O CAVALEIRO DA ROSA: QUALIDADE MUSICAL, BRILHO CÊNICO


FOTOS/FABIANA STIG

Em tempos de parcos recursos que colocam em estado de risco criações cênicas de todos níveis, o que não imaginar quanto às desafiantes exigências de produção para manter o élan estético, tanto musical como cênico, de uma ópera rara nos palcos brasileiros como O Cavaleiro da Rosa, de Richard Strauss.

A começar de uma orquestra que a partitura estima com pelo menos 112 instrumentos, para uma reconstituição cênica da ambiência feérica de uma Viena do século XVIII, e pela escolha de um elenco cujos requisitos técnicos fazem convergir excelência vocal e apurada teatralidade.

Afinal, isto é o mínimo para se manter a progressão dramático/musical de uma performance que ultrapassa quatro horas em seus três atos. Com estrutura composicional que alia passagens de lirismo (com  direito a acordes de valsas vienenses) a uma construção musical ambiciosa.

Com recursos de perfeccionismo sinfônico que ora a identificam com o formulário estético wagneriano como a prevalência de leimotivs, ora sabendo como equilibrar alterativas nuances do drama e da ópera romântica à comédia ligeira que a aproximam do vaudeville e da opereta.

Elementos estilísticos que a montagem de O Cavaleiro da Rosa, como segundo espetáculo da temporada lírica 2018 do Municipal paulista, soube explorar com sensível e arrojado senso artístico. Desde a primorosa leitura do maestro Roberto Minczuck atenta à escrita straussiana e sabendo alcançar o tônus idealizado do volume orquestral para privilegiar os cantores de um elenco com prevalência expressiva, entre solistas convidados, Coral Paulistano e Sinfônica do Theatro Municipal de São Paulo.

Onde a concepção cênica (Pablo Maritano) esteve à altura do rico substrato musical numa feliz transmutação para um clima vienense - dos anos setecentos para a belle époque. Contrapondo, ironicamente, uma aristocracia em processo de decadência na mobilidade especular de cenários (Italo Grassi) de sotaque palaciano em clima cabaret, com sutil referencial art nouveau nos arabescos muralistas frontais.

Ampliados nas incidências luminares (Caetano Vilela), entre claridades e sombreamentos, e no contraste de figurinos(Fabio Namatame). Do solene recato dos trajes protagonistas à indumentária de caráter burlesco/circense, no intervencionismo de coristas, dançarinos e figurantes, com atrevidos traços de lascívia e transexualidade. Quase numa brincadeira bem humorada, identitária com as habilidades  transformistas do personagem Octavian  (Luisa Francesconi).

Numa representação multifacetada de quase vinte personagens, alguns deles em alternância de papéis, os destaques ficam com o quarteto de protagonistas. A começar da Marechala, a princesa de Werdenberg, pelo soprano argentino Carla Filipcic, com um belo colorismo vocal e encorpada tessitura lírico dramática. 

Seguindo-se, no naipe feminino, uma postura exponencial em transmutações teatrais na personificação de Luisa Francesconi como Octavian, assim como no timbre incisivo e na segurança de uma voz admirável de meio-soprano. Qualificações que podem ser extensivas ao soprano bielorrusso Elena Gorshunova com preciosa sustentação nas variações de seu papel de Sophie, entre a agilidade e o lirismo, enquadrando-se ainda por sua presencial  jovialidade.

Mas se ao tríduo feminino não faltou brilho, com elegância nos fraseados e modulações vocais, além de adequação aos caracteres na teatralização e na musicalidade, o baixo Dirk Aleschus foi absolutamente inconsistente como o Barão Ochs, com sua desconfortável peleja para se  projetar na instabilidade de uma voz de abafados graves.

Lamentando-se a ausência no seu lugar, certamente com possibilidade de melhor desempenho, do brasileiro, inicialmente previsto Savio Sperandio. O que, no staff das trincheiras vocais, fez com que a batalha deste digno Der Rosenkavalier outorgasse o troféu da vitória final a um imbatível trio feminino.
                                          
                                           Wagner Corrêa de Araújo

O Cavaleiro da Rosa, teve seis récitas no Theatro Municipal de São Paulo, entre 15 e 25 de junho. Com 240 minutos, em dois intervalos.

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