O Incidente-American Son. De Christopher Demos-Brown. Direção/Tadeu Aguiar. Fevereiro/2023. Fotos/Carlos Costa/Ricardo Brajterman. |
A peça American Son,
titulada como O Incidente em sua
primeira versão para os palcos brasileiros, sob uma dupla responsabilidade de
Tadeu Aguiar como tradutor e diretor, estreou originalmente na Broadway em 2016. Alcançando dois anos
depois uma adaptação cinematográfica por Kenny
Leon, com produção da Netflix.
Numa criação autoral de Christopher
Demos-Brown, um advogado americano de causas sociais já há algum
tempo se dedicando também à escritura dramatúrgica, e que aborda uma temática
polêmica no entorno tanto do preconceito de cor como das relações inter raciais.
Transmutada na habitualidade violenta do sistema policialesco
no tratamento dos envolvidos nestes casos, sem distinção para acusados e vítimas,
especialmente quando são oriundos das áreas de marginalidade social. Sendo
comuns as atitudes insensatas e até homicidas dos próprios agentes responsáveis
pela cobertura in loco destes fatos.
Extensiva à forma desprezível como são tratadas as pessoas de
pigmentação negra quando demandam a apuração de um suspeito desaparecimento de
familiares, numa delegacia em altas horas da noite. Cenário específico desta
peça reunindo numa ante sala de sua sede os quatro personagens, a saber uma mãe
negra, seu ex-marido de pele branca, um simples oficial de plantão e um tenente/chefe,
encarregados ambos de apurações que requerem uma suposta urgência.
Numa tensa narrativa expositiva da intuitiva ansiedade
materna - em sensorial performance de Flávia Santana no papel de Kendra - pela suspeita não volta de seu filho Jamal, com suas características de
afrodescendente de 18 anos e que saiu
em carro próprio, sem quaisquer notícias sobre seu paradeiro até aquelas horas
tardias.
O Incidente-American Son. Direção concepcional/Tadeu Aguiar. Em cena, Flávia Santana e Leonardo Franco. Fevereiro/2023. Fotos/Carlos Costa/Ricardo Brajterman. |
Enquanto é atendida por Larkin,
o subalterno oficial de serviço, com uma assumida falta de interesse em
prestar qualquer esclarecimento mais elucidativo, ampliada em nível similar
pela atitude autoritária de Stokes, o
tenente que surge algum tempo depois. Em funcionais atuações, respectivamente
de Daniel Villas e Marcelo Dias.
Até que a trama alcance um clímax nervoso com o súbito aparecimento
de um impositivo personagem - Scott, o pai de Jamal e, não por acaso mais respeitado
pelos dois integrantes do departamento policial por sua graduação superior como
agente do FBI. Mas que estabelece um agitado diálogo pleno de ressentimentos
direcionados à sua ex-mulher, com insinuações ferinas até de vitimização racista.
A partir daí, aumentando a envolvência iniciada pela angustiosa
insegurança quanto ao destino real do filho, através de instigantes falas do casal
que remetem ao dossier dramático da sua birracialidade. E chega aos conflitos e
causas da sua separação matrimonial, sob um energizado e convicto desempenho psicofísico da dupla
atoral - Flávia Santana e Leonardo Franco.
Onde a plasticidade da ambiência cenográfica (Natalia Lana) tem
um caráter aproximativo da versão fílmica, cercada por uma estrutura que
sugestiona uma chuva intermitente, visualizada através de vidraças que ladeiam a
sala de espera do órgão policial. Ressaltada em discricionários efeitos luminares
(Daniela Sanchez) que se estendem a uma indumentária (Ney Madeira/Dani Vidal) mais
cotidiana e a ocasionais inserções sonoro/musicais (João Callado).
A fidelidade especular à tessitura textual americana, por
vezes, deixando escapar um reiterativo mergulho quase didático na problemática
comum das relações sociais, vistas pelo olhar do preconceito racial submisso
aos habituais abusos do sistema policial. Sendo suas extensas dialetações apontadas
inclusive como o problema mais perceptível na adaptação cinematográfica, com sua
prevalência da estética teatral sobre o tratamento fílmico.
Mas, subliminarmente, superada no prioritário
dimensionamento concepcional imprimido por Tadeu Aguiar a um teatro feito para
denunciar e fazer refletir sobre a necessária resistência à segregação racial.
Aqui ou acolá, sempre dando um referencial eco ao apelo humanitário de Martin Luther King : “a injustiça num lugar qualquer é uma ameaça
à justiça em todo o lugar”...
Wagner
Corrêa de Araújo
O Incidente está em cartaz no Teatro Firjan/Sesi, quinta e sexta,
às 19h: sábado e domingo, às 18h. Até 12 de fevereiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário