DIA INTERNACIONAL DA DANÇA - UMA DATA PARA NÃO SER ESQUECIDA




Maria, Maria. Grupo Corpo. Oscar Araiz/Coreografia. 1975/Palácio das Artes. José Luiz Pederneiras/Foto.



A partir da comemoração em 2025 de meio centenário do Grupo Corpo, com sua brilhante estreia no Grande Teatro do Palácio das Artes (BH) que, então, acompanhamos passo a passo, e tentando decifrar o enigma de tão singular conexão afetiva, decidi fazer esta viagem pelos espaços siderais da mente no decorrer deste Dia Internacional da Dança.

Passando por tantos momentos vivenciais e profissionais cinquentenários que acabaram por se transmutar nesta paixão desenvolvida, a princípio em plenos anos 70, quando já atuava como um jornalista especializado em cultura, coordenando ali um centro de documentação e artes visuais.

Que acabou resultando na criação da Sala de Cinema Humberto Mauro, também próxima de completar seus 50 anos, depois de improvisadas sessões didáticas com filmes 16mm que organizávamos, especialmente para a Escola de Dança e para o Balé do Palácio das Artes, dirigido pelo inesquecível Carlos Leite.

E na proposta de entrevistar a maioria dos artistas que passavam por aquela conceituada Fundação cultural mineira, aos poucos  tomando um contato mais de perto com grandes nomes da dança brasileira e mundial, integrantes das cias que se apresentavam no seu grande palco.


Tatiana Leskova e Wagner Correa. Num dos incríveis encontros com esta Grande Dama da Dança Clássica . Final dos anos 90. Foto acervo particular.  


Naqueles oito anos conheci de perto inúmeros coreógrafos e bailarinos europeus, americanos e brasileiros, em tempos ainda sem a internet, chegando a estender estes contatos, em cartas e postais, além das temporadas que, por vezes, eram mais longas como as do Het National Ballet.

Tais como um dos seus coreógrafos Rudi van Dantzig ou da Pilar Lopez Cia de Danza, ela que me fascinou ao relatar suas parcerias coreográficas com Federico Garcia Lorca em suas turnês teatrais espanholas. Sem esquecer da polêmica primeira atuação no Brasil de Mikhail Baryshnikov que, recusando-se a participar de nosso habitual depoimento, respondeu secamente – “não quero ser crucificado mais uma vez”...

De BH partimos, em 1982, para a antiga TVE/RJ onde houve outra diferencial pulsão, através do Caderno 2 e de alguns especiais coreográficos que dirigimos, ora sobre o Balé do Teatro Guaíra ou, então, sobre os Festivais de Joinville e do Pantanal. Tendo no final dos anos 80, graças à grande amizade, extensiva até sua definitiva partida, com a crítica Suzana Braga, integrado alguns júris de dança contemporânea e podendo reviver as sessões cinematográficas didáticas naqueles festivais.

Para, depois do privilégio de muitas vesperais de domingo, com a histórica, sempre memorial e ainda presencial Tatiana Leskova, aumentar um contato assíduo e cada vez mais crescente com tantos nomes fundamentais da dança contemporânea carioca e brasileira, de ontem, de hoje e de sempre.

Para confluir, em despretensioso mas antes de tudo convicto, exercício da crítica das artes cênicas, indo do teatro à dança, tentando preencher um espaço cada vez mais rareado em nossos dias, da imprensa escrita às mídias virtuais, com a intenção de, pelo menos, registrar este legado coreográfico sob o desafio de um assumido empenho, direcionado à valorização de seus heroicos mentores.

O que produziu um inesperado retorno de caráter documental depois de dois anos da criação de uma coluna dedicada exclusivamente à dança em moldes brasileiros (Brazil Dance Reviews) na prestigiada revista virtual francesa danse.org, por especial convite do bailarino, coreógrafo e crítico franco-americano Patrick Kevin O’Hara.

Numa surpresa feliz ao saber, através de seu idealizador, que todas as publicações, incluídas as fotos e os extratos em vídeo, dos colunistas-críticos de sete países, passariam a fazer parte permanente do primeiro e inédito acervo coreográfico virtual da Biblioteca Nacional da França, disponível em nível mundial para pesquisadores da dança.

E é por tudo isto que não tenho como deixar de  comemorar mais um Dia Internacional da Dança, fazendo da dedicação espontânea e resistente de quem sempre foi  irrestrito admirador das obras coreográficas, um tributo a favor de todos aqueles que escolheram, em meio a tantas adversidades, a Dança como uma missão de arte e de vida...

 

                                               Wagner Corrêa de Araújo


Mikhail Baryshnikov, Carlos Leite e Wagner Correa. 1980. Foto dos arquivos históricos do Palácio das Artes (BH). 

AS PEQUENAS COISAS : REMISSIVA CONEXÃO EMOCIONAL ENTRE TRÊS CONTRADITÓRIAS VIDAS FEMININAS


As Pequenas Coisas. Daniel MacIvor/Dramaturgia. Inez Viana/Direção Concepcional. Abril/2025. Thais Grechi/Fotos.


O dramaturgo canadense Daniel MacIvor tornou-se bastante conceitualizado em nossos palcos a partir, especialmente, de sua peça In on It, ao lado de outras  obras suas, também aqui representadas, como Cine Monstro, À Primeira Vista e A Ponte. 

Parte de seu tríptico dramatúrgico Try, original da segunda década deste século, tendo como foco trajetórias existenciais contraditórias de mulheres em processo de reconciliação simultânea entre elas, As Pequenas Coisas tem, agora, sua primeira e inédita montagem no País.

Sugestionada em ideário dúplice pelas atrizes Liliane Rovaris e Ana Carbatti, inspirando-se a partir da leitura da trilogia feminista de MacIvor  - Communion, Was Spring e Small Things - num processo de escolha que levou a esta última, dimensionado por artesanal tradução de Ana Carbatti.

Ambas acabando por integrar o elenco completado por  Adassa Martins, sob mais uma acurada direção concepcional de Inez Viana, tendo a valiosa participação de uma equipe artística feminina. Com algumas craques do universo teatral carioca, a saber, Denise Stutz (Movimento), Marieta Spada (Cenografia) Lara Cunha (Luz) e Aline Gonçalves (Música).

A trama dramatúrgica reune mulheres de diferente nível geracional e social encontrando-se por um destes acasos do destino, quando inicialmente Patricia (Ana Carbatti) uma professora aposentada, aparentemente rica, culta e conservadora, escolhe uma simplória governanta Nice (Liliane Rovaris) para cumprir tarefas domésticas.  


As Pequenas Coisas. Daniel MacIvor/Dramaturgia. Inez Viana/Direção Concepcional. Abril/2025. Thais Grechi/Fotos.


No decorrer da narrativa, enquanto vão se revelando os caracteres contrastantes de cada uma delas, o autoritarismo advindo de uma assumida sapiência de seus anos de magistério e a aparente paciência que esconde uma irrestrita teimosia no falatório da “empregada”, é revelada a terceira personagem através de sua intrigante filha Bel (Adassa  Martins).

Esta, por sua vez, por ter tido um filho que desde cedo foi identificado como uma criança transgênero, mostra-se, em sua conscientização por aceitar isto, como menos instável e mais madura que as outras duas, tornando-se, entre as três, a mais maleável e capaz até de fazer rir o espectador.

E na sua busca de energização afirmativa encontra culminâncias nas discussões conflituadas com a mãe e na divertida cena em que, depois de se oferecer como substituta da mãe ausente, convence a velha professora a se animar mais experimentando cannabis,  suprindo para melhor sua dependência emocional no lugar de seus habituais drinks alcoólicos .

O minimalismo cenográfico (Marieta Spada), preenchendo o espaço arena com poucos elementos materiais, incluída a indumentária cotidiana, sob uma ambientação de luzes mais vazadas (Lara Cunha) faz com que prevaleça um clima gestual psicofísico  (Denise Stutz) capaz de ser afinado, num sotaque subliminar crítico/reflexivo,  pela precisa direção de Inez Viana.

Não podendo deixar de ser destacada a trilha musical (Aline Gonçalves) ao privilegiar a interveniência sonora de cegos do Instituto Benjamin Constant, além da expressiva e tocante cena da audição de acordes schubertianos, num simbólico recital que procura conciliar classes sociais e gostos musicais, sob a envolvência interativa  atrizes/espectadores.

Onde a evocação de temas tão caros aos nossos dias como a misoginia e o etarismo, o preconceito decorrente do livre identitarismo sexual às discriminações sociais, além do androcentrismo privilegiando sempre o domínio masculino, encontram o devido eco nas três personagens.

Desde a convicta entrega de Ana Carbatti ao seu papel com irrepreensível presença dramática, ao lado de uma contundente e ao mesmo tempo sóbria sustentação de Liliane Rovaris para seu personagem, enquanto Adassa Martins surpreende ao deslocar sua atuação para uma linha mais irônica e lúdica que descontrai o clima da performance.

Tudo convergindo para a devida classificação de As Pequenas Coisas como uma comédia dramática e, afinal, pela tão acertada definição da sua diretora Inez Viana : “A peça nos conta sobre como podemos rever a partir de encontros inusitados e lidar com eles, para que tenhamos novas revelações sobre nós mesmas”...

 

                                              Wagner Corrêa de Araújo



As Pequenas Coisas está em cartaz no Arena/Sesc/Copacabana, quinta a sábado, às 20hs; domingo às 18hs, até o dia 11 de maio.


A VIÚVA ALEGRE : A MAIS GLAMOUROSA CRIAÇÃO DE FRANZ LEHÁR ABRE A TEMPORADA 2025 DO MUNICIPAL CARIOCA



A Viúva Alegre. Opereta/Franz Lehar. André Heller-Lopes/Direção Concepcional. Abril 2025. Daniel Ebendinger / Fotos.


Inspirada numa típica comédia parisiense de 1861 - "O Adido da Embaixada", por Henri Meilhac, a opereta A Viúva Alegre, estreada em 1905, tornou-se a mais popular de todas as obras do compositor germânico/austríaco Franz Lehár. Que, a partir daí, ficou conhecido como um dos maiores experts neste lúdico gênero musical.

Além da composição ser celebrada como um clássico do cinema silencioso, na versão 1925 de Erich von Stroheim, ao seu grande êxito de crítica e público na atuação da dupla Maurice Chevalier e Jeanette MacDonald, na era dourada da opereta fílmica americana. Sendo referenciada, ainda, como musical da Broadway e em variadas adaptações para os palcos coreográficos.

Pelo dimensionamento estético desta opereta, situada numa musicalidade cantada e dançada no entremeio de  valsas e acordes romantizados, paralelamente às suas inúmeras partes faladas tal qual uma burleta ou comédia musical ligeira, tornou-se comum uma liberdade maior na ampliação de seu contexto falado.

O que faz com que sua duração possa alcançar, às vezes, até quarenta minutos a mais, mesmo diante do risco de que torne menor a prevalência da música, tornando-se isto usual nas suas representações contemporâneas. O que vai depender, evidentemente, do ritmo imprimido pela singularidade das opções de sua direção cênica.

Nesta atual produção da opereta na abertura da temporada 2025 do TMRJ, sob entusiasta e diferencial concepção cênica de André Heller-Lopes, utilizou-se o legado da textualidade autoral do dramaturgo carioca Arthur de Azevedo, original de 1908, mais proeminente na letra das canções, com inserções atualizadas no enredo e maior independência nas passagens faladas.


A Viúva Alegre/Franz Lehar.Felipe Prazeres/Direção Musical. André Heller Lopes/Direção Cênica.

 

O que não conseguiu impedir um certo fastio na extensão da montagem, provocado pela perceptível dificuldade de apreensão de falas isoladas em sua integralidade, numa caixa cênica apresentando limitações acústicas, provocando reclamações de espectadores, mas não extensível às canções acompanhadas de suas respectivas legendas.  

Ao lado de um preciso cuidado imprimido à leveza lúdica da partitura pelo regente titular Felipe Prazeres frente à OSTM, paralelo às intervenções vibrantes de parte do Coro e de bailarinos dos corpos estáveis. Numa bem ensaiada coreografia (Rodrigo Neri) indo de valsas a danças de cabaré, havendo especiais destaques no protagonismo de seu staff vocal.

Com maior convicção e equilíbrio no papel titular de uma espirituosa e cativante viúva Hanna - pelo soprano Gabriela Pace - e da energizada fluência do Conde Danilo, na personificação do barítono Igor Vieira, ambos empenhando-se tanto em suas atuações vocais quanto atorais, com potencial química nas árias (Vilja Lied), como nos duetos amorosos (Lippen  Schweigen), na luminosidade da cena do ato final ao revelar a reconciliação de uma paixão reprimida.

Transitando bem, ainda, na agitada performance de uma farsa jocosa entre o engraçado fingimento e as traições, através dos personagens Barão Zeta, o embaixador pontevedriano (tenor Fernando Portari), Camille (tenor Ricardo Gaio) e Valencienne (soprano Carolina Morel), além da bem humorada atuação, em papel meramente teatral, da conhecida atriz Alice Borges.

Cabendo ressaltar a elegante luxuosidade dos figurinos  (Marcelo Marques), sob um subliminar sotaque atemporal conectando a Belle Époque à contemporaneidade. Tudo ambientado numa vistosa caixa cênica (Renato Theobaldo), preenchida por alusões a interiores e jardins com sutis toques aristocráticos, extensiva aos ambientes cabaret, sendo amplificados nos efeitos luminares de Paulo César Medeiros.

Do Chez Maxim parisiense a uma plasticidade de proposital intenção metafórica, ao lembrar o glamour dos cassinos e revistas cariocas dos anos nostálgicos de glória, e por visibilizar uma charmosa cena parodiando a cinematográfica brasilidade de uma "viúva alegre" sugestionando Carmen Miranda, com seu alegórico turbante de frutas tropicais, cercada por bananas gigantes.

Em mais esta volta da “Viúva Alegre” ao Municipal, vale registrar, aqui, uma dúplice e incrível curiosidade histórica sobre a obra : enquanto Hitler era um fã absoluto da opereta, Richard Strauss não disfarçava o ciúme diante do seu sempre ascendente sucesso popular, definindo ironicamente Franz Lehár -seu melhor talento é para o kitsch”- para completar, em 1940 : “Ainda hoje aos 75 anos, a valsa da Viúva Alegre sempre me dá um acesso de raiva”...

 

                                          Wagner Corrêa de Araújo


A Viúva Alegre, opereta, está em cartaz no TMRJ, desde quinta 17 de abril, em dias e horários e diversos, até o domingo, 27/04.

VICTOR CAIXETA, UM EXPONENCIAL BAILARINO BRASILEIRO SOB O MÁGICO ENCANTAMENTO DA ARTE COREOGRÁFICA


La Bayadère / Mariinsky Ballet. Com Victor Caixeta. 2022. Svetlana Avvakum / Photos.

  


Entre os bailarinos brasileiros da última geração que alcançaram uma super especial posição de destaque nos palcos internacionais está, sem dúvida alguma, Victor Caixeta. Que na mineiridade de sua origem interiorana, após a iniciação no balé clássico, começou a chamar a atenção, desde logo, por seu irrestrito talento vocacional e sua potencial evolução técnica.

Minha trajetória no balé começou entre os 11 e 12 anos de idade, em Uberlândia (MG), por meio de um projeto social chamado Pé de Moleque, sob a direção de Guiomar Boaventura. Foi ali que tive meu primeiro contato com essa arte que, desde então, se tornou parte essencial da minha vida. Guiomar teve um papel fundamental nesse início. A ela devo grande parte do que construí até hoje. Seu ensinamento, rigor e dedicação seguem sendo referências para mim, e é com profundo respeito que continuo a reconhecê-la como uma das minhas principais mestras”.

O que fez transmutar os planos familiares para que ele se tornasse um jovem esportista, por sua identificação maior com o gestualismo exigente da estética da dança. Num empenho tão intenso que, aos quinze anos, impressionou de tal maneira a banca seletiva do Prix de Lausanne possibilitando-lhe estágios em prestigiadas academias do exterior, desde a Escola Nacional de Balé do Canadá à Staatliche Ballettschule de Berlim.

"O trabalho feito com a Guiomar em pequenos passos, foi sério desde o primeiro dia. Dizer que nos surpreendemos com as conquistas não seria certo, ela sempre me ensinou a mirar alto e sonhar sem pedir licença. Nosso plano sempre foi sólido, só não esperávamos que o tempo fosse tão generoso. Mas no fim das contas, quem tem tempo a perder?"


Het Nationale Ballet .  Regnum/By Milena Sidorova. À esquerda, Victor Caixeta. 2023. Michel Schnater / Photo .


Com dezoito anos, foi contratado para o Mariinsky Ballet (São Petersburgo), onde teve a chance de atuar ora como solista, ora como protagonista, em algumas das maiores obras do repertório clássico. De lá, por razões de convicção política e solidariedade artística à Ucrânia invadida, num similar ideário também de David Motta Soares no Bolshoi Ballet, ambos deixando sequencialmente a Rússia, enquanto David ia para Berlim e Victor para Amsterdam.

"A decisão de deixar a Rússia foi tomada com uma dor profunda, mas, por questões morais, foi algo que não pude evitar. Talvez eu nunca me torne o bailarino clássico que sonhei em ser, talvez, se tivesse permanecido, teria perdido a chance de me tornar o artista eclético que desejo me tornar. Esse é um paradoxo angustiante, algo que terei que carregar dentro de mim, dia após dia, pelo resto da minha vida…Mas tudo que sei hoje, eu devo aos quase 5 anos vividos na Rússia".

E a entrada definitiva no Het Nationale Ballet deu a Victor Caixeta a oportunidade de se especializar na dança contemporânea, através da assumida inventividade de alguns de seus conceituados coreógrafos, ainda que, vez por outra, já tivesse dançado nos seus cincos anos russos, obras de Hans van Manen e Wayne McGregor a Twyla Tharp.   

"O Het Nationale Ballet foi um abrigo que  me acolheu dando espaço para ser criativo e explorar o mundo. Sou muito grato à direção daquele teatro por ter tido a experiência de trabalhar com coreógrafos extraordinários".

Tendo ainda no período de formação berlinense, interpretado criações de Nacho Duato e Marco Goecke. No entremeio de toda esta intensa atividade e, antes de tudo, tão proveitosa trajetória, Victor Caixeta nunca deixa de lembrar o apoio permanente, tanto da parte de seus pais como dos grandes mestres que o acompanharam através de uma carreira ascendente:

"À minha família, por mesmo sem entender nada sobre o mundo da arte e principalmente do ballet, estar sempre me apoiando da forma que eles podem. E claro, a todos os meus mentores, Guiomar Boaventura, e meus mestres da Rússia: Gennady Selyutsky (in memoriam, 2022) e Viktor Baranov".

Optando nos últimos anos por se direcionar a uma caminhada artística independente, fruto de sua maturidade como bailarino, agora mais autoral numa perspectiva visionária que certamente o encaminhará à criação e à direção concepcional coreográfica.  

"Com o passar dos anos, tenho interpretado os personagens de maneira mais madura, incorporando tanto minhas experiências profissionais quanto pessoais. Acredito que qualquer papel com o qual eu consiga me conectar como ser humano acaba se tornando um favorito. Se tivesse que escolher um papel, este seria o de Romeu".

E é carregando a titularidade de grande artista, na missão de decifrar os mistérios no universo da dança, que ele se apresentará, pela primeira vez, no mais tradicional palco da dança clássica do país – o Municipal carioca. Integrando-se ao lado da bailarina brasileira de iguais méritos - Mayara Magri, de estelar carreira no London Royal Ballet, no protagonismo do Lago dos Cisnes, com o Balé do TMRJ. Lembrando que esta tem sido uma parceria constante, dançando juntos este balé em palcos europeus.

"Ser brasileiro em uma companhia de balé é um motivo de muito orgulho, geralmente nos destacamos pela nossa dedicação, bom humor e a qualidade mais importante, somos sempre musicais. Dançar ao lado da Mayara é sempre um prazer imenso. Além de admirá-la profundamente como artista, temos uma amizade sólida e verdadeira que torna cada momento ainda mais especial. Retornar ao Brasil e unir nossas experiências com a grandiosidade deste teatro é um verdadeiro sonho se tornando realidade. Estamos muito gratos com o convite".

Com o olhar conectado no seu futuro profissional/existencial de toda uma vida dedicada à expressão da arte da dança, Victor Caixeta afirma plenamente convicto:

"A dança tem sido, ao longo da minha trajetória, uma linguagem profunda e transformadora, uma forma de expressão tanto pessoal quanto universal. Assim como no teatro e no cinema, a dança nos permite experimentar diversas vidas, comunicar emoções e contar histórias que, muitas vezes, seriam impossíveis de serem expressadas apenas com palavras, criando uma conexão única com o público e comigo mesmo".

E é com muita ênfase no propósito de seu ideário que ele conclui seu depoimento:

"Pretendo continuar explorando novas formas de expressão, colaborar com outros artistas, contribuir para o fortalecimento da arte no Brasil e no mundo. Meu objetivo é também inspirar e influenciar as novas gerações de bailarinos, para que possam, afinal, encontrar na dança uma forma de libertação e transformação, assim como eu encontrei..."


                                              Wagner Corrêa de Araújo


O Lago dos Cisnes. Het Nationale Ballet. Victor Caixeta e Maia Makhateli. 2023. Altin Kaftira/Photo.


O Lago dos Cisnes, no protagonismo de Mayara Magri e Victor Caixeta, como convidados especiais do Balé do Theatro Municipal / RJ, acontecerá durante sua temporada, especificamente apenas nos dias 15, 17 e 21 de maio.

INSIGNIFICÂNCIA : O INUSITADO ENCONTRO DE QUATRO PERSONAGENS MIDIÁTICAS NUMA IMAGINÁRIA NOITE NOVAIORQUINA

 

Insignificância, Uma Comédia Relativa de Terry Johnson. Victor Garcia Peralta/Direção Concepcional. Março/2025. João Caldas/Fotos.


O dramaturgo inglês Terry Johnson já é bastante conhecido nos palcos brasileiros através da peça Histeria, sucesso na direção de Jô Soares, em 2017. E que, subliminarmente, por seu enredo remetia também a encontros fictícios de personalidades icônicas, tema daquela que fora a peça inaugural do autor, em 1983, titulada Insignificância.

Onde quatro personalidades midiáticas nos anos cinquenta, sob o controvertido governo de Ike (Eisenhower), por um destes acasos sociais acabam reunidas na suíte de um hotel de Manhattan, em que está hospedado o cientista Albert Einstein. Sendo os outros três, nada mais nada menos, do que o Senador Joseph McCarthy, o jogador de beisebol Joe DiMaggio e a atriz Marilyn Monroe.

Mas na peça, por seus caracteres comportamentais e de corporeidade, sendo apenas sugestionados como personagens sem os seus nomes originais. Até mesmo porque nunca teriam participado deste inusitado, irônico, mais que improvável desafio, face a face e  psicofísico, no cotidiano noturno nova-iorquino.

Em que cada um deles representaria o contraponto de diversificado universo de vivências existenciais, entre os sonhos e a realidade, os desejos, as conquistas e as frustrações. Tudo se aplicando, simultaneamente, a um excêntrico e visionário cientista, ao político  extremado conservador ideológico, à atriz insegura desejando não ser apenas um símbolo sexual, além do revolto jogador de beisebol ensimesmado pelo desalento de suas perspectivas amorosas. 


Insignificância. Victor Garcia Peralta/Direção Concepcional. Com Cássio Scapin, Marcos Veras, Norival Rizzo e Amanda Costa. Março/2025. João Caldas/Fotos.


A peça de Terry Johnson, estreada em 1983, teve dois anos depois uma versão fílmica por Nicolas Roeg, praticamente mantendo as premissas básicas da dramaturgia original, embora recorrendo a inúmeros flashbacks no entorno daquelas vidas e o que representariam aqueles embates em tempos avançados.

Ficando, quanto aos palcos, maior o enfrentamento da conexão acertada de um sutil sotaque de comédia com a intenção reflexiva da narrativa para o alcance do espectador, especialmente o descompromissado com aquelas referências científicas e políticas, possibilitadas na trajetória confessional destas personalidades emblematizadas no mundo das celebridades e contextualizadas no american way of life.

E é no entremeio destas abordagens que se define a amargura de Einstein por ter, com sua teoria da relatividade, facilitado a concepção da bomba atômica, paralelo ao ideário do macarthismo propulsor da guerra fria, no confronto do expansionismo soviético e a obsessão pelo domínio global norte americano.  

Enquanto, no caso de Marilyn Monroe, na denúncia da exploração da condição feminina como mero objeto do prazer para uma masculinidade tóxica, na postulação recessiva de seu então parceiro amoroso, um profissional esportivo, simplório viciado em chicletes, compulsivo marido que preferia tê-la como uma mulher domesticada pelo lar.

Temas tratados com uma certa superficialidade na narrativa autoral dramatúrgica e, de forma perceptível, sendo abstraídos pelos qualitativos acertos cênicos e performáticos, assumidos em espetáculo transmutado pelo convicto empenho da artesania direcional de Victor Garcia Peralta, correspondido por um elenco perfeccionista em suas caracterizações gestuais e vocais.

Ficando difícil não destacar qualquer um deles, seja o amargurado Cientista (Cássio Scapin) frente ao intimidador reacionarismo do Senador (Norival Rizzo). Ou a Atriz (Amanda Costa), sensualizada em sua imagem, querendo se superar pelo talento artístico, ao lado do ciumento Jogador (Marcos Veras) dando vazão à repulsa dele pela lascívia de sua mulher que a faz ser desejada por todos.

Convergindo para a finalização estética, a plasticidade fascinante de uma caixa cênica preenchida por atraente concepção cenográfica (Chris Aizner) ampliada nas projeções frontais naturalistas de imagens de Nova York em movimento, numa super dimensionada tela led. E efeitos luminares (Beto Bruel) ressaltando os elementos identitários dos personagens em elegantes figurinos (Fábio Namatame), sob as intervenções sonoro-musicais de Marcelo Pellegrini.

E o oportuno complemento na denominação da peça como Insignificância, Uma Comédia Relativa, dando “significância” crítica à simpática versão textual (Gregório Duvivier), na intencionalidade de que a proposta é fazer rir, mas sem nunca deixar de lado, ainda que instantânea, a pulsão reflexiva...   

                           

                                           Wagner Corrêa de Araújo

 

Insignificância está em cartaz no Teatro Adolpho Bloch / Glória, sextas e sábados, às 20h; domingos às 18h, até 6 de abril.

ABSOLVIÇÃO : TEATRO VERDADE SOB A ANGUSTIANTE E PERTURBADORA SOMBRA DE UM ANJO VINGADOR


Absolvição. Owen O'Neil / Dramaturgia. Daniel Herz/Direção Concepcional. Andriu Freitas/Performance. Março/2025. Victor Hugo Cecatto/Fotos.


O cineasta, ator e dramaturgo irlandês Owen O’Neill ficou inicialmente conhecido por seus inúmeros stand-ups, sob uma pontuação irônica de humor negro que ele transpôs também, num crescendo mordaz, para seus experimentos teatrais e cinéfilos. Ideário que este acabou levando à culminância em sua mais polêmica criação cênica - a peça Absolvição.  

Conturbado pelo absoluto conservadorismo da igreja católica, especialmente nas comunidades paroquianas de seu país, capaz de silenciar diante da permissividade abusiva quanto a crianças inocentes por parte tanto de clérigos algozes, como da postura de pais insensatos que se colocam ao lado destes, chegando a acreditar nestes atos como um processo de remissão dos pecados.

No dimensionamento de uma temática que se constitui num dos maiores desafios que afeta tanto ao catolicismo quanto à maioria das igrejas evangélicas, estas últimas com a justificativa, em outros termos, de expulsão corporal dos demônios e, ambas, escondendo-se por trás de uma sagaz privacidade “sacramental e confessional” de alguns padres e pastores.  

Até que se ouçam os alarmes denunciantes seja da parte  de vítimas corajosas assumindo este papel em dúplice confronto como testemunhas ou juízes ou, quem sabe, na missão de um anjo vingador na intenção de fazer justiça própria à causa que lhes fez calar o grito, enquanto sofriam cruéis assédios, na pureza e na incapacidade de avaliar o certo e o errado em fases iniciais da infância.


Absolvição. Owen O'Neil / Dramaturgia. Daniel Herz/Direção Concepcional. Andriu Freitas/Performance. Março/2025. Victor Hugo Cecatto/Fotos.


O que o monólogo Absolvição, de Owen O’Neill, faz na intensidade universalista da primorosa tradução de Diego Tesa, e na correspondente performance irreprimível de um jovem ator (Andriu Freitas), sempre surpreendente e revelador,  ao convergir numa direção concepcional avassaladora (Daniel Herz) com subliminar sotaque “artaudiano”, imprimindo à peça um clima psicofísico de assombroso impacto.

Colocando o ator e  espectadores na ambiência mental de uma espada suspensa sobre suas cabeças, diante dos relatos sádicos, plenos de sangue e vísceras, por um protagonista sem identificação nominal. Mostrando os assassinatos sequenciais de clérigos que ele tortura e mata consciente da culpa de cada um deles como pedófilos.

O que é vislumbrado em minimalista concepção cenográfica e indumentária de diferencial plasticidade (em dúplice criação de Wanderley Gomes), ora sugerindo o gradeamento artesanal de um confessionário, ora a imaginária cela prisional de um serial killer, descalço e com apenas um short e uma camiseta.

Onde, sombras e luzes discricionárias (Aurélio De Simoni), ressaltam a original presença de cadeiras antigas, com assentos dilapidados pelo tempo, servindo como inusitados elementos cênicos para emoldurar as ações macabras do personagem protagonista.

Possuído, ali, de um ódio insano, sanguinário e homicida no ímpeto de precipitar nas purgações infernais, a falsa sacralidade daqueles violentadores da castidade pueril de suas pequeninas vítimas, sem distinção entre meninos ou meninas.

O admirável empenho performático do ascendente  talento de Andriu Freitas provocando, sob folego ininterrupto, o suspense de um thriller na tensa plateia, da energizada pulsão da sua corporeidade muscular a uma angustiante expressão facial, de seu olhar questionador à convicta entrega à textualidade dramatúrgica.

Acompanhada de soturnas sonoridades, no entremeio de breves acordes musicais (Pedro Araújo), a narrativa vai induzindo a inesperadas mutações,  entre os prós e contras, o certo e o errado, no repúdio ou na aceitação das enigmáticas dialetações de um personagem.

Assassino ou vítima, padre arrependido de suas vilanias ou talvez uma daquelas crianças tornada adulto, anjo exterminador ou um emissário divino? Na complementação dos sessenta e cinco  minutos, passo a passo, prendendo sensorialmente a atenção do público, para o que der e vier,  até chegar à inimaginável reviravolta do epílogo... em espetáculo obrigatório para quem gosta de sólido teatro verdade sintonizado com a contemporaneidade...

 

                                             Wagner Corrêa de Araújo  


Absolvição está em cartaz no Espaço Abu/Copacabana sexta e sábado, 20h; domingo, às 19h, até 30 de março.

FLORESTA AMAZÔNICA / CIA DE BALLET DALAL ACHCAR : A SIMBÓLICA VOLTA AOS PALCOS DE UM MARCO DA DANÇA EM FORMAS BRASILEIRAS

Floresta Amazônica / Cia de Ballet Dalal Achcar. Dalal Achcar/Concepção Coreográfica/Direcional. Março/2025.Valério Silveira / Fotos.


Esta obra da coreógrafa e diretora Dalal Achcar foi uma criação precursora (1975), no universo da dança clássica-romântica em moldes brasileiros, como primeiro balé completo de extensão padronizada em dois atos, a abordar o exotismo ancestral indigenista e a riqueza ecológica daquela que é considerada o pulmão da terra - sendo titulado como Floresta Amazônica,  por Heitor Villa-Lobos, em 1958. 

Esta vigorosa suíte sinfônica tinha servido de ponto de partida para uma produção fílmica americana (Green Mansions) não tão bem sucedida como sua trilha sonora que acabou integrando seu legado musical, sendo uma de suas mais inspiradas composições. E foi precedida apenas por um poema sinfônico (Amazônia) de mesma autoria, direcionado à dança, mas sem alcançar a mesma repercussão. 

Em sua estreia, 1975, no Municipal carioca, na acurada versão de Dalal Achcar, esta criação teve parceria artística do Royal Ballet de Londres, através de um de seus mais renomados coreógrafos (Sir Frederik Ashton) na idealização do Grand Pas-De-Deux para a participação protagonista de uma dupla estelar - Margot Fonteyn e David Wall.

Dez anos depois alcança seu dimensionamento definitivo como um balé completo em dois atos, mantendo na íntegra a sua partitura original, então executada, em caráter memorável pelo maestro Henrique Morelembaum, frente à Orquestra Sinfônica e Coro do Theatro Municipal, com a soprano solista Maria Lúcia Godoy.

Que simbolismo tão especial esta sua recente volta ao Municipal, no entremeio de tantas datas tão significativas, 50 de sua estreia, 40 da marcante performance TMRJ, ao mesmo tempo, que faz lembrar o centenário de uma das maiores sopranos do País ainda entre nós -  Maria Lúcia Godoy.


Floresta Amazônica / Cia de Ballet Dalal Achcar. Dalal Achcar/Concepção Coreográfica/Direcional. Março/2025.Valério Silveira / Fotos.


Retomando seus elementos estéticos originais, sendo mantidas, as projeções de um dos mais celebrados figurinistas na época, o argentino José Varona  e a de um dos nomes absolutos da cenografia Hélio Eichbauer, sob  artesanal concepção coreográfica / direcional de Dalal Achcar. Não deixando de citar, nesta atual remontagem, os ambientais efeitos de luzes vazadas e focais por Felício Mafra.

Tudo como il faut para uma obra que devia ser do repertório do Balé do TM/RJ pela força de sua brasilidade, não só coreográfica, mas musical e temática, tão oportuna quando a complexidade florestal, o manancial aquático, vegetação e animais, sem esquecer dos remanescentes dos povos originários, continuam sob enfrentamento de invasões depredatórias.

“A minha única e insistente influência extramusical é diretamente da natureza, especialmente a de meu país”. Palavras precisas do próprio Villa-Lobos e que podem ser aplicadas a esta bela iniciativa artística na transposição coreográfica da Floresta Amazônica. Onde tudo flui para engrandecimento desta obra, desde o acerto da escolha da bela gravação à conexão de seus elementos indumentários / cenográficos. Além de um enredo a partir de narrativas lendárias com assumido sotaque folclorista na configuração da tipicidade de seus personagens.

Destacando o empenho de um vasto e bem ensaiado elenco jovem de bailarinos da Cia de Ballet Dalal Achcar, orientado pelo maître de ballet e remontador Eric Frederic, ressaltando convictas atuações em variados papeis solo ou em afinadas formações grupais. Numa similaridade performática com movimentos ora de puro gestualismo clássico, presencial nas estilosas pontas das bailarinas, ora tendendo para uma energizada corporeidade masculina nas danças características indígenas.

Alcançando uma culminância sensorial palco/plateia quando as duas luminosas canções (poemas de Dora Vasconcelos) dão vazão a uma representação glamourosa de técnica e lirismo à talentosa e virtuosística dupla ascendente de bailarinos  Gabriela Sisto, como a Deusa da Floresta, e de Fernando Mendonça no papel de Homem Branco.

Completando, assim, a exuberante reapresentação da Cia de Ballet Dalal Achcar de uma obra, mais próxima de um esmerado classicismo romântico, em meio a sutis tonalidades contemporâneas, abrindo com brilho qualitativo a Temporada Carioca de Dança 2025.

 

                                          Wagner Corrêa de Araújo

 

Floresta Amazônica / Cia de Ballet Dalal Achcar está em cartaz no TM/RJ, de 20 a 22 de março, às 20hs, até domingo, 23/02, às 16h.



MÚSICAS QUE FIZ EM SEU NOME : LAILA GARIN EM MAIS UM ACERTADO LANCE DE DADOS CÊNICOS / MUSICAIS


Músicas Que Fiz Em Seu Nome. Laila Garin / Tauã Delmiro / Dramaturgia. Gustavo Barchilon / Direção. Laila Garin / Performance. Março/2025. Van Brígido Fotografia.


“Na tentativa de não sofrer, terminamos optando por não sentir. Plastificamos nossa pele. Embalsamamos nossos afetos”. É a partir de uma das inspiradas reflexões poéticas e filosóficas de Viviane Mosé que Laila Garin, em dúplice imaginário com Tauã Delmiro, estruturou a narrativa dramatúrgica de seu diferencial monólogo cênico musical Músicas Que Fiz em Seu Nome.

Dando, assim, partida a um envolvente jogo teatral conduzido com a habitual artesania de um dos experts da nova geração do musical brasileiro – Gustavo Fiszman Barchilon. Onde a força qualitativa de tão acertadas parcerias acaba imprimindo à proposta perspectivas de uma maior trajetória, muito além desta sua instantânea temporada inicial.

Tendo ao seu lado uma equipe tecno/artística que confere a maior visibilidade artística a um despretensioso espetáculo que, apesar de ser dimensionado como um show cênico por seus idealizadores, pode ser classificado muito mais próximo de um teatro musical, mesmo sob sua formatação de monólogo.

Afinal, contar com a performance de uma protagonista solo como Laila Garin tão irradiante, seja por por seu presencial cênico seja por sua singularidade vocal, é fator incontestável para que esta atriz/cantora venha, como sempre sob um sotaque carismático, alcançando uma sólida trajetória Brasil afora, especialmente depois que se tornou emblemática sua personificação de Elis Regina nos palcos.


Músicas Que Fiz Em Seu Nome. Laila Garin / Tauã Delmiro / Dramaturgia. Gustavo Barchilon / Direção. Laila Garin / Performance. Março/2025. Van Brígido Fotografia.


A trama dramatúrgica (Laila Garin e Tauã Delmiro) conecta comédia e melodrama, partindo de curioso relato sobre procedimentos estéticos com “plastificações” faciais (das correções dematológicas a cuidados capilares), de sua personagem titular - uma noiva (Laila Garin) - às vésperas de seu casório, para se transformar, custe o que custar, numa nova Leide Milene. 

Isto tudo muito bem sugestionado por intermédio da vistosa indumentária (Fabio Namatame) própria a uma cerimônia nupcial, na tipicidade dos seus emblemas - da branqitude rendada do vestido longo extensiva ao véu, mais o indispensável buquê de rosas vermelhas.

Surgindo, de repente, como uma noiva radiante e portentosa em sua alta postura frontal, ampliada em seu figurino com sutil referencial de uma "babushka" russa gigante, preenchendo com bela plasticidade o espaço cenográfico (Natália Lana) sob funcionais variações luminares  (Maneco Quinderé) .

Onde a trilha sonora, com cerca de duas dezenas de canções, entremeando gêneros populares diversos, vai do repertório romântico assumidamente, por vezes, de tons brega / sentimentais, a alguns clássicos da MPB e até incluindo uma versão em português de Ne Me Quitte Pas. No primoroso tratamento musical de Tony Lucchesi (piano e regência) e seu naipe afinado de instrumentistas (Léo Bandeira na bateria, Thais Ferreira no cello, Jhony Maia, na guitarra e violão).

Para fazer esquecer as sofrências afetivas e as desilusões existenciais enfocadas, aqui, com uma humorística ironia entre o riso e as lamentações, há uma correspondência plena de instintiva espontaneidade, das marcações direcionais (Gustavo Barchilon) às expressões faciais e o gestualismo corporal de Laila Garin.

A atriz/cantora descortinando todos os contornos de sua personagem em irrepreensível e cativante representação vocal e textual, sob um coesivo nível qualitativo performático para este seu primeiro experimento autoral, sabendo como absorver plenamente a atenção do espectador.

Enquanto Gustavo Barchilon mostra, outra vez,  seu pleno domínio da gramática cênica do teatro musical, partindo agora de uma trama simples mas, que ele torna com sua reconhecida maturidade no gênero, de explícito alcance sensorial palco/plateia, com promissoras perspectivas na temporada 2025 ...


                                              Wagner Corrêa de Araújo

                                         

Músicas Que Fiz em Seu Nome está em cartaz no Teatro do Copacabana Palace, em curta temporada,  dias 11, 12, 19, 21, 25 e 27 de março; até os dias 01 e 02 de abril, sempre às 19hs.

SIDARTA : LIBERTÁRIA CONEXÃO DRAMATÚRGICA E EXISTENCIAL ENTRE A ESPIRITUALIDADE E A CORPOREIDADE

Sidarta. Angel Ferreira / Performance, Concepção Autoral e Direcional. Março/2025. Philipp Lavra / Fotos.


Publicado em 1922, sendo cronologicamente seu quinto romance, Sidarta foi uma das duas  obras fundamentais, ao lado de O Lobo da Estepe, para a concessão do Prêmio Nobel de Literatura a Hermann Hesse 24 anos depois de sua publicação. Embora parcela significativa da crítica literária considere Demian, 1919, como sua proposta ficcional mais avançada e inventiva.

E é a partir de uma livre adaptação, em formato de monólogo, que o ator Angel Ferreira faz sua primeira incursão num espetáculo solo, concebido, dirigido e interpretado por ele e, agora, alcançando depois de instantâneas apresentações, uma mais longa e significativa temporada.     

O fascínio exercido por esta narrativa, além de inspirar gerações por seu apelo ascético e filosófico, conclamando pela paz interior e pela busca do sentido da trajetória existencial, levou-a por vezes às telas sendo mais conhecida a versão de Conrad Rooks, 1972, e nos palcos coreográficos, a adaptação de Angelin Preljocaj, em 2010, para o Balé da Ópera de Paris.

Mas uma versão fílmica experimental brasileira de Walter Daguerre, em curta metragem (Eu, Sidarta) chamou bastante a atenção da crítica em 2012, por sua estética diferencial com o olhar armado na contemporaneidade. O que levou-o a integrar a equipe de criação artística deste Sidarta cênico, como o responsável pela interlocução dramatúrgica.


Sidarta. Walter Daguerre / Interlocução Dramatúrgica. Beth Martins / Renato Livera / Supervisão Artística. Março/2025. Philipp Lavra / Fotos.


Onde o ideário inicial de Igor Angelkorte, aqui adotando como um dos reflexos especulares de sua transmutação existencial, após um afastamento de sete anos de sua carreira atoral, o nome de Angel Ferreira. E, nitidamente, marcado por um instintivo intuito de aperfeiçoamento psicopersonalista, após seguidas releituras de Sidarta.

Longe dos palcos e da TV, passando por um processo de mutação interior sob profunda e alentada busca de si mesmo, isolando-se, nas matas e rios da Chapada dos Veadeiros, em Cavalcante (Goiás), num retiro de mortificação metafísica de corpo e de alma. Que, em 2024, conduziu, afinal, ao processo de criação autoral, direcional e performática da peça Sidarta.

Contando com o valioso apoio de um apurado staff, a saber, além de Walter Daguerre, trazendo a supervisão artística de Beth Martins e Renato Livera, composta ainda pelo apoio de Lavínia Bizzoto. Para um espetáculo de dimensionamento minimalista, a começar do único elemento plástico, um simbólico tapete com design orientalista.

Sem qualquer figurino, salvo uma breve aparição do ator numa indumentária leve e quase transparente no seu prólogo, desenvolvendo-se, a seguir, um absoluto e assumido desnudamento de sua corporeidade até o epílogo, pós cem minutos da representação.

Sua nudez tendo o significativo metafórico do despojamento de qualquer elemento que esconda ou disfarce a natural fisicalidade humana, pelo ato de entrega total à busca de nossa interioridade espiritual e “de como conviver com o seu eu”, remetendo à textualidade de Hesse. Mesmo o mais conservador e acomodado dos espectadores, em sua imersão total na força e no carisma de suas palavras, acaba aderindo à mensagem estética da proposta.

Ampliada pela energia cativante que o ator imprime na conexão das variadas modulações verbais, expressando as diferentes personagens do livro,  com a espontaneidade de seu gestualismo corporal, num quase teatro coreográfico. Pulsão estendida sob a plasticidade de sotaque meditativo dos efeitos luminares (João Gioia e Renato Livera), seu intérprete encarnando, sempre com raro empenho artesanal, os conceituais filosóficos do universo dos Brâmanes.

Como Sidarta, um ator transmutado (Angel Ferreira) assumindo, com corpo, sangue e alma, que aqueles ensinamentos seriam, com certeza e fé,  seu próprio credo de arte e de vida. E, assim, podendo enfim recorrer como mote e signo, daí em diante, até o mais íntimo de si mesmo, à sábia reflexão de Hermann Hesse no entorno do personagem :

Refletiu profundamente, até esta sensação avassalar por completo e chegar a um ponto em que reconheceu causas - pois reconhecer causas, parecia-lhe, era pensar, e só através do pensamento as sensações se tornam saber e, em vez de se perderem, tornam-se reais e começam a amadurecer”...

 

                                              Wagner Corrêa de Araújo  


Sidarta está em cartaz no Teatro Poeirinha /Botafogo, de quinta a sábado, às 20h; domingo, às 19h, de 07 de março a 27 de abril.

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