A VISITA DA VELHA SENHORA : A COR DO DINHEIRO E O PREÇO DA ÉTICA


FOTOS/CACÁ BERNARDES

Neste cotidiano de corrupção monetária nas intimidades podres do poder politico, quando só o dinheiro importa, na abjeta forma como chega às mãos de não poucos, numa nação de muitos que estão longe de sua cor, é mais que oportuna uma remontagem de “A Visita da Velha Senhora”.

Aqui, neste clássico teatral do século XX , o personalismo de um dramaturgo (o suíço Friedrich Dürrenmatt ) entre o absurdo e a critica política, faz uma mordaz apologia da torpe submissão pelo dinheiro e pela justiça comprada.

Seus personagens , na contramão do ato redentor e altruísta do personagem brechtiano pelas causas libertárias, revelam apenas a superficialidade da postura interesseira de habitantes comuns de uma cidade miserável.

Todos moralmente cegos, surdos e mudos, deformados enfim, diante do que pode significar, para vidas sem saída, o retorno inesperado de uma desprezível cidadã do passado.

Antes prostituta , agora a velha senhora Clara Zahanassian, venerável mulher milionária de "dez" maridos que , em sua visível pompa e circunstancia, esconde uma missão maldita – a vingança pelo ancestral desprezo de Alfred Schill, primeiro homem que a tornara mulher e mãe.

Num jogo cruel, esta dama hierática, quase robótica com sua perna mecânica e mão artificial, maquiagem carregada e olhar de fria fixidez, vai detonando corações e dominando mentes conformistas, numa mudança radical de hábitos sociais, pelo derrame fácil da moeda suja.

Neste desfile de insanidades, lá se vão as aparências espirituais do pároco, os  disfarces do prefeito e as reflexões do professor, fazendo-se sempre acompanhar, pelo convencimento de outras alterativas presenças comunitárias.

Num elenco equilibrado e coeso com destaques pelo favorecimento dos papéis de Fábio Herford(Prefeito), Renato Caldas(Policial), Eduardo Estrela(Padre) e Romis Ferreira(Professor). Em contracena, no impacto maior, do simbológico duelar do protagonismo  dos personagens Claire (Denise Fraga) e Alfred(Tuca Andrada), antigo amante e causa primeira do ressentimento da Velha Senhora.

A dinâmica direção de Luiz Villaça alcança o clima propício de risível e corrosiva absurdidade, priorizando um tratamento mais farsesco da notável fluência textual de Dürrenmatt.  Embora não disfarce um tendencioso tom acima no sotaque humorado da protagonista, em detrimento de um mais mordaz ressentimento no papel principal.

No recato da arquitetura cenográfica e da singularização em tons pastéis da indumentária(em dúplice realização de Ronaldo Fraga), contrastada nos tons quentes e aquarelados dos figurinos elegantes de Claire.

Sugestionados por uma luz vazada com poucas sutilezas focais(Nadja Naira). Notabilizando-se, ainda, o acerto musical  em passagens coletivas de acordes quase corais (Dimi Kireeff/ Rafael Faustino), com ocasionais  convocações  à cumplicidade dialogal com a plateia.

Denise Fraga jamais foge à sua entrega absoluta de caracterização com fluida ironia da personagem, mesmo com carregamento num comportamental, entre a vocalização e a gestualidade, de sustentação prevalente do sotaque de comicidade o que, às vezes, deixa perpassar uma circunstante amenização de sua amarga hipocrisia nas réplicas mais sarcásticas.

Enquanto a performance de Tuca Andrada, também de exímia segurança, revela um psicologismo mais naturalista e suas interferências, pela própria adequação ao personagem, tendem a um menor apelo ao pitoresco que marca o contraponto feminino da representação titular.

Convergindo todos e tudo, em tempos de habitual cinismo nos jogos de domínio das instâncias políticas e jurisdicionais, à tão necessária retomada de um tema de tamanho referencial no embate presente de desacerto marginal , entre  propinas  e  acerto de contas”, da selvagem envolvência financeira de uma democracia corrompida.

Reflexionando, enfim, em distanciamento brechtiano,  através da “visita desta velha senhora” a uma decadente urbe e frágeis mentes, a lembrança de uma anciã lição: “Onde o dinheiro fala, diante de sua cor,  tudo cala”...

                                             Wagner Corrêa de Araújo



A VISITA DA VELHA SENHORA está em cartaz no Teatro Sesc/Ginástico, Centro/RJ, de quinta a sábado, 19h;domingo, às 18h. 120 minutos. Até 25 de março.

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