IOLANTA – A PRINCESA DE VIDRO : MAGIA SENSORIAL PARA FAZER VER ALÉM DOS OLHOS

Iolanta - A Princesa de Vidro. Direção Daniel Herz.  Fevereiro/2022. Mariah Viamonte e Tiago Herz. Foto/Caique Cunha

Iolanta, a derradeira ópera composta por Tchaikovsky, foi destinada para completar a noite de estreia do balé Quebra Nozes, em 1892, com libreto de seu irmão Modest, inspirado num conto de fadas dinamarquês ambientado em tempos medievais. E que, por estas casualidades do destino, teve maior apelo popular que o balé mas acabou eclipsada pelo êxito posterior e permanente da celebrada criação coreográfica.

E foi a partir de um ideário de resgate do enredo operístico que a dúplice dramaturgia de Vanessa Dantas e Ana Paula Secco manteve, em suas linhas mestras, a trama original alterando apenas a ambientação na tipicidade de um castelo para uma residência senhorial do Brasil colônia.

Onde a direção musical de Wladimir Pinheiro optou, acertadamente nesta opereta  direcionada ao público infanto-juvenil, pela integral e funcional substituição do melancolismo intimista, prevalente nos quase soturnos acordes da partitura original. E já exemplarmente mostrado em versão operística 2012 do prestigiado regisseur Peter Sellars e disponível, inclusive, nas plataformas digitais.

Por intermédio de seleção antológica das melodias composicionais mais populares do compositor russo, incluídos temas dos balés e das obras sinfônicas, em dignas transcrições procurando preservar o essencial sotaque do romantismo russo, sob arranjos camerísticos para piano, cordas, percussão e sopros.

Recheados com os versos de canções expositivas do enredo sob exímia interpretação vocal e instrumental, mostrando o talento múltiplo de versáteis atores/cantores/músicos (Caio Passos, Chiara Santoro, Kiko do Valle, Leandro Castilho, Mariah e Sofia Viamonte, Marino Rocha, Saulo Vignolli e Tiago Herz).


Iolanta - A Princesa de Vidro. Direção Daniel Herz. Fevereiro/2022. Chiara Santoro. Foto/Caique Cunha.


Em construção cenográfica (Glauco Bernardi) sustentada na surpresa da sua móvel identificação arquitetural com um realejo, na lateralidade do palco, e pelo perceptível preciosismo de transposição dos artesanais detalhes barroquistas para o espaço cênico. Sempre destacados, sobretudo, no apuro  dos efeitos luminares entre fogs por Ana Luzia Molinari de Simoni.

Capaz de, ao mesmo tempo, de sugestionar uma tonalidade de fantasia gótica, complementada no belo dimensionamento dos figurinos (Karen Brusttolin) com prevalência de malhas, couros, botas e máscaras que tanto podem remeter à ancestralidade como a um futurismo cinético/espacial.

A habitual  competência inventiva da direção de Daniel Herz consegue manter um clima de permanente envolvimento, desde as falas compassadas por convicto expressionismo facial a uma peculiar movimentação gestual (desta vez com a preciosa colaboração coreográfica de Esther Weitzman), reconhecidas marcas estéticas de seus comandos cênicos.

Nesta história marcada pelo teor patético, triste e solitário, de uma princesa condenada a não ver a luz desde sua nascença. E cercada pela proibição aos que convivem com ela de sequer fazê-la pressentir esta sua limitativa condição visual.

Com momentos comoventes nas falas simbólicas referenciadas das árias da personagem Iolanta no libreto operístico, especialmente sensitivos como a sua escuta do canto dos pássaros e dos questionamentos sobre se Deus concedeu os olhos apenas para derramar lágrimas.

Ou quando a protagonista titular (Mariah Viamonte) solicitada a entregar uma rosa vermelha ao seu pretendente o heroico cavaleiro Florian (Tiago Herz) lhe entrega uma branca demonstrando, assim, sua cegueira.

Em espetáculo radiante e evocativo, no seu acerto  concepcional de vozes e corporeidade performática, tanto dos sonhos fantasiosos da infância como das adversidades que cercam o difícil suporte da condição humana. Mas, antes de tudo, transformador ao despertar o coração emocional que traz luz e alegria muito além do que os olhos são apenas capazes de ver...

                                              Wagner Corrêa de Araújo


Sofia e Mariah Viamonte em Iolanta, a Princesa de Vidro. Fevereiro 2022. Foto/Caique Cunha.

Iolanta –A Princesa de Vidro está em cartaz no Teatro II do CCBB/RJ, sábados e domingos, às 16h. Até 13 de março.

Um comentário:

Ida Vicenzia disse...

Irei assistir! Amo Tchaikovsky!!!

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