TEATRO MUSICAL EM COMPASSO NOSTÁLGICO : SOBRE UM RIO QUE FICOU LÁ ATRÁS...



As ruas estreitas e abafadas com seus velhos e sujos cortiços vieram abaixo com o Morro do Castelo e, quase num passe de magia, nascia um Rio, no despertar do século XX, com ares franceses.

Paris era aqui, na sucursal tropical dos elegantes boulevares, no rebuscado mix arquitetural art nouveau / néo-clássico, na passarela das maisons parisienses, com suas madames de mantôs, culottes, lingeries, anáguas, penhoares e chapéus de tule, enquanto os cavaleiros evocam dândis, nas suas casacas, bengalas, pince nez, lenços e cartolas.

Com champagne e foie gras, entre os dourados, arabescos e espelhos da Confeitaria Colombo, o poeta Olavo Bilac (André Dias) e o jornalista José do Patrocínio (Sérgio Menezes), no delirante pensar com asas de Ícaro, vislumbram um dirigível à moda de Santos Dumont  (Saulo Segreto).

Entre idas e vindas, ciúmes e paixões, vitórias e vilanias, poesias e cantares, fatos realistas e ficcionais, outros personagens ocupam as feéricas veredas desta Belle Époque tropicalista.

Carioquíssima, no inteligente humor da comédia musical de “Bilac Vê Estrelas”, de Heloísa Seixas e Júlia Romeu, a partir do romance de Ruy Castro.

A carismática cartomante Madame Labiche (Alice Borges), os escritores Coelho Neto (Gustavo Klein) e Guimarães Passos (Reiner Tenente) e os malfeitores Padre Maximiliano (Tadeu Aguiar) e Dona Eduarda Bandeira (Izabella Bicalho), ora se desdobrando em outros papéis, completam o brilho de um elenco de notável desempenho vocal e cênico, sob o apurado comando de João Fonseca.

Com o belo desenho dos figurinos (Carol Lobato) e a pontual coreografia (Sueli Guerra), sente-se uma carência apenas nas sugestões ambientais de época (tão bem induzidas pelas letras das canções), através do limitado cenário minimalista (Nello Marrese) que, talvez, soasse mais funcional via projeções visuais.

Mas, sem dúvida alguma, o maior mérito é a originalidade de seu rico score sonoro de autenticidade autoral, com as irretocáveis composições de Nei Lopes, numa harmoniosa execução de Daniel Sanches (piano), Jorge Oscar (contrabaixo) e Oscar Bolão (bateria).

Lundus, xotes, modinhas, polcas, valsas e maxixes, recriados com artesanal teor inventivo, envolvem magicamente a plateia, mergulhando-a numa fantasiosa viagem musical / dramatúrgica.

Transfigurada, enfim, da estética alexandrina e do lirismo parnasiano, na simbologia teatral de um Bilac capaz de ver e ouvir  estrelas:

E eu vos direi: Amai para entendê-las! Pois só quem ama pode ter ouvido capaz de ouvir e de entender estrelas!”

Assim era o Rio capital federal com personalidades icônicas desde a miss Martha Rocha à socialite Carmen Mayrink Veiga, figuras colunáveis de Ibrahim Sued, além dos primeiros sintomas do rock e da bossa nova, num prenúncio político dos anos JK.

É neste clima de nostálgica euforia do glamour carioca, que o Sabonete Palmolive e a Rádio Nacional lançam o concurso para a viagem inicial Rio/Nova York do "Constellation - Uma Viagem Musical Pelos Anos 50 ", o super avião da Varig, em concepção dramatúrgica de Claudio Magnavita.

Com o incentivo da mãe (Lovie Elizabeth) e da tia ex-vedete de cabarés e boates (Andrea Veiga), Regina Lúcia (Julie), típica moçoila da Copacabana anos 50, vence a disputa diante da Orquestra do Golden Room, duelando seu amor entre o noivo cadete (Márcio Louzada) e os galanteios de Jorginho Guinle (Franco Kuster).

Na trilha sonora (Beatriz de Luca), o ponto mais envolvente da montagem do texto de Cláudio Magnavita, os hits daqueles anos dourados como Blue Moon, Only You, Unforgettable, com referências cênicas de décors (Natália Lana) e figurinos de época (Patrícia Muniz), ressaltados pela competente luz de Paulo César Medeiros.

Mas mesmo com o meritório esforço do elenco e o empenho da direção de Jarbas Homem de Mello, dublê de ator na primeira versão, a peça não alcança o impulso necessário das turbinas para planar às alturas do vôo original do "Constellation”.

Ainda que sob asas do glamour, não consegue decolar em similar pulsão da sua bem sucedida  viagem teatral, a original,  aquela de feliz memória nos idos de 2004.

                                             Wagner Corrêa de Araújo



CONSTELLATION - UMA VIAGEM MUSICAL PELOS ANOS 50. Dezembro de 2014. Foto / Milton Menezes.

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