CÁLCULO ILÓGICO / Foto - Bia Chaves |
Como se não bastassem os inúmeros cortes de financiamento
público e novas regras nos incentivos oficiais,
quase inviabilizando de vez a produção de espetáculos, uma onda de irrestrito retrocesso censório, guiada por um doutrinário político obscurantista, colocou em estado de atenção não só a classe teatral mas
todo o universo cultural brasileiro.
PARTE I – SEIS PERSONAGENS EM BUSCA DE UM ATOR
Tornadas raras as montagens mais exigentes aumentou, por sua
vez, o número de monólogos. Ocasionados pela precariedade de recursos
financeiros e sob o risco da dependência de textos mais originais e performances
mais sólidas, afastando cada vez mais o público desta forma de representação
dramatúrgica.
Se de um lado houve uma perceptível rejeição, por outro acabou surpreendendo com
algumas das melhores criações de toda temporada teatral carioca. Através de propostas
incisivas não só por sua abordagem temática como por sua formatação no uso de soluções cênicas.
Desde a autoficção
do dramaturgo uruguaio, Sergio Blanco - A
Ira de Narciso, convergindo em carismático aporte sensorial, no embate psicológico e na instigante corporeidade alcançada pela
representação de Gilberto Gawronski, sob direção conceptiva de Yara de Novaes.
Ou de Todas As Coisas
Maravilhosas, na dúplice textualidade dos ingleses Duncan Macmillan/Joe
Donahue, para um teatro empático que se expande em cena e conquista, com as
delicadas nuances de seus pequenos mistérios, a adesiva cumplicidade do
público, através de potencial interprete (Kiko Mascarenhas) e competente
direção (Fernando Philbert).
E é este ultimo que comanda a perspicaz releitura de Diário do Farol, a partir de João Ubaldo Ribeiro, com um luminoso Thelmo Fernandes
no disfarce de feroz manipulador de emoções odiosas que exteriorizam os mais
baixos instintos da condição humana. Sob o signo da maldade e das sórdidas
injunções políticas de anos sombrios de regime militar, dando um recado de alerta ao Brasil de hoje.
Digressões algébricas com substrato psicopoético conduzem à
escritura dramatúrgica, no formato de um monólogo autoral, da atriz Jéssika
Menkel com Cálculo Ilógico, sintonizada
por provocante performance emotiva, na sempre artesanal condução de Daniel
Herz. Num desempenho energizado pela amarração de espontânea fisicalidade gestual enquanto, ao mesmo tempo, sedutor por seu élan introspectivo.
Através de tema, de tanta urgência em momento de temível retrocesso político/cultural, o ator e autor teatral Leonardo Netto faz visceral incursão dramatúrgica e performática com sua peça 3 Maneiras de Tocar no Assunto. Num impactante processo investigativo que se desdobra em três solilóquios, de sequencialidade cúmplice e complementar, sobre todas as formas da intolerância e do não consentimento à condição humana homossexual. Com exponencial parceria de Fabiano de Freitas (direção), um expert cênico na decifração da questão LGBT.
Da concisa transmutação do Otelo shakespeariano para um ator e
marionetes, através de Iago, em encenação
que prima por seu rigorismo focal para conceder ao personagem titular, em seus
divisionismos, veemência política e tônus psicológico, com uma mesma
pulsão performática-diretorial e comum autoridade cênica (Márcio Nascimento e
Miwa Yanagizawa).
Valendo ainda serem citadas outras personagens, entre outras
tantas, presenciais em algumas envolventes experimentações solo. Do difícil
suporte da condição homossexual, entre a infância e a adolescência, no revelador memorialismo
cênico de Rafael Souza Ribeiro em O
Homem Feito.
À transcendente incursão de Gregório Duvivier no processo questionador de Sísifo, em reflexiva e desafiante pulsão que conecta, com sagaz ironia, a ancestralidade mítica e o ideário existencialista da obra de Albert Camus ao vai e vem das
absurdidades do momento político brasileiro.
Wagner Corrêa de Araújo
DIÁRIO DO FAROL / Foto de Rafael Blasi |
Nenhum comentário:
Postar um comentário