris Rollemberg). Destaque–se também sua trilha, com nostálgico leitmotiv hollywoodiano anos 50(Rick Yates/Renato Alscher).

Densidade emocional, convicção e comovente  busca introspectiva marcam a entrega ao personagem por Helena Varvaki. Mas há visível desenvoltura no tríplice desdobramento como intérprete de Gabriela Munhoz e sincera intensidade em Alexandre Dantas.

Com seu ritmo de thriller psicológico,  A  Outra Casa tem um singular discurso ideológico, além da auto referencia de conflito e melancolia de seu personagem mor, constituindo-se ainda em exemplar realização da  atual temporada teatral carioca.

                                               Wagner Corrêa de Araújo


 
  A OUTRA CASA , em nova temporada, no Teatro Café Pequeno/Leblon, de sexta a domingo, 20h. 90 minutos. Até 02  de abril.

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