CARMEN no Theatro Municipal/ RJ, abril de 2014. |
“A Carmen de Bizet, de longe a mais popular do
repertório lírico, intimamente ligada à trajetória operística do Theatro
Municipal/RJ, onde é mais que centenária, abre mais uma, ainda meio indefinida, temporada oficial (2014), como vem acontecendo ali, já há algum tempo.
A concepção cênica é de Allex
Aguilera, um brasileiro radicado na Espanha que já conhecemos por seus
trabalhos de diretor assistente nas impactantes montagens do La Fura dels Baus, nos registros em DVD
das óperas Os Troianos de Berlioz e no Anel dos Nibelungos de Wagner. Mas que deixa muito a desejar nesta Carmen, de menor processo investigativo com relação
a estes trabalhos realizados para palcos europeus.
Seu reiterativo artifício do "andaime", presente em todos os atos,
na verdade só chega a funcionar de fato como a taverna do Segundo Ato e a
arena no Ato Final onde, felizmente, a ideia da plasticidade cinética alcança viável equilíbrio. Através da projeção de imagens sintonizadas com uma mensagem ecológica contra a crueldade da matança de touros.
A questão do figurino e da própria visão geral atemporal não
prejudica a trama original que remete à novela realista de Prosper Merimée fazendo prevalecer
a figura libertária de uma mulher, tendo como pano de fundo personagens
sociais - contrabandistas, ciganas, cigarreiras, soldados, toureiros, em
confronto com a ingenuidade de crianças e o amor puro de Micaela (uma
personagem fora da base ficcional, inserida pelo libretista).
Embora esta contemporaneidade logre incomodar os tradicionalistas, não se pode mais fugir a uma tendência dominante nos mais importantes teatros do
gênero, da L'Opéra de Paris ao Metropolitan. O segredo é saber fazer seu bom
uso, entre a tradição e a modernidade
(como acontece nestas grandes saisons),
e nunca privilegiar apenas uma tendência, seja o repertório tradicional comme il faut ou a releitura com enfoque contemporâneo.
Musicalmente a condução da OSTM por Isaac Karabtchevsky foi bem cuidada, tornando-se sentida, por outro lado, a ausência de um elenco mais uniforme e convicto de cantores protagonistas. Aqui falhando na escolha
do papel titular com a mezzo soprano Luisa Francesconi que, embora tenha belo
físico e convincente desempenho cênico, deixou a desejar no alcance e modulações da tessitura para a personagem.
Com uma compensação, na
melhor atuação do tenor Fernando Portari
(Don
José) e nos generosos dotes vocais da soprano ligeiro-lírica russa Ekaterina Bakanova (Micaela) que, mesmo
nas suas poucas entradas, revelou sempre segurança musical e carismática representação de seu papel".
"La Bayadère tem uma origem curiosa pois remonta,
inicialmente, a um ideário do escritor romântico Théophile Gautier que, além do
oficio literário, amava a dança sobre todas as coisas.
Impressionado com o suicídio de uma bayadère (bailadeira indiana) que, em tour por Paris e Londres, não resistiu à nostalgia de sua pátria distante e se enforcou, ele recorreu a milenares manuscritos sânscritos e escreveu o roteiro de um balé - Sakuntala - que serviria de substrato inspirador para a criação coreográfica de Minkus/Petipa, na São Petersburgo imperial de 1877.
A abordagem do exotismo dos costumes e crenças espirituais
brâmanes e hinduístas, bem dosados no entremeio dos ingredientes temáticos do romantismo
baletômano da época, com seus amores trágicos, a idílica visão de seres
espectrais e a redentora felicidade póstuma, arquitetou um balé de narrativa tão extensa que acabou relegado, durante décadas, apenas ao repertório do balé
soviético.
E em sua integralidade original, tendo atingido o Ocidente só a partir dos anos
60, com as versões completas de Natalia Makarova
e de Rudolf Nureyev. Precedida, curiosamente,
por uma montagem do famoso Ato das Sombras, por Eugenia Feodorova, no Municipal carioca.
Ausente de nossos palcos desde a versão de Natália Makarova em 2000, o balé tem seu
retorno celebrado com uma montagem de raro preciosismo em seus menores detalhes cênicos
e coreográficos.
Impressionando por sua qualidade musical na OSTM (regência de Tobias Volkmann)
e pela performance técnica e artística do Balé do TM, tanto nas cenas de conjunto como nos
solos dos protagonistas, com destaque especial para Márcia Jaqueline (Nikiya), Moacyr Emanoel (Solor) e o campeão dos aplausos, pela
vigorosa encarnação do ídolo de ouro, Cícero Gomes, provocando longos e entusiastas aplausos.
Merecem também destaque os mentores desta
feliz ideia de apresentar uma La Bayadère, meritória na retomada de um bastião do repertório tradicional. Isto tornado possível via uma permuta artística latino-americana, trazendo
o aparato cênico da produção original do Balé
de Santiago do Chile, do coreógrafo remontador (Pablo Aharonian) ao autor
da brilhante cenografia (Pablo Nuñez).
Esta bela e acertada retomada de um clássico da história da
dança fez o Theatro Municipal voltar a uma - já distante - era em que ocupava um lugar exclusivo como principal casa de espetáculos de ópera e dança do país. E está aí, nas co-produções, uma
fórmula mágica a ser adotada, e por que não com maior habitualidade, capaz de
implodir o comodismo egocêntrico e explorar as diversidades concepcionais.
Quando este ato puro da troca de caprichadas montagens conseguir superar os intrincados meandros "burro/cráticos", qual
lâmina afiada capaz de corte seco cabralino, poderá ser uma brilhante solução para desafiar, afinal, além das vaidades personalistas, o medíocre status quo
de nossos critérios políticos, que tanto engessam a autêntica e eficaz valoração do grande
repertório coreográfico da única companhia clássica oficial brasileira".
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