II - DO LIVRO E DO PALCO ÀS TELAS : A PALAVRA IMAGÉTICA NO CINEMA

O SANGUE DE UM POETA. Filme literário autoral de Jean Cocteau. 1932. Foto/Divulgação.

Para contextualizar o papel da palavra literária ou teatral no cinema, temos que remontar aos primeiros tempos da cinematografia falada.

Antes havia a inserção de pequenos textos ou diálogos que concorriam para o melhor entendimento dos filmes silenciosos, embora fosse reconhecida a prevalência absoluta das imagens em movimento que, apesar de sua mudez, prescindiriam de qualquer esclarecimento verbalizado.

Este suporte imagético que, no cinema mudo, era carregado de alta expressividade no gestual e na movimentação cênica, foi praticamente submetido a uma autêntica verborragia na inicialização do sonoro. Fator que, em suma, transformava a narrativa fílmica em subliterata teatralidade.

Sendo capaz mesmo, por força avassaladora, de jogar ao chão o já reconhecido domínio de notáveis atores e diretores, além de movimentos, que tinham alcançado sua autonomia estética. Veja-se, por exemplo, o apogeu de clássicos do expressionismo alemão, em plenos anos 20.

Durante um certo período esqueceu-se que o cinema não é uma arte exclusiva da palavra mas, sobretudo, da imagem. Capaz de dizer muito mais que um texto e com força tal que o cinema sonoro acabou descobrindo a grandiosidade do silêncio (Ingmar Bergman tornou-se um referencial neste formato de exploração da imagem, tornando desnecessário o  primado do substrato verbal).

O cinema tem, antes de tudo, seu élan maior numa linguagem artística visual. Desde o pensar significativo de um múltiplo criador Jean Cocteau - “Um filme é uma escritura em imagens”- ao conceitual teórico de Alexandre Arnoux : “O cinema é uma linguagem de imagens com seu vocabulário, sua sintaxe, suas convenções, suas elipses, sua gramática”.

No amplo dimensionamento das relações aproximativas do cinema à literatura, há uma corrente deveras proeminente – a do filme propriamente literário, assim direcionado neste conceitual por seus próprios autores, não partindo de qualquer obra preexistente.

São todos aqueles filmes com argumentos livrescos, propósitos e técnicas da escritura artística, em suma seriam autenticas obras literárias surgidas, substancialmente, da utilização dos recursos técnicos do cinema.

Muitos destes filmes literários podem ser posteriormente publicados em livro, à parte, que continuarão a sobrever isolados da tela. Exemplos são os mais diversos : “O Ano Passado em Marienbad” (Alain Resnais/Robbe-Grillet), os filmes de Jean Cocteau (“Le Sang d’un Poète”, “Orphée”, “Le Testament d’Orphée”), mais a maioria das  obras de Ingmar BergmanJean Luc GodardFederico FelliniMichelangelo Antonioni, W.Fassbinder, entre muitos outros cineastas.

HEIMATT, A OUTRA TERRA. Último filme de Edgar Reitz exibido no Brasil. 2013. Foto/Divulgação.

E, no Brasil, o modelo ideal é “Deus e o Diabo  na Terra do Sol”, de Glauber Rocha, calcado em tradições orais populares e pleno de inventividade, colocando-se mais perto do universo ficcional de Guimarães Rosa que as transposições fílmicas de seu contos e romances. Dentre estas, um destaque é, sem dúvida alguma, “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”, por Roberto Santos.

Outro dado imprescindível é a importância que hoje alguns cineastas vem dando ao espectador como participante/consumidor da obra cinematográfica. Antecipando Umberto Eco, Serguei Eisenstein, o famoso revolucionário  da estética do cinema,  já acreditava que “o espetador de um filme era, de certa forma, especialmente chamado a usar sua imaginação a fim de criar sua própria experiência a partir da história”.

Dentro desta tendência, dois cineastas do novo cinema alemão surgido nas últimas décadas do século XX – Edgar Reitz  e Alexander Kluge - merecem ser citados pela ousadia nas proposições interativas cineasta/espectador.

Para eles, o fundamental está em fornecer ao espectador/consumidor uma obra, pode-se dizer, inacabada ou aberta às diversas possibilidades interpretativas, deixando o filme de ser um mero deleite lúdico/subjetivo para alcançar, enfim, uma transcendência político/social:

O filme não nasce na tela mas na cabeça do espectador e as imagens flutuam livremente na cabeça do personagem e também na cabeça do espectador que, no fundo, é o que representa o papel principal”. 

                                              Wagner Corrêa de Araújo                                  

MORTE EM VENEZA. Emblemática versão de Luchino Visconti a partir de Thomas Mann. 1971. Foto/Divulgação.

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