UMA ILÍADA: MITO E CONTEMPORANEIDADE

FOTOS BY DALTON VALÉRIO

“A paz é o tempo em que os filhos enterram os pais; a guerra é o tempo em que os pais enterram os filhos”. A clássica definição de Heródoto, o mais célebre historiador grego, caracteriza bem o clima  de batalhas, morte e tragédia,  dos mais de quinze mil versos de A Ilíada, de Homero.

Mítico, glorioso, espiritual, físico e, antes de tudo, marcado pela presença e pelos embates entre deuses e heróis, a  partir do rapto de Helena , mulher de Menelau ( rei de Tebas), pelo príncipe Paris, filho de Príamo , monarca de Tróia.

Com seus atos de ódio e bravura no confronto sanguinário de Aquiles e Heitor , interferências do Olimpo e sua passagem mais celebrada do presente traiçoeiro - o Cavalo de Tróia.

Este relato milenar inspira a versão concisa, com menos de duas horas, dos americanos Denis O’Hare e Lisa Peterson, Uma Ilíada, tendo como guia o lamento do poeta/autor de que toda vez que conta e canta esta história, espera que seja sempre a última vez.

A narrativa, assumida como a faziam os “aedos”, os cantadores em versos das lendas e epopeias da Grécia clássica, retoma o papel ancestral dos contadores de histórias, alcançada no dimensionamento poético/coloquial da tradução de Geraldo Carneiro.
  
Naturalismo, clareza, verdade e emoção como no melhor da tradição oral, numa transmutação simbológica em que o foco das audiências  se volta não apenas para a temática dramatúrgica mas, sim,  na postura criativa de  seu transmissor, o  menestrel / ator.

Nuances alcançadas , com empatia, verdade interior, intenção crítica, na exploração dos contornos da narrativa épica e do personagem solo, no convicto  suporte cênico – atuação/direção – de Bruce Gomlevsky.

Num espetáculo de construção singular, é ampliada a densidade dramático/lírica  nas sensíveis interferências da trilha sonora( Mauro Berman) com a participação , ao vivo, de Alana Alberg( contrabaixo).

Ressaltada nas sutis modulações do desenho das luzes( Elisa Tandeta), na ambientação sacralizada(Bruce Gomlevsky),  nos  figurinos xamanísticos ( Carol Lobato) e na gestualidade ritualística(Daniela Visco).

Nesta decifração do significado das guerras na trajetória da civilização e na estranha queda  da condição humana pela  virulência de lutas , corporais ou políticas,   em busca de todas as formas violentas de domínio e de poder.

No epílogo, sob o luminoso  efeito do rosto do narrador/personagem  se cobrindo de sangue, um clímax de atemporalidade e filosófico “pathos”, na citação sequencial de guerras históricas  .

Deixando ecoar, mais uma vez,  seu visceral questionamento  antibelicista para a plateia: Estão vendo? Como eles fizeram isto? Porque fazemos e continuamos a fazer?... 
  

UMA ILÍADA está em cartaz no Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil, de quarta a segunda, 19h. 80 minutos . Até 21 de dezembro.
EM NOVA TEMPORADA , no Teatro Maison de France, sexta e sábado, 21h; domingo,20h. Até 15 de maio.

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