A OBRA ABERTA : UMA SÍNTESE CONCEITUAL PARA SUA LEITURA

UMBERTO ECO E A OBRA ABERTA, em reflexo escultórico-especular. Foto/divulgação.

Partindo do conceito de “obra aberta”, segundo o ideário propugnado por Umberto Eco, como “aquela que é levada a seu termo pelo intérprete no momento em que a goza esteticamente”, constata-se a prevalente existência de um campo infinito de possibilidades criadoras, tanto quanto de opções oferecidas ao consumidor.

Uma obra de arte, forma acabada e fechada na sua perfeição de organismo perfeitamente calibrado, é igualmente aberta, com possibilidade de ser interpretada de mil modos diferentes sem que a sua irreproduzível singularidade seja por isso alterada. Cada fruição é assim uma interpretação e uma execução, pois que em cada fruição a obra revive numa perspectiva original”.

Realmente o que pode-se observar é que, atualmente, um autor, no ato de realização de sua obra, pode ser direcionado por uma preocupação de estrutura-la em processo de abertura, o que vale dizer, deixa-la em estado de suportar as mais variadas leituras e interpretações.

Nossa época não permite mais, por sua própria contingência histórica de descobertas e redescobertas constantes, que o artista crie algo especificamente completo, acabado, onisciente, com o objetivo de afirmação pessoal e exclusivista, a que o leitor, intérprete ou espectador deva se submeter como mero observador. Isto seria (e o foi por muito tempo) fazer da criação artística em todas as suas manifestações, uma forma de religião, estruturada em verdades absolutas, incontestáveis, dogmáticas.

Ao contrário, dentro deste dimensionamento do ato criador, sendo a obra dirigida naturalmente ao intérprete, cabe a este também o direito de manipula-la e de retirar dela o que considera a sua verdade estética. Posicionamento claramente antecipado a partir de diversos movimentos, desde as primeiras décadas do século XX.

Desde os dadaístas e os futuristas, com suas proposições sustentadas na simultaneidade de uma abertura composicional privilegiando a interação lúdica entre o autor e o consumidor, incluindo jogos sonoros e cênicos, intervenções nos espaços urbanos e espontâneas improvisações, em libertária e  cúmplice realização.

Seguidas de comportamental postura com reflexo politico, no efeito cênico de estar, ao mesmo tempo dentro e fora do papel, no distanciar-se de um personagem vivenciado, fissurando, assim, a apatia acomodada da mera fruição lúdica, num incisivo e habitual procedimento do teatro brechtiano.

TERROR E MISÉRIA NO TERCEIRO MILÊNIO. Livre e aberta releitura de Brecht por onze atores MC's. Sesc/SP, Junho de 2019. Foto/divulgação.

A importância teórica e prática da “obra aberta” está, exatamente, na possibilidade que oferece de uma fruição por “mil maneiras diferentes”, dependendo dos diversos encontros com ela, fazendo-a “reviver numa perspectiva original” a cada contato.

É, num referencial ainda ao filósofo/escritor italiano, como se o criador entregasse ao intérprete as peças de sua invenção, desinteressando-se aparentemente do que lhes venha suceder ou do que daí possa resultar como objeto final.

Poderíamos conceitualizar talvez, de forma mais objetiva, como se o criador mostrasse pelo receptor de  sua obra um respeito novo à  concessão de sua inteligência, dando-lhe uma participação ativa na inventividade, no fazer.

Condenando toda obra de arte que pretenda manter uma significação absoluta e definitiva, como obra “fechada”, Eco aponta a necessária pluralidade de soluções para o intérprete, valendo-se de uma citação de Mallarmé :

Nomear um objeto é suprimir três quartos de prazer do poema, que é feito da alegria de adivinhar pouco a pouco: sugeri-lo...eis o sonho”.

A partir desse procedimento, em que se vai redescobrindo ou recriando o significado de uma obra, somos levados naturalmente a considerar a importância fundamental do método estruturalista, pois não se chegará a uma completa e perfeita compreensão da obra se não se analisar cada um de seus elementos e a função que tem no todo, constituído pelo sistema de relações a ele inerente.

No instante em que tomamos consciência de uma “obra aberta”, cabe-nos levar em conta a validade de uma desmontagem estruturalista, essencial, enfim, para a apreensão e avaliação de seu espectro amplo.

                                        
                                         Wagner Corrêa de Araújo

ALEXANDER CALDER e seus MÓBILES. Uma obra plástica, aberta a diversas leituras. Foto/divulgação.

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