A ÚLTIMA ATA : UMA COMÉDIA SOMBRIA SOBRE OS DESACERTOS DA CONSCIÊNCIA CÍVICA

A Última Ata, de Tracy Letts. Direção/Victor Garcia Peralta. Outubro/2022. Fotos/Cristina Granato.


O projeto de monumento escultórico a um lendário herói municipal de uma destas cidades interioranas acaba por denunciar os podres poderes, sustentados pelos representantes eleitos de uma comunidade onde o que menos importa é sempre a consciência cívica.

Um tema que tem um referencial em Henrik Ibsen por sua peça Um Inimigo do Povo, como um retrato do conflito entre o interesse individual e o coletivo numa espécie de frágil tributo à imaginária  honradez patriótica de um cidadão. E que o dramaturgo norte-americano Tracy Letts retoma, sob o compasso de uma comédia sombria, em sua mais recente peça The Minutes.

Onde remete, em parâmetros diversos da violência ao conflito de vontades, a duas de suas incisivas criações que alcançaram os palcos brasileiros – Killer Joe e Agosto, respectivamente nas aplaudidas versões de Mario Bortolotto e André Paes Leme. Ambas abordando a prevalência do interesse egoísta  sobre o bem comum no circuito familiar e social.

E agora Letts está de volta com A Última Ata (em funcional titulação e esmerada tradução de José Pedro Peter para The Minutes), sob a brava e reveladora concepção cênico/direcional de Victor Garcia Peralta, comandando um elenco estelar para tempos de tantas adversidades no sustento da criação teatral brasileira, através de um descaso assumido oficialmente quanto à valoração do fato cultural.

Para ficar mais próxima à nossa realidade, com sua trama transposta a Cerejeiras, um fictício povoado perdido nos grotões de regiões anteriormente habitadas por povos indígenas. À causa de sua trama no compasso de temporais, inviabilizando o uso da Câmera Municipal e obrigando seus integrantes a se reunirem em local inusitado de conceitual simbólico, o palco de um teatro ainda que submetido também às intempéries.


A Última Ata. José Pedro Peter / Idealização/ Tradução. Outubro/2022. Fotos/Cristina Granato.

O que se reflete especularmente em seu retrato cenográfico sob processo de demolição (Julia Deccache), entremeado por efeitos sonoros (Andréa Zeni) de trovões e relâmpagos. Com velhas e puídas cadeiras, guarda chuvas espalhados indicando a presença de goteiras e uma destas mesinhas com bebidas e comestíveis. Tudo longe da habitual solenidade de um espaço legislativo. Aqui sublinhado pelos meios tons de luzes (Ana Luiza de Simoni)  prevalentemente vazadas.  

O que não impede o uso de uma indumentária (Tiago Ribeiro) de sotaque mais formal dos dez vereadores ali presentes, à espera de um último deles que tarda em chegar. E que vai ser o portador instantâneo de mensagem inesperada, transmutando a burocrática sequência de maçantes discussões, monótonas e vazias, mas mordazmente risíveis, em provocante e contestador clima.

Tendo como ponto de partida o misterioso desconhecimento de uma obscura ata assinada às pressas em horas incertas, sem o conhecimento da maioria dos presentes à sessão (em procedimento bastante similar a uma certa Câmara Federal de Deputados logo abaixo da linha equatorial...).

Extensivo a signos burlescos caraterísticos de nosso universo político tais como conservadorismo comportamental (no entremeio de misoginia, racismo e homofobia), fanatismo religioso, militarismo fascista, descompromisso cívico parasita, em seu impulso historicista preconceituoso e genocida e, sobretudo, sinalizado por sua flagrante boçalidade intelectual.

Alegoricamente interpretados por um elenco de onze craques da cena carioca e brasileira, a saber Alexandre Dantas, Alexandre Varella, Analú Prestes, Ary Coslov, Débora Figueiredo, Dedina Bernardelli, Leonardo Netto, Marcelo Aquino, Mário Borges, Roberto Frota e Thiago Justino, convictamente entregues, sob potencializado brilho,  às suas performances.

A Última Ata é uma reflexiva devassa do sistema democrático, ignorando o povo que o elege e sustenta, e que tem uma cena emblemática no sádico gestual coreográfico no entorno do projeto de monumento a um destes anti-heróis não politicamente corretos, transformados em mitos da ordem social.

E não foi sem razão que alguns críticos americanos viram na peça um alerta sobre o Trumpismo e as expectativas funestas sobre todos aqueles supostos líderes que se arvoram como tal. Afinal, como sugestionam seus criminosos personagens lavando, com indiferença, suas mãos em sangue  - Será que  daqui a cem anos alguém, por acaso, vai se importar com eles ?...

                                         Wagner Corrêa de Araújo

 

A Última Ata está em cartaz no Teatro das Artes, sextas e sábados às 21h; domingo, às 20h. Até 13 de novembro.

ÓRFÃOS : TRANSES HUMANOS EM MELODRAMA METAFÍSICO SOBRE ANJOS DE CARA SUJA


Órfãos, de Lyle Kessler. Direção/Fernando Philbert. Outubro/22. Fotos/Costa Blanca Films.


Na proximidade do alcance de quatro décadas de sucesso absoluto em inúmeros países e numa reconhecida versão cinematográfica de Alan Pakula (1987) quatro anos após sua primeira montagem, Órfãos - do celebrado autor norte-americano Lyle Kessler - tem sua segunda versão para os palcos brasileiros.

Com a habitual artesania do diretor Fernando Philbert mantendo a sua denominação original (a partir de mais uma das acuradas traduções de Diego Teza), com diversidade da representação concebida por Gracindo Jr., em 2004, em seu referencial titular do filme noir “Anjos da Cara Suja” (1938), de Michael Curtiz.

E no contexto da peça como uma forma qualificativa, irônica mas ao mesmo tempo melancólica, para meninos internados em orfanatos, dividindo-se entre a sufocante falta da conexão familiar e a tendência marginalizante diante de um destino de abandono e de carências afetivas.

Interpretada aqui por uma dupla de talentosos representantes de uma nova geração atoral, no caso Rafael Queiroz e Lucas Drummond. Este último o idealizador do projeto pós temporada de estudos em Nova York, onde se entusiasmou pelo texto na sua mais recente produção da Broadway. E completada, em seu terceiro personagem, pela maturidade de um dos mais carismáticos atores da cena brasileira – Ernani Moraes.

Configurando-se como um melodrama metafísico ou dimensionado na categoria de comédia entre sombras pela sua abordagem de distanciamento do amor e de gestos compassivos para preencher o vazio existencial de dois irmãos solitários, no refúgio de um decadente espaço residencial.


Órfãos.Com  Lucas Drummond, Ernani Moraes e Rafael Queiroz. Outubro/22. Fotos/Costa Blanca.

 .  

Resquícios de uma infância infeliz, deixados ao léu pelo pai abusivo com a morte da mãe, e claramente insinuado na concepção cenográfica de Natália Lana para sugerir esta ambiência, sob marcas características de desordem, roupas espalhadas pelo chão, latas e vidros vazios, e pelo figurino surrado de Rocio Moure, acentuados nas precisas tonalidades luminares de Vilmar Olos.

O mais velho Treat (Rafael Queiroz) vivendo às custas de uma jornada de delitos via roubos a pedestres, enquanto o mais jovem - Phillip (Lucas Drummond), submetido pelo outro a uma obrigatória reclusão domiciliar, tornando-se cada vez mais alheio à realidade do mundo lá fora.

Encontrando saída apenas em lúdicas leituras às escondidas do irmão e na evasão energética através de arroubos acrobáticos, inspirado pelos heróis de filmes antigos a que assiste no seu pequeno aparelho de TV. Estabelecendo, ambos,  trajetórias de frustração e dor em seu angustiante cotidiano enquanto esperam, sem perspectivas, por dias melhores que nunca chegam.

Até a transformação instaurada por um misterioso senhor, bêbado empresário sequestrado por Treat, na verdade mais uma das vítimas dos seus assaltos de rua, em performance luminosa de Ernani Moraes como Harold. Transitando, com raro brilho, como um mistificador mor resgatando seu passado similar de orfanato, em papel de mentor comportamental paternalista e insuflando, especialmente no mais jovem dos irmãos perdidos, um aprendizado libertário de vida.

Enquanto esta influência vai se estendendo também no apaziguamento da rudeza e da vilania cínica de Treat que aos poucos acaba cedendo às injunções do questionador senhor Harold ainda que em ambígua mutação de caráter, em convicta interpretação de Rafael Queiroz.

Mas é a variada escala expressiva assumida pela ação  psicofísica de Lucas Drummond, no personagem Phillip, de sua instintiva timidez inicial ao seu espontâneo processo libertador sob a égide do mágico visitante, que torna mais próximo e tocante seu compartilhamento de emoções com a plateia.

Com direito a privilegiados momentos de quebra metafísica e metafórica, como partner de Ernani Moraes, em sensoriais passagens gestuais (Toni Rodrigues), sustentadas por breves acordes antológicos da canção e do musical americano, parte incisiva da certeira trilha de Marcelo Alonso Neves.  

Tudo confluindo para tornar mais envolvente a gramática cênica direcional de Fernando Philbert e capaz, sobretudo, de fazer de Órfãos um destes momentos superiores da arte teatral...

                                            Wagner Corrêa de Araújo



Órfãos  está em cartaz no Oi Futuro/Flamengo, de quinta a domingo, às 20hs. Até 20 de novembro.

FICÇÕES : IRREVERENTE E ESPECULATIVO PASSEIO CÊNICO PELA HISTÓRIA DA HUMANIDADE

Ficções. Dramaturgia/ Direção Rodrigo Portella. Com Vera Holtz. Outubro/22. Fotos/Ale Catan.


“Não há deuses no universo, nem dinheiro, nem direitos humanos, nem leis, nem justiça fora da imaginação comum dos seres humanos”. E é a partir deste provocador desafio no entorno das bases conceituais da antropologia e da psicologia evolucionista, que se estrutura o livro “Sapiens : Uma Breve História da Humanidade”, do pensador israelense Yuval Noah Harari.

Que, por seu caráter polêmico e questionador, se tornou um dos maiores fenômenos editoriais desde sua publicação em 2014. E onde ele defende sua tese, a partir das mutações do primitivo homem das cavernas em homo sapiens, num alcance historicista sob teorizações especulativas de 70.000 anos até o presente  milênio. 

De como teria acontecido o processo evolutivo a começar da descoberta do poder cognitivo que foi transformando o homem em dono exclusivista da natureza indo da caça e da coleta à exploração agrícola, passando pela investigação científica seguida da revolução industrial.

E, na sequencialidade, às revoluções promovidas pela informação e pela biotecnologia que seriam seguidas pela era terminal do destino civilizatório do homo sapiens. Numa história sempre pontuada pela prevalência dos mitos como única causa e efeito ficcionais de tudo, desde a fabulação bíblica às aplicações tecnológicas da IA - Inteligência Artificial.

E é no entorno desta realidade de sonho e de niilismo onde, na palavra de Harari, você nunca admite que a ordem é imaginada”, que foi incitada a surpreendente tessitura cênico/literária da peça Ficções. Do mentor da idéia (Felipe Heráclito Lima) à sua versão dramatúrgica/direcional por Rodrigo Portella, destinada aos partners performáticos - a atriz Vera Holtz e o músico Federico Puppi.



Ficções. Vera Holtz e Federico Puppi. Cenografia/Bia Junqueira. Outubro/22. Fotos/Ale Catan.


E aí se estabelece uma contundente dialetação da dramaturgia na sua livre e personalizada releitura da obra original, sempre com uma sólida funcionalidade das atitudes criadoras. Onde o escritor (Harari), o dramaturgo(Rodrigo Portela) e a atriz (Vera Holtz), esta em absoluta potencialidade carismática como a portadora psicofísica da mensagem, se confundem todos como personagens, sob um sotaque pirandelliano, sintonizados em visceral mergulho no imaginário.

Desdobrando-se esta pulsão de energizada  inventividade,  assumida pela direção de Rodrigo Portella, na agregação de outros bravos parceiros a um projeto esteticamente arrojado.  Com a necessária contundência para uma transgressiva temática armou-se, assim, a interlocução dramatúrgica através do tríptico Bianca Ramoneda, Milla Fernandez e Miwa Yanagizawa.

A ousada cenografia (Bia Junqueira) em palco quase vazio, que não esconde suas urdiduras técnicas e bastidores, transforma a caixa cênica numa instalação plástica (Arquitetura do Efêmero) centralizada no sugestionamento de um grande monólito/mobile, servindo como espaço imagético/especular para o genoma neandertal. Ampliado em seu impacto visual por  efeitos luminares (Paulo Cesar Medeiros) sabendo captar climas textuais de envolvência psicológica.

O figurino (João Pimenta) da atriz Vera Holtz contrasta com o despojamento da indumentária masculina - uma capa que deixa descoberto o corpo quase nu do violoncelista Federico Puppi, enquanto tonalidades mais sóbrias marcam os trajes e o visagismo de Vera Holtz remetendo a ritualísticas figuras femininas de eras ancestrais.

Vera Holtz, reafirma sua maturidade atoral em irrepreensível performance como uma mulher “sapiens”, dividindo-se entre instigantes momentos dramáticos e espontâneas reflexões de irônico humor, com alcance imediato e cúmplice da plateia. Enquanto as incidências instrumentais, sob autorais acordes camerísticos-roqueiros, em energizado contraponto físico/musical integram Federico Puppi à proposta.

No desafio de um conflito de vontades, promovido em Sapiens, crenças religiosas, direitos naturais, ideologias politicas não passariam, afinal, de meras alegorias, uma tela em branco ou perguntas sem respostas. Mas cuidado, como estamos em tempos perigosos onde prevalecem o retrocesso e a intolerância, lembre-se de Voltaire : “Deus não existe, mas não diga isto ao meu servo para que ele não me mate à noite”.

É este o desafiante enigma, identificado na magia da resposta dramatúrgica à ficcionalização da História e da própria realidade humana, que está fazendo Ficções se tornar a grande surpresa da temporada teatral 2022...


                                        Wagner Corrêa de Araújo


Ficções está em cartaz no Teatro I/CCBB, de quarta a sábado, às 19h30;domingo, às 18h. Até 30 de outubro .

UMA REVOLUÇÃO DOS BICHOS : OPORTUNA ALEGORIA ANTROPOMÓRFICA SOBRE AS DISTOPIAS POLÍTICAS

 

Uma Revolução dos Bichos. Direção de Bruce Gomlevsky. Outubro/2022. Fotos/Dalton Valério.


Todos os animais são iguais mas alguns são mais iguais do que outros” – nesta frase do escritor britânico George Orwell está sintetizado o transubstancial fio condutor da  trama ficcionalizada de seu livro Animal Farm que, ao lado de 1984, revela os desvios e as falácias a que conduzem os jogos do poder, do domínio e da submissão na radicalização das ideologias, sejam estas da esquerda ou da direita.

Original de 1945, com o propósito de fazer uma irônica e mordaz sátira aos desmandos tirânicos de Stalin, com sua distorção opressiva dos princípios e ideários políticos que nortearam a Revolução Russa de 1917, desde que assumiu ditatorialmente o poder na expansão da era soviética. Não representando de forma alguma um tributo ao sistema capitalista, pois o intuito de Orwell como um socialista convicto era o de denunciar os abusos autoritários e a subtração dos verdadeiros intuitos marxistas que deveriam continuar a nortear o regime russo pós 1917.

O que ele faz numa representação fabular através de uma fazenda onde os animais promovem uma revolta libertária, diante da forma desprezível e exploratória como eram tratados pelos humanos representados pelo patrão/proprietário. Em livro emblemático por seu substrato atemporal e que vem inspirando desde releituras cinematográficas e teatrais a adaptações para quadrinhos e até jogos virtuais.

E bastante oportuna nesta sua nova retomada cênica nos palcos brasileiros quando sobrevivem regimes guiados pelo totalitarismo de esquerda como a Coréia do Norte, além do crescente radicalismo neofascista tanto na Europa, como nos riscos iminentes do visionário desígnio direitista de um certo país abaixo da linha equatorial.

Em afiada releitura dramatúrgica absolutamente personalizada, titulada agora como Uma Revolução dos Bichos,  embora sustentada no dimensionamento imaginário inicial de Orwell, com um olhar armado na contemporaneidade pela reconhecida maestria textual de Daniela Pereira de Carvalho.

Uma Revolução dos Bichos. Daniela Pereira de Carvalho, dramaturgia. Outubro/2022. Fotos/Dalton Valério

Mais uma vez com a autoridade cênica de Bruce Gomlevsky irradiando no palco a luminosidade desta escritura, em inventiva e provocadora concepção diretorial sintonizada com as trajetórias da dramaturgia de hoje. Em instigante processo de busca investigativa que alia elementos de um teatro coreográfico à metaforização expressionista do realismo performático, já delineado com vigoroso resultado pela Cia Teatro Esplendor em “Tartufo”.

E direcionando-se a uma arquitetura cênica (aqui, na dúplice concepção, por Bruce Gomlevsky) em envolvente plasticidade estética e orgânica pelo uso de feno natural numa ambientação fazendária. Interativa para atores/espectadores na sua disseminação de odores campestres e pelas constantes entradas e saídas, na circularidade do espaço arena/ plateia,  de um elenco com cerca de vinte atores.

Num arrojado visual de prevalência coletiva, entremeado  por alguns solos e cenas grupais, com um referencial onírico na confluência dos caracteres antropomórficos e de um colorido barroquizante. Materializado tanto na indumentária como no visagismo corporal e facial, em sensorial criação que reúne os talentos de Mona Magalhães e Maria Duarte.

Onde a energizada e instintiva interpretação dos atores se divide entre uma espontânea psicofisicalidade no gestual corpóreo/mimético (em funcional idealização de Gustavo Damasceno) e nas variações de tonalidades vocais (por Yasmin Gomlevsky). Aliás, na coesiva linguagem corporal de um afinado elenco, há que se destacar o crescendo dramático e a potencialidade carismática de Gustavo Damasceno no papel de Napoleão e de Yasmin Gomlevsky como Bola de Neve.

Sabendo as sonoridades da sempre certeira trilha  (Marcelo Alonso Neves) pontuar bem, no intermédio de passagens ora mais graves ora mais calorosas, os conflitos emotivos de vitória, desalento e derrota dos personagens animais e humanos, acentuados com precisão, entre claridades  e sombras, nas luzes de Elisa Tandeta. 

Em dias de tanta incerteza política como os que estamos vivendo, há que se ficar atento e forte quanto aos perigos e as armadilhas para instauração de uma nova ordem a partir de pregações messiânicas ligadas a fanáticas lideranças. A lição reflexiva que fica, depois de assistir a Uma Revolução dos Bichos, não pode ser olvidada, ela serviu para 1945, haverá de ser útil para o hoje e, certamente, necessária para o amanhã...

 

                                    Wagner Corrêa de Araújo

 

Uma Revolução dos Bichos está em cartaz no Espaço Sergio Porto, de sexta a domingo às 19hs, até o dia 30 de outubro.


“COMO SOBREVIVI A MIM MESMA NESTA QUARENTENA”: IRREVERENTE HUMOR E REFLEXÃO LÚDICA PARA ALÉM DA PANDEMIA

Como Sobrevivi a Mim Mesma Nesta Quarentena. Atuação e dramaturgia/Rita Fischer. Setembro/2022. Fotos/Léo Dalledone.


Nesta contagem regressiva pela esperança de melhores  tempos políticos e culturais para resgatar um país mergulhado numa temível crise de identidade, ao lado do pânico provocado por época pandêmica, nada melhor que lavar a alma com humor irreverente direcionado por uma lúdica reflexão de vida.

E é esta a proposta da envolvente e assumidamente despudorada narrativa dramatúrgica/autoral da atriz Rita Fischer em Como Sobrevivi a Mim Mesma Nesta Quarentena, originalmente pensada e alinhavada por ela como um teatro virtual e, agora, chegando finalmente aos palcos, com uma funcional direção de Thiago Bomilcar Braga.

Para alguns talvez soando como algo desgastado, de volta a uma temática "déjà vu", mas conceitualmente ainda bastante oportuna, especialmente neste período de campanha eleitoral.  Diante da similar ansiedade, como no confinamento, por uma mudança de ares, em extensiva equivalência dos dois anos pandêmicos aos quatro de retrocesso à causa de uma equivocada (des)governança.

Sob a sensação do isolamento e da solidão em compasso de uma quase prisão domiciliar, a que fomos obrigados por questões de segurança sanitária evitando o risco de sermos, quem sabe, a próxima vitima na estatística terminal provocada pela Covid.

   Como Sobrevivi a Mim Mesma Nesta Quarentena. Com Rita Fischer. Direção de Thiago Bomilcar
 Braga. Setembro/22. Fotos/ Léo Dalledone.

O que Rita Fischer, com seu reconhecido talento histriônico, imprime a uma comédia da vida privada (em orientação dramatúrgica de Cristina Fagundes), a partir de sua experiência de reclusa, sozinha em apartamento, no enfrentamento da neurótica ameaça de vírus ocultos, na decorrência dos proibitivos contatos externos, à paranoia de que estariam até mesmo no ar que respirava.

Aqui, em caixa cênica minimalista e preenchida apenas com uma cadeira, pelas luzes vazadas de Jack Santtoro e um levíssimo figurino cotidiano por Sophia Linhares, além de simbólico borrifador de álcool ao qual, com ironia crítica,  ela recorre vez por outra.

Tornando ludicamente risíveis os dias de caos social, medo residencial e surto psíquico numa escritura cênica naturalista que ela transmuta em divertida performance, não abdicando de exprimir-se por palavrões em atrevidas situações causadas pelo forçado, e naquele momento quase impositivo, abstencionismo  sexual.

Contrapondo desejos reprimidos e posturas erotizadas através de um sotaque nostálgico, no entremeio dos acordes de poesia e paixão, em canções na voz de Edith Piaf. Que dão motivo a um gestualismo de teor coreográfico, equilibrado entre passagens sensorialmente românticas e energizada pulsão performática.

Em espetáculo despretensioso mas que certamente, em sua singular urdidura de potencial comunicabilidade interativa atriz/espectador, está a merecer uma extensão de temporada, na fabular justificativa de que rir ainda é o melhor remédio para os nossos sempre eternos dissabores ...

                                               Wagner Corrêa de Araújo

                                             

Como Sobrevivi a Mim Mesma Nesta Quarentena em cartaz no Espaço Provocações/Shopping Barra Point, todas as sextas feiras de setembro, sempre às 20h.

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