VOZES DO SILÊNCIO : POEMÁTICO FILME NÃO FILME BECKETTIANO SOB COMPASSO ELÍPTICO

CAROLINA VIRGÜEZ, em VOZES DO SILENCIO. Uma peça/filme. Abril 2021. Fotos/Fábio Ferreira.

Nada tenho para dizer, mas somente eu sei como dizer isto”. (Samuel Beckett).

Diante de um estado de permanente perplexidade e desafio à própria sobrevivência humana, num universo pandêmico em tempo de referencial pré apocalíptico, como não evocar as contestações niilistas da dramaturgia de Samuel Beckett?

Em contexto cênico agravado também pela impossibilidade de estabelecer laços presenciais palco e plateia, ator e espectador, obrigando a criação teatral a saídas híbridas com a fusão de diversas linguagens artísticas.

Onde prevalecem, pelas limitativas circunstancias, os recursos cinéticos/virtuais, às vezes com frustrantes resultados mas, ao mesmo tempo, descortinando novas possibilidades estéticas, especialmente através da chamada peça-filme.

É o caso, entres outras, da proposta teatral, aqui subtitulada Filme Não Filme, Vozes do Silêncio, sob concepção cênica do diretor/cineasta Fábio  Ferreira, ao lado da atriz e protagonista solo Carolina Virgüez.

Com um acurado sustento técnico/artístico nos efeitos luminares, com gradações claro/escuro (Renato Machado), extensivas à simbiose indumentária em preto e branco (Luiza Marcier) e a um visagismo neo-expressionista (Cleber de Oliveira). Isto sem deixar de falar no encontro de vozes moduladas pela melancolia e pelo pânico, no entremeio de acordes sonoros incidentais (Felipe Storino).

CAROLINA VIRGÜEZ em Vozes do Silencio. Filme Não Filme. Abril 2021.

Dividindo-se em três conhecidos textos monologais do autor irlandês, caracterizando seu clima de teatro do absurdo, em órbita elíptica onde o conteúdo é condicionado, em caráter exclusivo, por sua correlação com a forma.

Este tríptico beckettiano é inicializado com Não eu (Not I), que, desde sua estreia em 1973 nos palcos londrinos, vem provocando reações de aplauso ou de repúdio na sugestão, sem sustento corporal, de apenas uma boca audível movimentada entre sombras. Vomitando palavras em frases isoladas, muitas vezes sem nexo, numa narrativa minimalista, ante/literal e metafórica.

No segundo módulo - Cadência (Rockaby) - continuando a voz ficcional dimensionada, aqui, por toques pendulares, em ambíguos relatos existenciais de uma figura fantasmagórica acomodada numa cadeira de balanço. Segundo a caracterização indicativa do próprio Beckett “Prematuramente velha. Cabelo grisalho despenteado. Olhos enormes em rosto branco sem expressão”.

Enquanto na sequencialidade de  Passos (Footfalls), uma mulher perfaz um trajeto de ida e volta, reiterativo como os toques de um metrônomo, dialogando com sua própria voz pré-gravada, em processo remissivo à mãe morta da personagem.

Em espetáculo audiovisual de teatro, com teor mais aproximativo do cinema, potencializando o “interior vazio" da condição humana descolada de qualquer significado, em recortes amargos do desamparo e da solidão claustrofóbica, questionada por um nervoso e sofrido grito - “O Quê ?” - repetindo-se até a exaustão.

Nada palatável com seu nonsense e sua carga de incomodo hermetismo, provocativo por suas percepções sombrias e depressivas, neste lugar nenhum do não ser e da não existência, Vozes do Silêncio tem artesanal comando diretor (Fabio Ferreira) na sua busca investigativa da conexão teatro/cinema.

E destacando-se, sobretudo, por uma visceral performance de Carolina Virgüez. Com densidade psicofísica, simultaneamente sóbria e ácida, desnudando a ancestral opressão do feminino, fazendo, enfim, ecoar, em tríplice transmutação cíclica, a finitude do ser e o inútil ato do existir.

                                            Wagner Corrêa de Araújo

CAROLINA VIRGÜEZ, em VOZES DO SILENCIO. Filme Não Filme. Abril 2021.Fotos/Fabio Ferreira.
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Vozes do Silêncio
: https://linktr.ee/vozesdosilencio). Em cartaz até 25 de abril, sextas, sábados e domingos, às 19hs.

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