DE VOLTA AO FUTURO : POR UM TEATRO INVESTIGATIVO E SEM FRONTEIRAS

2xMATÉI, direção de Gilberto Gawronski. Foto/Leo Aversa.

Há exatos seis anos...  

RELEITURAS - SHAKESPEARE, TCHEKHOV, BECKETT, BAUSCH

Inventivas experiências cênicas nos palcos cariocas quebram os limites entre a representação e a realidade estabelecendo um sotaque de naturalismo absoluto no contato ator/espectador.

Já em sua segunda temporada, o clássico shakespeariano Ricardo III, na versão do ator Gustavo Gasparani e do diretor Sérgio Modena, alcança completa interação com o público quando o intérprete assume - solitário - a maioria dos personagens do drama histórico sem nunca perder a essência do texto original.

E, ainda, de forma didática sem cair no mero fluxo descritivo e prisioneiro da narração fazendo desta performance solo, sem qualquer impostação e com singular autenticidade, uma proposta minimalista transmutada em foco cênico único.

Na mesma linhagem de subversão das fronteiras do teatro, uma envolvente reinvenção de textos clássicos de Anton Tchekhov - As Três Irmãs e de Samuel Beckett - Esperando Godot insufla um clima de inovadora criatividade aos palcos da cidade.

Considerado o mais novo “enfant terrible” do teatro contemporâneo, o romeno Matéi Visniec subtrai, de seu passado de pesadelo num regime ditatorial, a referência subliminar do absurdo e do surreal presente em seus textos. Com equilibrada direção e segura interpretação de Gilberto Gawronski, ao lado de uma superlativa Guida Vianna, 2xMatei traz duas peças curtas do autor.

Em O Último Godot  coloca em cena o próprio Beckett como o esperado personagem, numa clara alusão ao clima opressivo e claustrofóbico de um espaço urbano externo diante de um decadente teatro vazio com seus atores jogados lá fora, longe da caixa cênica.

No outro - O Rei, o Rato e o Bufão do Rei, o desdobramento de um personagem - um monarca e seu bobo da corte - revela os meandros sórdidos do poder em irônicas posturas linguísticas a partir de códigos filosóficos, literários e políticos.

Já em Se Elas Fossem Para Moscou?, a dramaturga e encenadora Christiane Jatahy propõe um investigativo experimento cine/teatral inspirado no mote do texto original de Tchekhov  - As Três Irmãs- estando em um lugar mas desejando estar em outro na vã tentativa de suprir os eternos anseios e carências da condição humana.

Este dilema atinge cada espectador jogado neste ambiente multifacetado entre a linguagem teatral e cinematográfica, entre o texto ensaiado e o linguajar coloquial, entre o ficcional e o real, num permanente ir e vir de dois universos artísticos.

Com a artesanal performance do elenco e as invencionices técnicas e cênicas, a montagem atinge, assim, um alto patamar  investigativo dentro dos caminhos da criação estética contemporânea.


E SE ELAS FOSSEM PARA MOSCOU?, direção de Christiane Jatay. Foto/Marcelo Lipiani.

Revolucionária da dança contemporânea, Pina Bausch desenvolveu uma proposta estética com seu Tanztheatre Wuppertal que uniu coreografia, música, dramaturgia e interação temática do cotidiano com o universal, com um linguagem corporal incomum e substrato estético inusitado. 

Extensiva às suas incensadas incursões cinematográficas, tendo participado dos filmes La Nave Va (Fellini) e Fale Com Ela (Almodovar) e sendo tema de Win Wenders em Pina.

No final dos anos 80, em entrevista que fiz com a coreógrafa Suzanne Linke, que trabalhou com Pina em seu tanzstudio e que tinha vindo ao Brasil a convite do Grupo Corpo para criar Mulheres, ela assim definiu Pina:

"Ela comandava deixando prevalecer o trabalho individual com suas diferenças. Não se fazia a dança abstrata, mas toda criação era motivada por uma ideia e era esta incrível movimentação que nos levava para frente. Cada um de nós, em planos diferentes, fazendo disto um período único da moderna dança alemã".

Lembrei-me disto a propósito de Philippine, Uma Peça Para Pina Bausch, criação e concepção de João Marcelo Pallotinno com sua Hospedaria Cia de Teatro. Egresso da Cia Atores de Laura, onde atuou em importantes montagens.

Ele e seu grupo já tinham mostrado dois trabalhos anteriores - A Religiosa e Silêncio/Inferno, inspirados respectivamente em Diderot e Dante, ambos inseridos nesta mesma linhagem estética conectando elementos literários e dramatúrgicos em inovadora e sofisticada proposta cênica.

De volta, agora, ele e sua Cia. fazem uma funcional utilização de reflexos gestuais do cotidiano, mostrando as possíveis relações identitárias dos movimentos coreográfico e teatral com o mundo, num espetáculo intimista com recorrência de citações, em passagens discursivas e coreográficas, a algumas das  criações de Pina como a do  Cafe Muller.

Entre o textual e o imagético, pensando no legado estético de Pina Bausch, com uma envolvente presença do elenco nas conexões entre o feminino e o masculino e em acertadas inserções verbais e videográficas.

Integrando, sobremaneira, o espaço externo urbano à proposta (como no filme Pina, de Win Wenders), o resultado é um inusitado e inovador espetáculo na cena teatral carioca e que merece ser obrigatoriamente conferido.

                                           Wagner Corrêa de Araújo


PHILIPINNE, UMA PEÇA PARA PINA BAUSCH, direção de João Marcelo Pallotinnno. Foto/Clayton Leite.

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