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La Couleur de La Grenade / Compagnie Käfig. Mourad Merzouki/Concepção Coreográfica. Setembro/2025. Julie Cherki / Fotos. |
Em 1969, o cineasta armênio Sergei Parajanov estreava seu filme
A Cor das Romãs, uma obra que se
tornaria polêmica por seu desafio aos padrões conservadores do realismo socialista. Mas, ao mesmo tempo, tornando-o
emblemático por seu vanguardista dimensionamento estético, merecendo entusiásticos
aplausos de nomes como Godard, Antonioni, Fellini.
Na proximidade ao centenário de nascimento de Parajanov (1924/1990)
o coreógrafo franco-argelino Mourad Merzouki, incentivado pela atriz de origem armênia Satê Khachatryan,
decidiu fazer uma diferencial releitura do filme para sua Compagnie Käfig, utilizando o título original La Couleur de La Grenade.
Num simbólico processo de criação como tributo a um cineasta
que usava múltiplas linguagens artísticas em seu filme, onde era narrada a trajetória
do poeta armênio do século XVIII - Sayat Nova. Com efeitos cinéticos especiais nas
danças e cantos tradicionais, alegorias na representação teatral, numa
ambiência visual plena de plasticidade em cenários com referências ancestrais.
O que Mourad Merzouki transmuta para um palco coreográfico de
realidade imagética-onírica, adornado com vistosas tapeçarias antigas, onde seus sete
excepcionais bailarinos transitam entre imagens virtuais, imersos em delirante magia
luminar de projeções e efeitos aquarelados.
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La Couleur de La Grenade / Compagnie Käfig. Mourad Merzouki/Concepção Coreográfica. Setembro/2025. Julie Cherki / Fotos. |
Demonstrando suas convictas habilidades físicas na energia acrobática das danças urbanas, alternadas pela espontaneidade de incursões instantâneas sob o sutil sugestionar de passos clássicos, no entremeio prevalente de técnicas contemporâneas. E que propiciam o contraponto de um irradiante lirismo, especialmente nas cenas com a corporeidade feminina, centralizada sempre na figuração misteriosa de uma mulher de mítico e transcendente presencial, bastante similar à mesma imagem no filme.
Com figurinos leves, incorporando a tipicidade de elementos
cotidianos, na busca de uma funcionalidade maior para a fisicalidade energética
do estilo street dance e hip-hop, em proposta cênica de conexão a
indumentárias mais artesanais com o uso de trajes típicos da cultura armênia tradicional.
Tudo isto ampliado pela envolvência de uma trilha que equilibra
bem as passagens de acordes de canto corais de caráter ritualístico com sonoridades
eletroacústicas mais ritmadas, marcadas estas últimas por uma instrumentação percussiva
que estimula a vigorosa gestualidade de corpos atirando-se ao chão.
Para quem conhece o filme (de raras exibições mas até encontrável
nas plataformas digitais) é fácil a percepção de que toda esta encenação nunca
perde o conceitual plástico-estético que liga o resultado coreográfico ao estilo
fílmico. Idealizado e descrito por Sergei Parajanov em suas enunciadoras palavras
: “queria criar aquela dinâmica interna
que vem de dentro da imagem, as formas e a dramaturgia da cor”.
Lembrando que o cineasta chegou a ser bailarino e artista plástico, mas teve sua carreira bruscamente
interrompida pela violência discriminatória da censura soviética em 1969, condenando-o à prisão, onde
a liberdade só foi retomada tardiamente. Morrendo em 1990,
quase às vésperas da dissolução definitiva da União Soviética.
Enquanto, neste mesmo período, começava o projeto idealista
do jovem coreógrafo Mourad Merzouki para dar um lugar de destaque às danças
urbanas como uma autêntica manifestação, merecedora de estar ao lado de toda
movimentação inventiva da dança contemporânea.
Sua Compagnie Käfig atua desde 1996, com
turnês por mais de 700 cidades, incluído o Brasil em 2016, com o espetáculo Pixel, além de seus experimentos com
bailarinos brasileiros em algumas de suas obras anteriores. E no ano passado
sendo a Cia. escolhida para a abertura festiva em Paris dos Jogos Olímpicos.
Sobre esta temporada da Compagnie Käfig, com Pixel, em novembro de 2016, deixo aqui o registro da
crítica autoral postada, então, pelo blog Escrituras Cênicas :
https://www.escriturascenicas.com.br/2016/11/pixel-energica-e-lirica-fisicalidade.html
Wagner Corrêa de Araújo
2 comentários:
Uma crítica precisa sobre um excelente espetáculo
Espetáculo fantástico !
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