FOTOS/JOÃO CALDAS FILHO |
Emblemática criação da dramaturgia americana, da sua textualidade original(1947) à sua versão cinematográfica(1951/Elia Kazan), Um Bonde Chamado Desejo não era remontado no Brasil há mais de uma década.
Com o olhar armado na contemporaneidade, o diretor Rafael
Gomes confere à sua versão uma particular originalidade. Que pode não agradar aos puristas radicais por
seu perceptível distanciar-se do realismo psicológico, estilismo autoral assumido por Tennessee
Williams.
Mas que, diante de uma urdidura
dramática diferencial tanto no dimensionamento psicológico da representação
como na minimalista arquitetura cenográfica (André Cortez), com traços de metafórico naturalismo, tem um vigoroso
resultado estético.
Não só através do trilho circular, podendo ser o trajeto de “Desire”- o bonde - até o cortiço residencial do casal Kovalski - Stella (Virgínia Buckowski) e Stanley
(Eduardo Moscovis). Ou remetendo a elementos próprios de um set fílmico, na visibilidade de caixas,
refletores e figurinos e no acionamento de travellings.
Ressaltado ainda pelas inusitadas
marcações de luzes contrastantes (Wagner Antônio), ora vazadas, ora sombreadas,
para explicitar os conflitos interiores, entre o ilusionismo e a realidade
crua. Do comportamento de irrealizável romantização em Blanche (Maria Luísa Mendonça) ao
contraponto brutalizado na rusticidade do cunhado Kowalski(Eduardo Moscovis). E,
também, delineado nas diferenças indumentárias de
Fause Haten para os dois personagens.
Onde no anti-realismo cênico de um meio espaço/arena prevalece a enérgica artesania
de Rafael Gomes, completada no tríptico tradução/direção/trilha sonora. Esta última
concebida em sotaque pop (Winehouse /Radiohead/ Beirute) e longe do melodismo sinfônico de
Alex North para as telas.
E que estabelecendo intensivas relações
emotivas entre a vocalização e a fisicalidade , com aportes
coreográfico/circenses, alcança um clima extasíaco nos seus deslocamentos entre
o onirismo e o pesadelo. Apurando, assim, por outros caminhos estetizados, a linguagem
da peça nas suas correlações entre a ação e o diálogo.
Contando-se também o elenco, em total identificação com a proposta, desde o prevalente
protagonismo de Maria Luísa Mendonça à cativante sintonização de Virgínia
Bukowski. Além da maior ou menor incidência participativa dos coadjuvantes (Davi Novaes, Donizeti Mazonas,Fabrício Licursi,Nana Yazbek).
Ou ao sincero esforço de Eduardo Moscovis para superar a pulsão comparativa com a agressividade do personagem original, em caracterização menos densificada pela atenuação do presencial de arroubos violentos.
Ou ao sincero esforço de Eduardo Moscovis para superar a pulsão comparativa com a agressividade do personagem original, em caracterização menos densificada pela atenuação do presencial de arroubos violentos.
Mas o absoluto domínio palco/plateia é mesmo de Maria Luísa Mendonça tornando-se o grande momento do espetáculo. Direcionado,
sempre, via seu comando mor (Rafael
Gomes), à integralização do alcance qualitativo como inventário cênico.
Uma atriz, com tal carga de verdade
interior, máscara, linha dramática, entrega convicta, capazes, afinal, de dar sustentação carismática ao papel e de conduzir o espectador a um estado catártico
pela surpresa artística da performance.
Wagner Corrêa de Araújo
UM BONDE CHAMADO DESEJO está em cartaz no Teatro XP/Jockey Club/Gávea, sexta e sábado, às 21h; domingo, às 18h. 110 minutos. Até 26 de novembro.
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