Dois textos - um brasileiro e um do circuito nova-iorquino - falam de relacionamentos amorosos, tendo como mote instintos felinos e caninos inseridos no universo de jovens casais, em irônicos jogos de paixão hétero ou gay.
Ambos conectados na linha do descompromisso risível da
comédia de costumes, em histórias cada vez mais comuns na cena contemporânea,
da vida real ao cinema, no palco e na televisão.
Originalmente concebido para o Festival de Teatro de Tribeca, Nova York, O Cachorro Riu Melhor,
de Douglas Carter Beane, aborda o
cotidiano de um ator (Júlio Rocha) com carreira ascendente, sob o cuidados de
uma agente/ produtora GLS (Danielle Winits) que tudo faz para disfarçar as suas
saídas do armário com um garoto de programa (Rainer Cadete) .
Um procedimento sexual então considerado prejudicial ao seu
papel de ator galã conquistador de mulheres e, hoje, um fato quase
corriqueiro e já surpreendendo menos, no carismático universo popular midiático e televisivo made in Brazil, o
que facilitou bastante a versão brasileira de Artur Xexéu.
Usando do ingrediente de astros protagonistas de recente
novela, acrescido inclusive de insinuantes cenas de cama com direito a beijo gay, a montagem, mesmo
com a cuidadosa direção de Cininha de Paula e o bom desempenho do elenco, não
disfarça seu fácil apelo comercial, pegando carona na mídia novelesca, ao lado de certa superficialidade temática com previsível happy end.
Quanto ao já conhecido texto de Juca de Oliveira - Qualquer Gato Vira Lata Tem uma Vida Sexual Mais Sadia Que A Nossa, com uma
trajetória de quase duas décadas, ainda mantém seu vigor e atualidade, quando
trata de uma jovem iniciante nos jogos amorosos, no clássico embate entre dois
pretendentes "gatos" - o professor intelectual e o garotão
moderninho.
Com a sempre segura condução de Bibi Ferreira na exploração inteligente das surpresas narrativas, a montagem tem uma funcional iluminação (Daniela Sanchez), bons figurinos (Bruno Perlatto) e atraente aporte cenográfico (Natália Lana). Mas a boa presença cênica de Monique
Alfradique supera o desempenho meio estereotipado de Marcos Nauer, tendo em
Victor Frade, sem dúvida, o seu melhor intérprete. Constituindo-se, aqui, em clássico exemplar brasileiro do gênero teatral provocador do riso desopilador do fígado.
Numa fase de hegemonia do musical na cena teatral carioca,
muitas tem sido as investidas por caminhos absolutamente diversificados com
excepcionais resultados Desde a transposição fiel do modelo Broadway, em especial com a dupla Botelho/Moeller, destacando-se pelo
profissionalismo e o esmero das montagens, até o crescente surgimento de uma
tendência voltada para a música e a temática nacionais, que também tem revelado
boas soluções em invenção e originalidade.
QUALQUER GATO VIRA LATA TEM UMA VIDA SEXUAL MAIS SADIA QUE A NOSSA. Foto/Fernando Filho. |
Exemplos de que como pode dar certo o musical à brasileira
não faltam, desde aqueles já clássicos como a Ópera do Malandro, até a recente transposição de um balé para a
cena dramatúrgico/musical, em outra obra que leva a assinatura de Chico Buarque
- O Grande Circo Místico.
Mas, por outro lado, a incursão biográfica nacional, praticamente iniciada com o consagrado
exemplo de Somos Irmãs, texto de
Sandra Louzada sobre a trajetória artístico/existencial das irmãs Linda e
Dircinha Batista, vem crescendo a tendência de se inspirar na vida e obra de
grandes nomes da MPB ou do nosso pop/rock. Com sucesso absoluto de público e de
crítica, nas roteirizações dramático/musicais em torno de Tim Maia, Ellis Regina e
Cazuza, entre outros ídolos do cancioneiro popular.
Recentemente, dentro desta mesma proposta, a partir de um
repertório musical pré-existente, mas sem nenhum intenção de ilustrar a vida do
autor (neste caso, Rita Lee),
aventurou-se na utilização de suas canções, para dar um revestimento de musical
à versão para o palco de dois filmes de grande bilheteria - Se Eu Fosse Você 1 e 2, ambos dirigidos
por Daniel Filho.
Este foi o principal desacerto da comédia musical Se Eu Fosse Você, onde apesar da
utilização da versão dramatúrgica de um profissional da qualidade de Flávio
Marinho, tudo assumiu um toque forçado e artificial na inserção das letras
originais prevalentes, além da própria sonoridade das canções de Rita Lee,
no contexto textual e narrativo do espetáculo, com temática sustentada na troca
das identidades sexuais de um casal.
Isto ainda agravado pela perda do "timing" humorístico dos filmes originais pela excessiva
duração do espetáculo, apesar de todo apuro cenográfico e de produção e um indiscutível empenho de protagonistas de maturidade tanto como comediantes (Nelson
Freitas) como intérpretes de teatro musical (Cláudia Netto), deixando ao final
um clima de decepção e de "déjà vu".
Uma montagem, dirigida e coreografada por Alonso de Barros, mas que, infelizmente, também careceu de inventividade quando permitiu escapar
aquilo que o público de musicais mais espera - as reviravoltas do envolvimento e o clímax, as grandes marcas deste gênero teatral.
No jogo cruel da luta de classes quatro legítimos
representantes das misérias da realidade urbana contemporânea, usam quaisquer
armas para serem alguém. Mesmo que para isto tenham que se valer das roupas
sujas de uma decadente lavanderia, o ponto de encontro ou "castelo"
onde, entrincheirados, tramam suas
ridículas artimanhas guerrilheiras de ascensão social via sequestro, num
perfeito paradigma de ironizados anti-heróis de nosso tempo.
São estas patéticas imagens comparativas da lavagem de
roupas, manchadas com os suores humanos cotidianos, como única saída monetária
para a auto-sobrevivência, que levaram o autor Fernando Ceylão a escrever a
mordaz e inteligente comédia de costumes Como
é Cruel Viver Assim. Nela, em perfeito equilíbrio, convive o humor sem apelações
com a banalidade de seres humanos derrotados pela classificação social.
Personificações de indigentes para os quais nada importa moralmente, nunca medindo meios nem consequências, para ascender a um
ilusório degrau com os possíveis ganhos do pós-resgate de um ex-patrão rico pela despudorada amiga Regina (Inês Vianna), apoiada na
simplória auto-confiança do apelidado Primo (Alamo Facó). Completando o cast e a trama outro casal, integrado pelo
ingênuo conformismo da dona da lavandeira Clívia (Letícia Isnard) e do
desempregado/malandro Vladimir (Marcelo Valle) julgando-se sempre o tal .
Sob a ágil direção de Guilherme Piva este elenco acertado
mantem um ritmo coeso entre a comédia e a farsa, com referenciais da estética
cinematográfica pop/futurista de Tarantino ao brega/decadentista de Almodóvar. Em cenografia realista ressaltando o risível retrato
sem retoques deste pequeno grande mundo que, em sua mesquinhez, está muito próximo das
mazelas da hipócrisia no universo político
de uma "pobre nação rica"
chamada Brasil.
Wagner Corrêa de Araújo
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