DRAMATURGIA AMERICANA CONTEMPORÂNEA : NOS SÓRDIDOS LABIRINTOS DA CONDIÇÃO HUMANA

                                            HORA AMARELA. Fevereiro de 2015. Foto / André Wanderly.


Adam Rapp é um dos mais destacados nomes da dramaturgia americana contemporânea, tendo se notabilizado com suas incursões pela literatura, pelo cinema, pela televisão e, ainda, na área musical.

Em incisiva temática de fundo mergulho nas zonas mais escuras com as quais se defrontam amargurados personagens, na insensatez de sua luta de suporte da condição humana num universo de absoluta adversidade.

Enquanto no “Inverno da Luz Vermelha” havia a prevalência do espanto de um personagem condenado à solidão, na peça Hora Amarela, a protagonista Ellen (Deborah Evelyn) duela sua sobrevivência com a claustrofobia subterrânea de um porão.

Sob o contexto apocalíptico de uma metrópole em regime de ocupação, ela aguarda uma resposta à partida sem volta de seu marido, energizando sua combalida resistência com a vaga esperança do momento de trégua,  aqui personificado na hora amarela.

Isolada neste bunker, ainda enfrenta o estranhamento das súbitas chegadas de terrificados personagens. Desde um fugitivo anônimo com referencias comportamentais muçulmanas e incomunicabilidade linguística (Daniel Infantini), a uma mulher drogada (Isabel Wilker) com um choroso bebê na mochila.

A sordidez destes misteriosos e indefinidos visitantes tem sequencia com a miserabilidade de um ex-prisioneiro (Emílio de Mello), além de dois personagens focados na eugenia racial, de incidência ocasional na finalização da trama dramatúrgica (Daniele do Rosário/ Darlan Cunha).

A reverberante performance de Deborah Evelyn propicia seu permanente domínio de cena e em torno deste intenso protagonismo, destacam-se a carga dramática alcançada por Emílio de Mello e a expressiva linearidade de Isabel Wilker.

Na generalidade do contexto cênico, na totalização inventiva pelo alcance de um sotaque quase cinema, ressalta-se o comando concepcional de Monique Gardenberg.

Que é superlativado com a cenografia de ambiência caotizada (Daniela Thomas e Camila Schmidt), ao lado do mimético figurino (Cássio Brasil) e da funcionalidade de  luzes sombreadas (Maneco Quinderé).

E, enfim, com o altissonante score musical (Lourenço Rebetez/Zé Godoy), entre ruídos e frases musicais, transfigurando-se no melancólico clamor da canção de Yael Naim :

Está tudo acabado, acabado./Tudo acabado/.
Se nós perdemos a melhor coisa que já tivemos”.

Original da Broadway, com inspiração nas séries policiais e de suspense da TV americana, da lavra de um expert no tema como produtor e roteirista, a peça de Keith Huff - Chuva Constante - estreia no Brasil, na direção de Paulo de Moraes.

Em cena, o confronto da amizade de dois policiais, entre a solidariedade e a divergência, numa trama dramatúrgica alicerçada num choque de ideias sempre sob o fio da navalha, sustentando-se por consequências inesperadas.

De um lado, o tempestivo temperamento de Denny (Malvino Salvador) apesar da estabilidade da vida familiar e, em paralelo, a introversão solitária de Joey (Augusto Zacchi). Em confessionais encontros, reveladores de controversas trajetórias existenciais nos labirínticos corredores da corrupção e do crime.

A concepção cênica, limitada a duas cadeiras, tem cinética iluminação (Maneco Quinderé) com refletores laterais, como se fossem câmeras ao vivo de um estúdio de televisão, pontilhada por projeções de videografismo e um agitado score musical  (Ricco Viana).

Numa confluência de elementos tecno-artísticos que contribuem para o nervoso envolvimento da plateia, em permanente clima pontuado de violência e morte.

A ininterrupta sequência não linear de fatos cruéis e sentimentos traiçoeiros molha - impiedosamente - até os ossos, detonando corações e mentes, como a incomoda, resoluta e constante chuva referida no título original da peça (“ A Steady Rain!”).

A proposital indeterminação ambiental aumenta a inquieta sensação de estranhamento palco/plateia, numa sincrônica captação cênica assumida pela rédea criativa de Paulo de Moraes.

Tudo funcionando como uma partitura minimalista em moto continuo, executada com raro virtuosismo por um coerente duo instrumental de vozes e gestos em ruidosa execução emocional.

Numa irrestrita pulsão  onde os personagens/policiais são duelistas/atores que só atiram, com armas antagônicas, imbuídos de frieza direcionada a um insensato mas certeiro alvo comum.

                                            Wagner Corrêa de Araújo

CHUVA CONSTANTE. Dezembro de 2014. Foto / Evandro Holabey.

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