Nos idos dos anos 70, no alvorecer dos vinte anos , iniciei minha primeira aventura parisiense, com uma visita inusitada para uma viagem inaugural. Hospedado na rua em que fica o cemitério Père Lachaise adentrei , na chegada, por seus portões, num quase final de tarde sombria de inverno, percorri suas aleias de celebridades mortas e me detive no emblemático túmulo de Oscar Wilde .
Extasiado com a singular escultura do anglo/americano Jacob
Epstein –um anjo nu inspirado na arte assíria, esquecido do tempo de fechamento
do célebre cemitério, quando percebi estava só , sendo salvo de uma possível
reclusão noturna, por um providencial jardineiro.
Durante quase um século , visitantes fanatizados com esta
simbologia do túmulo, beijavam a lápide deixando marcas de batom vermelho,
deteriorando assim o monumento célebre.
E nem uma multa de 9 mil euros foi capaz de deter a extrema
manifestação a um ídolo literário, levando ao cerco do mausoléu por uma parede
de vidro.
Inspirado neste fato , o dramaturgo Jô Bilac escreveu Beije
Minha Lápide, dando eco inclusive a uma metafórica frase de Oscar Wilde: “Um
beijo pode arruinar uma vida humana”.
O personagem Bala (Marco Nanini), em total identificação com
o universo do escritor irlandês, não só como libertário criador, anti-convencional,
homossexual assumido, enfim além dos limites do politicamente aceitável, rompe
o muro de vidro .
Condenado , estabelece contato com o carcereiro/dublê de
escritor Tommy(Paulo Verlings), com insinuações lítero/homoeróticas que incidem
também sobre Ingrid (Júlia Marini), filha do prisioneiro, em sua indecisa
paixão pela advogada do pai - Roberta (Carolina Pismel).
Com inventiva concepção cenográfica de Daniela Thomas, na
transposição do túmulo envidraçado em prisão, enriquecida por projeções
holográficas , tem um dinâmico comando mor de Bel Garcia.
Que acentua a marcante presença cênica do protagonista,
tentando não desqualificar o elenco coadjuvante, de menor predominância no
enredo dramatúrgico mas com exemplar atuação.
O texto , com seu tom de comédia dramática, tem seus
melhores momentos nos monólogos do protagonista, inspirados no universo
ficcional de Wilde, envolvendo magicamente o público, no efusivo sotaque
interpretativo do grande ator, de humor irônico , revolta e protesto ,na arrebatada
idealização de um desejo reprimido.
Especialmente emocional quando remete ,ainda , à lembrança
da trágica trajetória existencial de um escritor e dramaturgo, ostensivamente
celebrado em sua época. Mas cruelmente aviltado ,após a denúncia de seu
impulsivo relacionamento amoroso com o jovem Alfred Douglas, definido por ele,
Oscar Wilde , em lírico desabafo poético:
“Sua alma magra e culpada caminha entre a paixão e a poesia
. Sei que Jacinto, a quem Apolo amou tão loucamente, era você na Grécia
Antiga".
WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO
BEIJE MINHA
LÁPIDE está em cartaz no Teatro Oi Casa Grande, Leblon, sexta e
sábado, 21h30m; domingo,19hs.
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