FOTOS/PRISCILA PRADE |
O riso reside nas próprias atitudes mecânicas dos gestos humanos, no pensar
filosófico de Henri Bergson. E é esta verdade , de sarcástica poesia, que tem
marcado os retratos cotidianos que o ator, dramaturgo e escritor Eric Bogosian
traça em sua antologia a que chamou de
100 Monólogos.
Dela fazem parte alguns dos mais viscerais textos de sua
teatralidade como Acorda Pra Cuspir, versão brasileira de “Wake me up and smell
the coffe” onde o autor radicaliza sua formatação monologal, já dissecada,
entre nós, no seu provocante Sex, Drugs and Rock’n Roll e no questionador Talk
Radio.
Este performer/autor
vem , desde os anos 80, incursionando
não só pelo teatro em criações personalistas, mas ainda integrando o
elenco de notáveis obras fílmicas de Woody Allen, Robert Altman, Aton Egoyan,
Agnieska Holland, entre outros.
Além de atuações em séries televisivas como Law & Order e
da direção de um projeto de valoração documental das bases da dança
contemporânea, indo de Balanchine a Bill T Jones e Karole Armitage. E, ainda,
na polemização do genocídio armênio, a partir de suas raízes familiais, na
ficcional Operação Nemesis.
Não é, portanto , fator de
espanto estas suas vinhetas cômicas revelarem, em seu irônico
dimensionamento, o lastro psicológico de sua própria trajetória de celebridade
artístico/existencial.
A contemporaneidade destes instantâneos flashes se faz
presente na virulência de solilóquios voltados à desconstrução das pregações
espiritualistas, em contraposição ao voraz sonho humano de busca do sucesso pessoal e do patrimônio
material.
O personagem/protagonista (Marcos Veras) está encarnado na
insanidade dos inúmeros José Silva que,
no lugar comum de um dia-a-dia sem perspectivas, se auto vislumbram no paraíso
dourado da fama. Atropelando tudo e todos, ainda que na vacuidade espiritual e
na contramão de quaisquer princípios ético/morais.
Numa guinada abissal no seu contumaz humor descontraído e popular em formato stand up, aqui, Marcos Veras, em outra sintonia, destila um riso
ácido, sarcástico, ferino, virulento, num palco/tribuna de linchamento do vir-a-ser da conterrânea condição humana.
A irracionalidade de sua personagem é materializada no onirismo
da arquitetura cênica (Fernando Mello da
Costa) com seus bonecos especulares do intérprete, sob luzes claro/escuras (Aurélio de Simoni),figurinos(Antonio Guedes)luminosos,trilha sólida(André Abujamra) e incisiva gestualidade ( Duda Maia) , visibilizando, em
sensorial coesão, seu caos interior.
No seu habitual arrojo inventivo, Daniel Herz dá fluência
emotiva e sustentação estética à performance solista de Veras, na perigosa
narrativa monocórdia desta “comédia suja”. Sabendo imprimir contundência e
tirar efeito dos vácuos e silêncios, no seu irreverente, delirante, seco,
direto, mas reflexivo jogo teatral.
ACORDA PRA CUSPIR está em cartaz no Teatro Leblon, sexta e
sábado, às 21h; domingo, às 20h. 70 minutos. Até 2 de outubro.
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