FIM DE CASO : ENTRE O AMOR PASSIONAL E A CULPA CRISTÃ


                                                                                 FOTOS/ ALE CATAN 

Ao publicar seu romance Fim de Caso, em 1951, o escritor inglês Graham Greene completava seu quarteto ficcional inspirado por suas convictas crenças católico - romanas e, a partir daí, tomado pelo surto de um inesperado ceticismo religioso, inicia sua celebrada serie novelesca de suspense com substrato político.

Com traços estilísticos e literários que o aproximavam do drama romântico, característico da fase anterior de seus escritos, este específico enredo partiu de experiência pessoal do autor num tórrido caso de traição matrimonial com a mulher de um amigo, vizinho e colega de trabalho.

Cujos reflexos, como uma “paixão proibida” à luz dos princípios morais e cristãos, marcariam indelevelmente a trajetória existencial dos três personagens, com um perceptível traço especular de Graham  como o alterego de Maurice, também escritor, e no confronto do catolicismo dúbio de Sarah.

Que, indo além da mera envolvência de um triângulo amoroso, potencializa-se no questionamento personalista de um escritor diante da fé e da dúvida, contextualizado no desalento frente às fatídicas consequências e nos reflexos inimagináveis de uma guerra recém terminada, como fator da própria sobrevivência da condição humana.  

O que, em verdade, acaba por transcender-se metaforicamente na inclusão de um quarto e decisivo personagem invisível, representado pelo Deus cristão. Capaz de só redimir a culpa da obsessiva paixão física e do adultério pela renúncia espiritual, no papel feminino de Sarah submetendo-se à coerção divina.

Depois de sua dúplice transposição cinematográfica, no filme de Edward Dmytryk, de 1955, e na versão de Neil Jordan, realizada em 1999, Fim de Caso titula esta adaptação dramatúrgica de Thereza Falcão. Sob direção concepcional de Guilherme Piva para um elenco integrado por Vanessa Gerbelli e Isio Ghelman, fazendo o casal (Sarah e Henry), e Eriberto Leão na representação do escritor Maurice Bendrix.

No enfrentamento do sempre difícil desafio de não se tornar uma mera e fiel transcrição fílmica de uma obra literária, buscando imprimir-lhe um conceitual estético próprio. Conservando o teor nitidamente confessional, no entremeio de narrativa em primeira pessoa com prevalência de uma terceira em sotaque memorialista (através das anotações do diário feminino).

Na concentração exclusiva do tríplice protagonismo e da poética ambientação cenográfica (André Cortez), com transparências visuais e efeitos oníricos sob um suporte video mapping (pelos irmão Vilarouca, Renato e Rico).

E, ainda, no uso de elegante recato indumentário (Fábio Namatame) e das marcações focais de um belo desenho luminar (Maneco Quinderé). Ressaltados, sobretudo, pelo apurado gosto na seleção temática do score sonoro/musical (Sacha Amback).

Com maior destaque, de um lado, para Vanessa Gerbelli, com envolvente presencial no preenchimento dos contornos sensoriais e no dimensionamento psicológico de seu personagem. Complementado na assumida postura de um espontâneo acento discricionário em Isio Ghelman, como o consorte enganado mas, ao mesmo tempo, mostrando-se ironicamente frio e distanciado.

Enquanto, por outro lado, Eriberto Leão revela, na representação do escritor, um certo tom de descontrole entre a sobriedade e a tensão, sutilmente prejudicial ao melhor alcance do equilíbrio psicofísico de um personagem com mais implícita exigência reflexivo/intelectual.

Onde torna-se relevante o esforço direcional  (Guilherme Piva) para viabilizar uma dramatização longe da literalidade e da linguagem livresca, com bem sucedidos artifícios cênicos e uma performance afinada para torná-la um produto artístico de independente autenticidade.

E ainda que não atinja, em sua integralidade, a desejada provocação de um contraponto crítico no diálogo entre o inventario dramático e o legado literário, valendo esta travessia livro>palco, enfim, ser conferida por suas seguras soluções estéticas.

                                                 Wagner Corrêa de Araújo



FIM DE CASO está em cartaz no Oi Futuro, de quinta a domingo, às 20h. 75 minutos. Até 17 de novembro.

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