NÓS: COMPARTILHANDO A NOSSA CULPA

FOTOS/GUTO MUNIZ



Não existe nenhum “trabalho emocional” ou “preparação” melhor do que a espontaneidade do ator, assim como não há um cenário que funcione melhor para a encenação do que o palco nu e uma direção que seja melhor que o silencio”.

Reflexão do dramaturgo David Mamet que pode ser um referencial  para a singularizada criação coletiva presente nesta última incursão do Grupo Galpão – “Nós”.

Fugindo de sua constância na  inventiva releitura de textos dramatúrgicos conhecidos, desta vez foi através de um diretor convidado ( Márcio Abreu) ao lado de um de seus integrantes (Eduardo Moreira), que o Galpão impulsionou um desafiante código cênico.

Num elenco coeso e caloroso ( Antônio Edson, Chico Pelúcio, Eduardo Moreira, Júlio Maciel, Lydia Del Picchia, Paulo André e Teuda Bara), em que os personagens são os próprios atores, reside a poesia de um espetáculo de hábil construção e provocativo direcionamento.

Circundado, frontal e lateralmente , pelos espectadores, o aparato cenográfico variável (Marcelo Alvarenga) se concentra na mesa , coberta de legumes e apetrechos de cozinha. Dando lugar , de forma alternativa ,a um metafórico palco nu, espelhado, em declive.

Consolidado , ainda, pela proposital despretensão dos figurinos(Paulo André), pelo desenho ambiental da iluminação(Nadja Naira) e pela incisiva incidentalidade da trilha sonora (Felipe Storino), com direito a performances musicais de sotaque felliniano.

Com sua nuance de extremado naturalismo, capaz de desnudamentos corporais, entre ações físicas e verbalizações . Sem meios tons, da simplicidade do falar cotidiano a um crescendo de vozes eloquentes,num eficaz mix literário(Dostoievsky, Tchekhov,Cocteau,Wislawa Szymbroska).

Com seu humor reflexivo e sem subentendidos, vão desconstruindo o espaço cênico de uma (ante)ceia  que se pretende última. Em suas digressões, questionamentos, perplexidades, por uma visão crítica, árida e melancólica, das intolerâncias e insanidades da contemporaneidade.

Estes instantâneos da  vida que não é sonho mas como ela é, fazem de todos nós , parodiando Shakespeare, “criaturas culpadas assistindo a uma peça”. Céticos, acusados e derrotados, nas desprezíveis surpresas diárias de tantos nós amarrando a liberdade de cada um de  Nós.

Nós na sua exasperação participativa palco/plateia, incitada pelo olhar armado de Márcio Abreu e pela convicta entrega de seus atores/personagens, é assim, nada mais nada menos, que teatro espontâneo>lúdico> laboratorial>documental>verista, de gente que sabe o porquê estar fazendo...




 NÓS está em cartaz no Teatro Sesc/Ginástico,Centro/RJ, de quarta a sábado,às 19h; domingo,às 18h. 90 minutos. Até 10 de Julho.

NÓS , em nova e curta temporada, abrindo as comemorações dos 30 anos do Grupo Galpão. Teatro Sesc/Ginástico, quarta às 20h; quinta a sábado, às 2oh; domingo às 18h. Até 13 de agosto.

KRUM: AMARGO REGRESSO

FOTOS/NANA MORAES


Eu deveria quem sabe agora deixar cair uma lágrima por causa dessa espécie infeliz”. Quando um dos personagens profere esta frase ,com seu cortante niilismo, é como se estivéssemos a escutar Schopenhauer : “ O destino é cruel e os homens dignos de compaixão”.

Ansiedade, alienação, tédio , miséria, perpassam assim por todos os seres que povoam este pequeno , sórdido e absurdo universo de Krum. Este texto dramatúrgico, do autor israelense Hanoch Levin, é completado na simbologia de seu subtítulo – “ Ectoplasma, peça com dois casamentos e dois funerais”.

A resignação, disfarçada pela ilusória perspectiva de mudanças, aproxima-os irremediavelmente de uma postura filosófica de auto negação, no eterno retorno do fim que não leva ao nada. Aqui a difícil condição de suportar a condição humana não conduz a qualquer espécie de felicidade ou legado.

O anti-herói Krum ( Danilo Grangheia) retorna à casa materna com um mala de roupas sujas , mãos vazias e nada mais. Sua vã tentativa de escapar da sufocante mediocridade de uma comunidade provinciana coloca-o ,novamente, diante destes habitantes / prisioneiros da ausência de escolhas oferecida pela vida.

E em confronto com a mãe( Grace Passô)ecoando seu insistente jargão de cobrança ao filho –“O mundo só tem isso para te dar”- e também de sua antiga amante Tudra( Renata Sorrah), que expõe com palavras e canto, este em alemão, a poesia amarga de sua dilacerada intimidade ,em exponencial atuação.

Qualidades interpretativas presentes ainda no enfermiço Tugati (Ranieri Gonzalez) e sua mulher Dupa( Inez Viana), que troca a frustração matrimonial por uma fugaz e fria aventura sexual com Bertoldo(Rodrigo Bolzan). Ao lado do caráter risível de um casal, fazendo o falso intelectualismo de Dolce( Edson Rocha)esconder as vulgaridades de Felicia (Cris Larin) , em meio ao cerimonial de casamentos e funerais.

Enfim, uma simbiótica orquestração estética de performances, tendo no podium teatral a carismática regência de Márcio Abreu. Aqui entre solos e conjuntos, sob os precisos efeitos blackouts da iluminação claro/escura(Nadja Naira), recatados figurinos(Ticiana Passos) e décors teatrais (Fernando Marés), propícios sobremaneira a este painel dostoievskiano de humilhados e ofendidos.

Destaque ainda para a expressiva gestualidade( Márcia Rubin), em especial na grotesca mecanicidade da discoteca , e para as preciosas interferências sonoras de ruidosos tremores como “ectoplasmas”, intermediados pelos cantos a capela do elenco, entre o romantismo ,o sacro e o pop/rock( Felipe Storino).

Tudo enfim convergindo palco/ plateia para uma melancólica catarse, perante a imobilista indiferença de uma sociedade cruel em que o ato de " viver é muito perigoso" sempre, e onde com a morte: 

Você não vai perder nada, Tugati, pode acreditar. Olha bem pra gente, olha pras nossas vidas, olha pras nossas casas..."




       KRUM  , em nova temporada no Teatro Carlos Gomes, Praça Tiradentes, sextas e            sábados, 19h30m;domingo, 18h30m. Até 17 de Julho.

DANÇAR (NÃO) É PRECISO: PINTURA GESTUAL

FOTOS/RENATO MANGOLIN




A dança contemporânea estabeleceu uma relação intimista e transformadora com as artes plásticas, no multiuso dos significados de imagem, espaço e movimento.

De Merce Cunninghan a Trisha Brown e Lucinda Childs, foram se estreitando as experimentações aproximativas do corpo dançante com o universo visual, através das criações artísticas de Rauschemberg, Jaspers Johns, Robert Morris e Jackson Pollock.

Pela  transmutação do cavalete para a superfície do solo,    no ato criador de suas telas, Pollock direcionou suas técnicas para um expressionismo abstrato de corpo/ação (action painting).

Onde o pintar se torna, então, uma performance em que  “o corpo apenas persegue o gesto e o pintor se coloca literalmente dentro do quadro”.

E são corpos sobre a tela metafórica, do chão pisado pelos bailarinos, que acionam uma singularizada concepção coreográfica de Esther Weitzman em Dançar(não) é Preciso, com seu sutil referencial alternativo  do verso de Fernando Pessoa.

Impulsionando uma ritualística obra coletiva com seus bailarinos/criadores(Dandara Patroclo,Fagner Santos, João Mandarino, Julia Gil e Pedro Quaresma), inspirada no experimentalismo da linguagem das posturas cotidianas.

Puro movimento, pura emotividade, apostando no improviso, na energia ,  na impetuosidade sensitiva da fisicalidade de corpos dialogando, com  natural euforia, com as relações de tempo e de espaço.

Desmistificando a dança de mera virtuosidade na determinação de passe livre, no silencio preenchido por batimentos solares de pés descalços , entre  tensas posturas atléticas, relaxantes  pontuações respiratórias e libertários sons guturais.

Com incidental referência ao Matisse de “La Danse” nas formas circulares de ciranda e ao Cunninghan da “minimal dance”, com seus caminhares e corridas do dia a dia.

Ou na inventiva apropriação / adequação de pincéis    que dançam no "dripping’’ de Pollock , o gotejamento gestual de tintas  por  um corpo sobre a tela.

O percurso cênico, num palco/tela despojado, também faz uma reinvenção metafísica de  Pollock e a gestualidade, pelas correlações no desenho de luz(José Geraldo Furtado), nos figurinos domésticos (Miriam/Esther Weitzman) e nas incidências jazzísticas.

Tudo, enfim, numa pesquisa estética, aprofundada e essencialista, da Cia de Dança Esther Weitzman, numa cumplicidade sensorial e pictórica de reencontro da  dança com a vida.
                           
                                        Wagner Corrêa de Araújo
                                 
                                  

DANÇAR ( NÃO ) É PRECISO está em cartaz no Espaço Cultural Sérgio Porto,Humaitá, de sábado a segunda ,20h. 45 minutos. Até 27 de Junho.

O CORPO DA MULHER COMO CAMPO DE BATALHA: ESTUPRO POLÍTICO

FOTOS/NIL CANINÉ

“Eu me considero um autor de um teatro engajado que não faz parte da indústria do divertimento e busca acordar as consciências dormentes” , pensar do dramaturgo romeno Matéi Visniec que pode servir de mote para sua peça O Corpo da Mulher Como Campo de Batalha.

Na sua trama narrativa há um claro conceitual em torno da  vulgarização do uso da fisicalidade corporal  feminina como provocativo estopim, onde inexiste o prazer sexual na sua aviltação substitutiva por uma mera  estratégia de guerra.

Aqui o estupro acontece como um ato afirmativo  do poder masculino, num campo minado pelo confronto ancestral de etnias dos Balcãs, entre a radicalidade política e os  fanatismos morais e religiosos.

Além fronteiras, numa pós situação advinda dos conflitos da Guerra da Bósnia, duas mulheres assumem um posicionamento de resistência>redenção à trajetória amarga vivida por ambas em situações de similaridade aproximativa. Do espanto à repulsa, no afrontamento de suas identidades e da própria condição do feminino.

O fator trágico é desvendado, inicialmente, nas falas isoladas  da psicoterapeuta  norte americana Kate(Ester Jablonski) para quebrar o silêncio insistente de Dorra( Fernanda Nobre), a violada não só pela dizimação familiar mas pelo estupro, com sua consequente gravidez odiada. 

Mas o questionamento da violência é também individualizado no amargo descortino do ofício médico de identificação de cadáveres em vala comum, na personificação de Kate.

Explicitação contundente não só na intuitiva perceptividade  do texto, fugindo às nuances da absurdidade habitual em Visniec, como no sustento psicológico das marcas cênicas assumidas, em sutis modulações, pela direção(Luís Fernando Philbert) para que o espetáculo alcance o tom exato.

O condensado décor cenográfico(Natália Lana) propicia, por sua vez, uma intensificada concentração textual dos espectadores. Onde o desenho das luzes em meios tons(Vilmar Olos) e a trilha rascante( Tato Taborda) colaboram para o enunciado de uma das formas mais abjetas de violentação, quase escatológica no seu  teor avesso a qualquer  concessão poética.

A loquacidade  das atrizes de acento monocórdio se, em parte, parece diminuir a ênfase  na manipulação do conflito dramático, tem seu contraponto na incisiva gestualidade (Marina Salomon) , de sensorial comprometimento emotivo.

Mas não será , por acaso, esta naturalidade introspectiva da performance, o que propicia uma leitura mais clara e verista da vitimização do elemento feminino?

Não seria um convite à reflexão coletiva e a uma possível reação à constância incômoda deste mal civilizatório, o entrechoque psicossomático de Dorra ? :

Não, eu não acredito que podemos contar tudo. Não acredito que podemos entender tudo. Não acredito que podemos entender tudo. Não acredito que tem um sentido em tudo que contamos”...




O CORPO DA MULHER COMO CAMPO DE BATALHA está em cartaz na Sala Multiuso/ Sesc/Copacabana, de quinta a sábado, às 19h;domingo,às 18h. 70 minutos. Até 19 de junho.
NOVA TEMPORADA:Teatro Poeira,Botafogo,de quinta a sábado,21h;domingo,19h. Até 28 28 de agosto.


O LAGO DOS CISNES: A SIMBOLOGIA DE UM CLÁSSICO

FOTOS/JULIA RÓNAI



Há mais de um século, desde o sucesso da versão de 1895, pós a fracassada estreia russa  em 1877, O Lago dos Cisnes se tornou um protótipo do balé romântico e da dança clássica.

Neste sentido ,a composição de Tchaikovsky ficou marcada por seu fator simbológico não apenas no plano musical( com a utilização do leitmotiv ) e coreográfico( o rigor da técnica acadêmica a serviço do potencial sinfônico). 

Estendendo seus significados aos questionamentos psico/filosóficos da duplicidade personal, contextualizada no  romance O Duplo (1846) , de Dostoievsky, inclusive inspirando ,em anos recentes,a trama dramatúrgica do filme Cisne Negro.

No balé,  o desdobramento sensorial do  personagem   Odete/Odile, em seu processo de encantamento,  vai de um idílico  romantizar a um exponencial sensualizar, na personificação da brancura ou do negrume de um cisne.

E é esta transmutação do eu no outro que permitiu a mutabilidade de suas identificações, da madrasta inicial ao feiticeiro Von Rothbart, como na passagem do feminino ao masculino, nos cisnes da polemizada versão de Matthew Bournes. Ou no complexo edipiano do Principe Siegfried pela Rainha Mãe, segundo a transcrição de Mats Ek’s .

Também a sua  trajetória cênica brasileira é significativa e singularizada pela pioneira versão integral nas Américas, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, há mais de meio século( 1959),através da montagem de Eugenia Feodorova.

Nesta temporada, O Lago dos Cisnes na retomada da concepção de Yelena Pankov (2006),é um mote especial para o  Ballet do TMRJ comemorar , com digno acerto de repertório clássico, os seus oitenta anos de criação.

Desde o prólogo, fica instaurada a magia da representação, tanto pela segurança do Corpo de Baile, como  pela energia, consistência e desenvoltura dos solistas.

Se faltou, mesmo com sua elegante gestualidade, uma maior entrega passional ao personagem de Siegfried( Filipe Moreira), coube às atuações de Claudia Mota e de Cícero Gomes a grande interatividade com o público.

Com uma ressonância de brilho privilegiado, tanto no plano técnico como emocional, na performance de Claudia Mota, em sua imposição equilibrada do arquétipo dialogal Odete/Odile. Como no exponencial domínio corporal e no rendimento cênico do Bobo da Corte, de Cícero Gomes.

O  senso plástico da cenografia e figurinos, paralelo à sintonia estética do processo coreográfico de Yelena Pankova, a partir da criação original(Petipa/Ivanov) com sutis variações,teve seu acertado contraponto na sustentação harmônica da OSTM, conduzida com mãos firmes pelo maestro Javier Logioia Orbe.

Ainda com sua insistente constância , entre idas e voltas, no repertório do Ballet do TM, graças ao empenho de seu comando/diretor ( Ana Botafogo/Cecília Kerche) não se perdeu, em momento algum, a espontaneidade criativa de mais uma nova remontagem.  

Consubstanciada, afinal, na sua nobre missão de manter  vivo o transe histórico em torno de  uma obra clássica de carismático dimensionamento  artístico/espiritual.

                                              Wagner Corrêa de Araújo




O LAGO DOS CISNES, com o Ballet e a OSTM, está em cartaz no Theatro Municipal/RJ,Cinelândia, dias 14,15, 17 e 18 de junho ,às 20 hs. 180 minutos. 


3 PONTOS:UM CONCERTO COREOGRÁFICO

FOTOS/ANDRÉ PINNOLA

Na sequência comemorativa de seus 15 anos , a Focus Cia de Dança mostra mais uma de suas inventivas incursões , desta vez com a retomada de quatro coreografias integrantes da proposta 3 Pontos...

Aqui, seu condutor/coreógrafo/bailarino Alex Neoral se entrega, ao lado de seu consistente elenco(Carol Pires, Cosme Gregory, Felipe Padilha, Gabriela Leite,Marcio Jahú e Monica Burity), a uma de suas mais singulares experimentações sonoro/ gestuais.

Na sutil visibilidade da interpelação de falas numéricas com modulações, ora sensíveis ora enérgicas, da fisicalidade de cada intérprete no trajeto minimalista do compositor Steve Reich em Pathways.

Estreada em Stuttgart(2008) a obra, em seu espontâneo estruturalismo fragmentário, remete, sem perder em nenhum momento a sua autenticidade, às pesquisas exploratórias de tempo e espaço , também com Reich, da cia Roses , de Anne Teresa  De Keersmaeker.

No intimista relacionamento da dança com a música, as duas coreografias seguintes revelam um raro domínio corporal e uma extremada interatividade emotiva, a partir de execuções, entre gravações e ao vivo, de obras camerísticas  de Bach.

Um trabalho que reafirma o acorde absoluto do barroco com a contemporaneidade da dança, desde as já clássicas experiências de Balanchine( especialmente em Concerto Barroco) e Roland Petit em Le Jeune Homme et la Mort, ao Back to Bach, do Het National Ballet.

Sem esquecer as indeléveis visões de Pederneiras no Bach(1996) do Grupo Corpo, e do espetáculo coletivo com as seis Suites de Cello (por Jorge Garcia, Luis Arrieta,Tíndaro Silvano,Ismael Ivo,Henrique Rodovalho, Deborah Colker).

Adequadamente expressiva nas suas variações de seis partes ( em solos e duos bachianos de piano e violino),Um a Um revela a complementação sensorial e plástica da dualidade de corpos em movimento, na alternatividade sincrônica  de reencontros dialogais.

Partindo da Chaconne ,é um outro Bach que aparece a seguir, para solo de violino, com notável aproveitamento das pausas meditativas às cadências rítmicas , onde os corpos revelam uma desenvoltura de gestos paralela a  um dimensionamento psicológico da performance.

O substrato estético se  completa na arquiteturação explosiva e libertária do movimento,pontuado pela proposital desordem do discurso coreográfico, com Strong Strings.

Sob os estímulos pop/roqueiros da banda Nirvana, na sua reinterpretação por um eficiente quarteto de cordas(Daniel Silva,Gretel Paganini,Luciano Correa/cellos, e Nikolay Sapoundjiev/violino) integrado ao componente coreográfico, instaura-se um clima de extática comunhão palco/platéia.

Numa transmutação, metafórica/ritualística, do mix conceitual música>dança do performer americano Mark Tompkins :

“A Música para os olhos; o ouvido para o Movimento".



3 PONTOS c/ a FOCUS CIA DE DANÇA está em cartaz no Espaço Sérgio Porto, Humaitá, de sexta a segunda, às 20h. 90 minutos. Até 13 de junho.


GOTA D'ÁGUA ( A SECO ) : ESSENCIALISMO CÊNICO

FOTOS/SILVANA MARQUES

“Experimenta apenas retocar /a trilha da Medéia, a filha de Aietes! Sentir-te-ás anônimo e rasteiro”, já propugnava um  epigrama poético da Antiguidade grega pela intocabilidade da tragédia  original  de Eurípides .

Advertência ignorada , através da resistência dramatúrgica, de Sêneca, Corneille, Anouilh, ao nosso Paulo Pontes. Sem esquecer suas passagens indeléveis pela ópera (Cherubini) e pelo cinema (Pasolini).

Mítica e poética, trágica e transcendental, a paixão vilipendiada no ódio de Medéia por Jasão , ao sentir-se traída, leva-a à decisão macabra de vingança por seu amor humilhado.

Na versão brasileira, Gota d'Água,  com quatro canções incidentais de Chico Buarque, a narrativa é transferida para uma comunidade suburbana onde Jasão(Alejandro Claveaux) é um sambista nascente que, em sua juventude sedutora, desperta o alucinado  protecionismo materno/sexual  de Joana(Laila Garin).

O aparecimento de uma rival , seguido de abandono e desprezo, levam Joana a uma trama funesta , nos moldes (com pequenas variações)da personagem similar - a clássica Medéia do tragediógrafo ancestral.

Gota d'Água (A Seco) - na  concepção minimalista de Rafael Gomes há uma condensação narrativa nos dois personagens Joana e Jasão, sendo os outros, do original de Pontes,  apenas mencionados no decorrer da ação.

Há ,ainda, um intencional enfoque nos embates amorosos dos protagonistas e  no teor erótico/emotivo de uma mulher aniquilada pela desconstrução de sua afetividade. Que na sua recusa por aceitar a partida do amante é tomada por uma raiva sobre-humana e de angustiada tensão.

A opção pelo  extremado conflito psicológico, se por um lado desconstrói parte fundamental da identidade ideológico/política do original, ressoa no brilho da enérgica invenção sensorial/estética imprimida pela densidade direcional   de Rafael Gomes.

Aos recursos técnicos  de primeira ordem – do apurado senso plástico da cenografia(André Cortez) e dos figurinos (Kika Lopes) ao ambientalista design de luz(Wagner Antonio),alia-se o preciosismo do score musical de Pedro Luís, contextualizando outras canções de Chico Buarque.

Num crescendo dramático de intensidade  introspectiva Laila Garin atira-se na ação, completamente assumida enquanto artista e personagem, irradiando-se em voz, canto e gestualidade, de grandiloquente desafio interpretativo.

Capaz de provocar com tal potencialidade,inicialmente,uma certa sensação de desequilíbrio com seu partner Alejandro Claveaux que ,na sua elegância interpretativa, acaba assumindo um seguro domínio da performance, apostando na sensual empatia jovem do seu papel.


Num espetáculo completo , não só pela riqueza literária de sua versificação e por sua musicalidade poética mas, sobretudo, pelo virtuosismo de seu substrato cênico.











GOTA D'ÁGUA ( A SECO) está em cartaz no Teatro Net Rio/Copacabana, de quinta a sábado, às 21h;domingo,às 20h. 90 minutos. Até 26 de junho.
Em nova temporada,no Teatro Riachuelo, Centro/RJ, quarta, sexta e sábado, às 20h30m;domingo,às 17h. Até 19 de fevereiro.

AMANHÃ É OUTRO DIA: DANÇANDO PALAVRAS



FOTO/MAURÍCIO MAIA

“A dança é a arte, a forma de existir, a forma de ser e de viver que possibilita , como nenhuma outra, essa entrega”, uma reflexão de Angel Vianna que caracteriza sua pulsão criativa, de toda uma vida, pelo ato criador coreográfico .

Assim, ela  já se destacava, em seus anos mineiros ao lado do partner de vida e de arte Klauss Vianna, como  uma das integrantes da Geração Complemento que reunia gente de dança, teatro, literatura e artes plásticas,num envolvente fluxo  de experiências inventivas.

De Belo Horizonte, onde o casal Vianna deixou sua postura libertária por uma dança de olhar contemporâneo, Klauss e Angel seguem para Salvador desenvolvendo, ali, arrojados experimentos a caminho de um pensar coreográfico aberto a outras linguagens artísticas.

Chegando, finalmente , ao Rio em época controvertida dos anos iniciais da ditadura militar. Aqui , começaria sua trajetória de mais de meio século, revelando-se , de modo ímpar, num procedimento inédito de aproximação do teatro com o que se titulou, inicialmente, de preparação corporal do ator.

Este uso do corpo como forma de comunicação, seja na dança, seja no teatro ou no próprio comportamento cotidiano, fez de Angel uma ilustre continuadora das teses filosóficas desenvolvidas, então,  pelo escritor francês Roger Garaudy em torno da “dança como um modo de viver”.

E numa visível expertise , na concepção do dançar como um descortino das verdades interiores pelo uso quase laboratorial e de auto conhecimento corporal, tornando-se um signo comportamental e estético de seu trabalho.

E é a partir deste caminhar existencial/artístico de Angel identificando-se , de forma intimista, com a própria história do Rio de Janeiro que ela, afetivamente, adotou como sua cidade, que se desenvolveu o espetáculo/performance Amanhã é Outro Dia.

Com sensorial dramaturgia e direção de Norberto Presta capaz de inspirar, com ritmo e elegância, uma sólida pesquisa da voz e da fisicalidade. Em torno de uma protagonista mor e por um teatro de dança indicador de transcendência .

Aliado a uma eficaz aproveitamento do espaço cênico , tanto pela referencialidade  das luzes(Aurélio de Simoni), entre projeções documentais, como da tonalidade propícia do figurino (Renata Lamenza),além de uma  sensível trilha sonora autoral  do Duolhodágua ,com citações, inclusive, de temas do balé clássico.

Especialmente na simbólica troca de uma sapatilha pelos pés nus, como passagem do acadêmico ao moderno e nos movimentos circulares numa cadeira de rodas, é com a emotiva entrega da intérprete/personagem(Angel Vianna)  que a proposta assume , na despretensão de sua narrativa vocal e gestual, um caráter de exponencial mocidade, vigor  e beleza. 

Para um memorial  autobiográfico de tão longo e maduro percurso, pela sua intencionalidade de  significativa instauração , enfim, de uma “dança que já está no corpo”.

FOTO/LEO MARTINS

AMANHÃ É OUTRO DIA está em cartaz no Espaço Sesc, Copacabana, de quinta a sábado, 21h; domingo, Às 20h. 50 minutos. Até 5 de junho.

NOVAS TEMPORADAS: Centro de Artes da Maré, 11 e 12 de junho.
Teatro Angel Vianna /Centro Coreográfico da Cidade do Rio de Janeiro, 24 de junho a 3 de julho.

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