BILLDOG 2 - O MONSTRO DENTRO DELE : POR UMA ESCRITURA CÊNICA PERFORMATIVA

FOTOS/ GUARIM DE LORENA

Em 2012, uma incursão dramatúrgica do inglês Joe Bone e do ator Gustavo Rodrigues, com segura supervisão artística de Guilherme Leme Garcia, estabelecia um inusitado jogo cênico de 38 personagens para um intérprete solista, acompanhado em cena por um músico e mergulhado, entre falas, sons, sombras e luzes, num múltiplo confronto de linguagens artísticas.

Com referenciais da cultura pop, do blues rock, do universo das HQs, do cinema noir, dos filmes B, estendendo-se a um mix de experimentos cênico-vocais marcados pela  estética da stand up comedy e de uma escritura cênica performativa .

Com um sutil substrato conceitual de representação físico-textual aproximativa do teatro de imagens de Kantor e do teatro pobre de Grotovsky. No alcance gestual- pantomímico de uma corporeidade falante e com subliminares ecos coreográficos de uma minimal dance (com preparo corporal de Brisa Caleri).

Numa abordagem temática dos submundos do crime e da trajetória mafiosa de um anti-herói, miliciano profissional no entremeio de perseguições e fugas de bandidos rivais, em paisagem de violência, sinistros e crimes terminais.

Continuada, agora, neste Billdog 2 : O Monstro Dentro Dele (repetindo uma qualitativa equipe concepcional), para 46 personificações, com os mesmos ingredientes da primeira versão. Mas, desta vez, dando lugar a uma certa versatilidade na abordagem temática. Ao transmutar o protagonista valentão (Gustavo Rodrigues) em ensimesmado personagem desafiado por uma crise existencial.  

Nesse embate psico-ético, direcionado a um emergente conflito interior, ele transita no avesso de seu inventário memorial de convicto vilão e matador de aluguel ao se deparar com o enfrentamento de risco iminente para seu ofício de vida.

Ao ser surpreendido pelo surto psicótico do mandante do crime que acaba por colocá-lo, à beira de um ataque de nervos, num abismo de lixo tóxico. Acentuado, em clima de pulp fiction, pelas marcações de sombrios efeitos luminares (Aurélio de Simoni).

Incidindo sobre o vazio de uma caixa cênica e ressaltando o black recato do figurino (Reinaldo Patrício) para concentrar o uso de múltiplas caracterizações em indumentária única para  46 papéis. Não viabilizando, também, qualquer sublinhamento visagista.

E pelas incidências sonoras – de ruídos urbanos e acordes pop rock a práticas vocais recorrentes de filmes de animação e de tramas policialescas – assumidos por energizada releitura do músico Tauã de Lorena para a trilha original de Ben Roe, através de riffs de guitarra  e a participação, na bateria, de Guiga Fonseca.

Com extensão a citações roqueiras, vocais e instrumentais, pelo próprio Gustavo Rodrigues desdobrando-se, assim, numa performance maratonista de exigente acionamento corporal e exaustividade  física, escorrendo suor por todos os poros.

Provocativa do imaginário de cada espectador para imprimir interativas definições visuais-reflexivas no alcance da diversidade gestual e auditiva do ator, em seu abstrato conluio, mimético e onomatopaico, com as intercessões  de cada um dos personagens.

Que, se de um lado, não consegue escapar de uma progressão dramática reiterativa em demasia e de perceptível fastio para a assimilação, em compasso de insistente instantaneidade, de tipos que entram, saem e desaparecem a seguir.

De outro, enfim,  não chega a inviabilizar o caráter lúdico e o senso estético de uma realização teatral que, antes de tudo, incentiva a busca investigativa nos palcos cariocas.

Por seu livre exercício das atitudes criadoras e por uma carismática pulsão performática sintonizada com novos direcionamentos da dramaturgia contemporânea.

                                            Wagner Corrêa de Araújo



BILLDOG 2 : O MONSTRO  DENTRO DELE está em cartaz no Teatro III (CCBB), Centro/RJ, de quarta a domingo, às 19h30. 65 minutos. Até 1º de março.

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