CÍRCULO DA TRANSFORMAÇÃO EM ESPELHO:SOB CLÍNICA TEATRALIDADE

FOTOS/RODRIGO CASTRO


A tentativa de diversos eus ficcionais(que Pirandello realizou brilhantemente) leva a pôr novamente em questão a alternativa absoluta entre o eu autêntico e o eu representado, a colocar o sujeito num jogo permanente de eus e de espelhos”.

Reflexão do teatrólogo Patrice Pavis que pode ser um referencial para a proposta dramatúrgica de “Círculo da Transformação em Espelho”, de Annie Baker. Uma das vozes mais personalistas da nova dramaturgia norte-americana e que chega , agora, aos nossos palcos numa bela iniciativa e cuidadosa tradução por Rafael Teixeira, sob original concepção teatral de Cesar Augusto.

Onde desde o prólogo, para uma sequencial narrativa em seis segmentos, há uma singularizada proposição de um jogo de identidades, numa espécie de sessão de psicodrama e num convencional exercício lúdico/terapêutico envolvendo verbalização e gestualidades. E que, na  prevalência desta progressão dramática, armada com um inventivo olhar diretorial(Cesar Augusto), vai impactando pela inusitada exploração de seu conceitual rotineiro e de suas injunções de cotidianidade . 

Estabelecendo um parâmetro crítico, ora para   a especificidade de espectadores integrantes do universo teatral profissionalizante com seu perceptível reflexo especular, ora para o público leigo na transparência ilusória de que o visto contexto  poderia não lhe trazer maiores expectativas e significados pessoais. 

Em caráter distinto, pela peculiar construção de uma textualidade propositalmente superficial, plena de lapsos, interrupções e silêncios, em que a autora enfatiza  o confronto do mais comum situacionismo comportamental de cinco atores/personagens numa sala/academia de ensaios.

Assumindo ali, simultaneamente, diante da mobilidade de um  formato cenográfico(Mina Quental) circundado por  espelhos, o reflexo dos caracteres da representação de fatos inconclusos e fragmentários, entre suas vidas cotidianas e o ato da teatralidade. Em indumentária (Ticiana Passos) de eficaz simplicidade por sua não tipificação rigorosa de personagens, sob luminares(Adriana Ortiz) efeitos, gradativos de temporalidade ambiental e pulsões emotivas .

Neste exercício teatral do desempenho , entre a arte e a vida, há um absoluto domínio artesanal de um elenco que sabe como bem transcender as passagens, instintivas ou ficcionais, veristas ou falsas, dos relatos dia-a-dia  em introspectiva dramatização de um conflito de egos e vontades.

Direcionados pelo controle disciplinar/sensorial de Marty (Fabianna de Mello e Souza) vão, assim, se sucedendo, alterativos, em grupos ou solilóquios, os papéis e as performances. Em pontuações de psicologismo tais como o hesitante emocional do rústico James (Alexandre Dantas)marido da professora, a ferida solidão do recém divorciado Schultz(Sávio Moll), a fragilizada perspectiva de uma ex-atriz Theresa(Julia Marini) e as radiações da teenager Lauren(Carol Garcia) sonhando com as glórias do palco.

Todos dimensionados, em convicta psico/fisicalidade , na internação desta "clínica" trama de dúplice enunciado entre o ficcional e o real, com seus sugestionamentos implícitos ou explícitos, teatro dentro do teatro, numa comédia/espelho da vida privada que pode ser a de qualquer um de nós.

                                          Wagner Corrêa de Araújo


CÍRCULO DA TRANSFORMAÇÃO EM ESPELHO está em cartaz no Sesc/Copacabana, de quinta a sábado, às 20h30m; domingo, às 19h. 100 minutos. Até 29 de outubro.

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