CAESAR - COMO CONSTRUIR UM IMPÉRIO: À SOMBRA DO JOGO POLÍTICO

FOTOS / LEE KYUNG  KIM

A Tragédia de Julio Caesar, no original de Shakespeare, vem inspirando não só o teatro, mas a música (a ópera de Haendel ) e o cinema, desde a clássica adaptação de Mankiewicz(1953) a uma incisiva visão contemporânea dos Irmãos Taviani(2012), César Deve Morrer.

Caesar - Como Construir um Império, a transposição dramatúrgica de Roberto Alvim,  condensa em uma hora  e em dois atores( Caco Ciocler e Carmo Dalla Vechia) os personagens/chaves (Caesar, Brutus, Cassius, Marco Antonio) da peça inicial da trilogia romana shakespeariana.

Esta concentração narrativa aumenta o foco sobre o dimensionamento do processo político revelado,  exponencialmente, através do discurso verbal. Com   todos os meandros ,posturas e argumentações que marcam a permanência e a alternância governamental.

Num espetáculo marcado pela proposital aridez, entre a poesia e o ódio, entre os laços afetivos e a maldade deliberada . Mais pelo interesse político  próprio que pelo bem coletivo, numa perceptível atemporalidade temática.

Quando a peça  foi escrita (1599) pretendia conscientizar o público sobre a ameaça de uma temerária guerra civil,  no instável final da era elisabetana. Fácil, assim,  estender a sua pesada e mal resolvida sensação de culpa  e de crise de liderança às atuais circunstâncias brasileiras.

Os códigos de cena retomam uma linha estética, com inventivas variações, que Roberto Alvim privilegia em seus espetáculos, desde o seu último Beckett a este seu primeiro Shakespeare .

Luzes de néon entre muitas sombras  delineando perfis, de plasticidade geométrica, das performances. Refletidos na solene uniformidade de  figurinos negros (João Pimenta)  e na emblemática arquitetura cênica em formato de arena .

Através, ainda, da simbologia de impérios e tiranias,   em seu exercício do domínio, nos  elementos cênicos -  moeda, sangue e morte.

E, especialmente, na singularidade expressiva do score musical de Vladimir Safatle, numa leitura pianística ao vivo( Mariana Carvalho). Integrando vozes , acordes e dissonâncias,no lastro de Schoenberg (Pierrot Lunaire), John Cage, Philip Glass e John Adams, numa quase ópera minimalista.

A irrepreensível interpretação dos atores revela rara desenvoltura, nos seus inesperados meios tons e contrastantes nuances. Ora entre sussurros e tomadas de fúria ( Carmo Dalla Vechia) ,ora na eloquência de altissonante  vocalização ( Caco Ciocler), em filigranada  gestualidade e hierático cerimonial.

Um teatro, enfim, de dimensão épica, no seu transcendente teor reflexivo sobre o maquiavélico jogo político de poder e submissão, além do tempo, entre  governantes e governados,  Estados e almas humanas.


CAESAR - COMO CONSTRUIR UM IMPÉRIO ESTÁ EM CARTAZ NO ESPAÇO/SESC/ARENA,COPACABANA, SEXTA,ÀS 20 H 30 M;SÁBADO, ÀS 18 H E ÁS 20 H 30 M; DOMINGO, ÁS 17 H E ÁS 19 H. 60 MINUTOS. ATÉ 06 DE MARÇO.


O ÚLTIMO LUTADOR: ROUND FAMILIAR

FOTO/ MILTON MENEZES

Luta Livre, Vale Tudo, MMA, o clã Gracie,  Anderson Silva, Vitor Belfort, José Aldo, nos ringues. De um clássico de M. Scorsese (Touro Indomável) à série Rocky (Stalone) sem esquecer , é claro, Bruce Lee, nas telas. 

Este é um universo lúdico/marcial  que marcou muitas gerações e que continuará a inspirar .Como nesta sua chegada aos palcos, com O Último Lutador, incursão dramatúrgica dúplice (Marcos Nauer/Teresa Frota), com direção de Sergio Módena.

Na peça, a partir das lembranças de um passado distante, o  lutador / treinador Caleb (Stenio Garcia) , de rinhas  e  ringues, diante de uma doença terminal, decide fazer um acerto de contas e um reencontro da dissidente linha direta de seus descendentes.

Para tanto, o patriarca envolve os dois filhos,  ex –lutadores Enosh( Gláucio Gomes) e Tito(Antonio Gonzalez) na difícil missão reconciliatória. Em meio a muitas rusgas e mágoas   que atingiram, igualmente, os netos , também profissionais ,  Daniel (Daniel Villas) e Davi ( Marcos Nauer).

Ao enredo,  juntam-se também, respectivamente, as mulheres de Caleb,  Diná ( Stela Freitas) e de Daniel, Débora(Mari Saade), além de uma apresentadora de TV, Madalena( Carol Loback). Enfim, um número grande de personagens e histórias que acaba desviando ou tornando menor o foco em torno do protagonismo titular.

Cria-se , assim, um imaginário fragmentado de um núcleo familiar caotizado , num excesso de tramas paralelas que , às vezes, prejudicam  o rendimento cênico. 

Mas Sergio Módena , mais uma vez, demonstra ser um encenador cuidadoso na sua constância em encarar ,  com agilidade inventiva , tanto os desequilíbrios como as possibilidades da textualidade teatral.

A  cenografia (Aurora Campos) imprime um significativo olhar visual entre teias metalizadas de galinheiros.  Transmutadas, simultaneamente,  em casa, estúdio de tv e ringue, pelo desenho das luzes (Tomás Ribas) .  E completada por adequados figurinos (Antonio Guedes) e pela trilha, sempre  precisa,  de Marcelo Alonso Neves.

A coesa  adesão do  elenco alcança relevância,  na dependência da maior envolvência ou não dos seus papéis. Embora, com uma presença mais sóbria, Stênio Garcia confira exponencial  dignidade e intensidade emotiva ao seu personagem.

Mas, o visível destaque fica por conta da contundente e convicta performance de Marcos Nauer ,  combinando,  com sua entrega interpretativa, rica gestualidade e modulação vocal.

Na simbológica cena da luta final entre   irmãos de sangue, pela coragem do enfrentamento duelar  entre laços de família, uma reflexiva conclusão. Que vença um ou  outro ,  não importa :  no ringue da vida, vencer-se a si próprio  é a maior das vitórias.

                                        WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO

FOTO/CRISTINA GRANATO
 O ÚLTIMO LUTADOR está em cartaz no Teatro dos Quatro, segunda, sexta e sábado, às 21h; domingo, às 20h. 80 minutos. Até 14 de março.


DEPOIS DO AMOR : DESCONSTRUINDO O MITO

FOTOS/GUGA MELGAR

O sociólogo e teórico Edgar Morin , no seu livro As Estrelas, encontra a causa da fatalidade nas mortes de James Dean , pelo excesso,  e na de Marilyn Monroe,  pela carência.

Seu inesperado fim por circunstancias trágicas  capazes de gerar duas versões , entre o suicídio por barbitúricos ou assassinato  por uma conspiração de nuance política , marcou definitivamente a década de 60 , como o princípio da falência do star system.

Marilyn representava o ápice do sonho americano de uma era mítica do Olimpo hollywoodiano.  Mas com uma trajetória marcada por tantas contradições, na sua ascensão ao êxito, que se transformou em deusa de pés de barro.

Com uma feminilidade, ao mesmo tempo, triunfante e ultrajada em sua sexualidade. Capaz de ser mais desejada  por seu corpo desnudo de rainha , mero objeto fálico de domínio sedutor,  em detrimento de sua ansiedade em ser reconhecida como  diva,  de grande  dimensionamento artístico e cultural.

No seu referencial titular à  peça de Arthur Miller ( Depois da Queda), a trama dramatúrgica de Fernando Duarte adota a nominação de Depois do Amor. E embora o texto de Miller use a personagem Maggie como uma espécie  de alter ego de Marilyn, está  aprofundando, na verdade,  o sentido da decomposição política e moral do mundo pós anos 50 .

Ao contrário  , Fernando  Duarte  traça um retrato,  sem retoques, do vazio , da rejeição, da insegurança, de uma personalidade de vida infeliz,  escondida por trás do sucesso.

Ao receber em sua casa uma ficcional  figurinista e ex-camareira, Margot Taylor (Maria Eduarda de Carvalho), Marilyn (Danielle Winits), enquanto experimenta os vestidos destinados ao seu último filme (Something’s got to give), detona um amargo acerto de contas confessional de sua vida privada .

A direção original de Marília Pera( aqui substituída por Fernando Philbert) assume este viés com perceptível senso crítico e estético, preocupando-se mais em focar as frustrações de uma mulher fragilizada que sua narrativa biográfica de atriz. 

Com uma  ressalva, apenas, na desnecessária declamação de um poema de Drummond, fora do contexto de alguém  que adorava livros mas nunca os lia.

E,  neste aspecto, a meticulosa composição de Danielle Winits ganha um relevo especial, pois ela não está lá como uma cópia fake de uma estrela, com virtuosismos supérfluos, mas para transcender o mito,  num singularizado e tocante retrato da condição feminina.

As intervenções de Maria Eduarda proporcionam instantes  de rara intensidade interpretativa,  ao desvendar as vulnerabilidades de Marilyn. 

Numa discreta arquitetura cênica(Natalia Lana), enriquecida pela elegância dos figurinos(Sonia Soares) e pela adequação das luzes(Vilmar Olos) e incidências musicais(Paula Leal).

No  apagar das luzes , ao final da peça, com o quarto entre sombras, é como se ouvíssemos Marilyn em seu árido e melancólico apelo :

 “Torne-o escuro e deixe-me sozinha”.

                                   WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO



DEPOIS DO AMOR está em cartaz, no Teatro Vannucci,Shopping da Gávea, de quinta a sábado, às  21 h 30 m; domingo, às 20 h. 75 minutos . Até  06 de março.



ESTUDO PARA MISSA PARA CLARICE :LITURGIA DA PALAVRA LITERÁRIA

FOTOS/RICARDO BRAJTERMAN
Os auto sacramentais e os mistérios , inicializados com as passagens evangélicas  teatralizadas da vida de Cristo , ultrapassaram, especialmente a partir do período barroco,  a sua mera singularidade de tradição religiosa medieval .

Sua simbologia alcança,  assim , uma composição dramática cerimonial de estrutura alegórica, entre o sacro e o profano . Para celebrar o mundo, a natureza, os sentimentos humanos, além de todos os dogmas e rituais religiosos, numa  transcendente espiritualidade universal.

E é este o grande lance de dados da concepção dramatúrgica de  Eduardo Wotzik em Estudo Para Missa Para Clarice – Um Espetáculo Sobre o Homem e Seu Deus. Ao desnudar a profundeza filosófica e a subjetividade psicológica dos conceitos abstratos da obra de Clarice Lispector,  através de uma extasiante liturgia cênica.

Será que Deus sabe que existe? “. Esta metafórica imagem é um enunciado dos segredos que marcam Clarice e seu Deus. E já no prólogo do missal, a trajetória da santificação é induzida pela mensagem amorosa  da Macabéa , a protagonista/mártir  de A Hora da Estrela:
Na  pobreza do corpo e do espírito eu toco na santidade, eu que quero sentir o sopro do meu além”.

O celebrante Eduardo  Wotzik numa expressiva entrega sacrificial,com sua "batina” atemporal de pregador, conduz o ritual “católico”. Instaurando, como um arauto , de Elêusis ou de Cristo, a cerimonia dos mistérios e milagres de Clarice.

Neste seu desempenho de ator/diretor/mensageiro do divino , manifestado na contemplação da palavra interior , ele conclama a participação da plateia de  fiéis nas preces da bem aventurada Lispector –“Eu só rezo porque palavras me sustentam.  Eu só rezo porque a palavra me maravilha”.

As atrizes Cristina Rudolph e Natally  do Ó , como acólitos do diácono protagonista, em suas breves intervenções, estabelecem um imanente  clima dialético com os espectadores/devotos das benditas espiritualidades da escritora.

O intensivo impulso criativo da direção de arte( Analu Prestes) acentua cada instante cenográfico desta envolvente  epifania da palavra literária e  do gesto teatral sacralizados.

Onde o  desenho das luzes (Fernanda e Tiago Mantovani) alcança um  maneirismo barroquizante, entre brumas e sombras de refletores e velas.

E os acordes melancólicos da elegíaca Sinfonia n. 3 , de Gorécki, com seus cantos de dor, conduzem  ao clima místico idealizado.

Capaz, enfim, de estabelecer um ritual coletivo  palco/plateia (sacro>espiritual>profano>físico)  de  comunhão  estética e louvação,  entre   as parábolas e  prédicas de Clarice:

Meu Deus, me dê a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites, todos vazios de Tua presença... Faça com que eu seja a Tua amante humilde, entrelaçada a Ti em êxtase... Receba em teus braços o meu pecado de pensar”.

                                          WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO


ESTUDO PARA MISSA PARA CLARICE está em cartaz no Teatro III do Centro Cultural Banco do Brasil, quinta a domingo, às 19h30m. 80 minutos. Até 28 de fevereiro.
NOVA TEMPORADA: Teatro Gláucio Gil, Copacabana, sexta a segunda, às 20h. Até 2 de maio.

OS REALISTAS: SOB A ESPREITA DA MORTE

FOTOS BY LÉO AVERSA


É esta mortalidade instalada em nós , onde o estar morto só é perceptível nos outros em sua entrega aos ainda vivos,  que traz o referencial do existencialismo sartreano e da absurdidade teatral na concepção do Will Eno de Os Realistas.

E é  o próprio autor que conceitualiza  a peça no fator absoluto da morte iminente ,  silenciosamente pressionando nossas relações uns com os outros. A consciência do incrível mistério da existência, o vazio de onde tudo veio e para onde tudo pode ir.

Numa ambiência de bucólico provincianismo, Júlia ( Mariana Lima), em impossibilidade dialogal com o reticente marido João( Fernando Eiras), subitamente é interrompida pela chegada do casal Pônei(Debora Bloch) e  José( Emílio de Mello) .

Na agitação falante, revelam sua vizinhança , afinidade de propósitos e a similaridade de sobrenomes. E nas breves ausências dos maridos, o espanto feminino lembrando a descoberta de enfermidades graves dos consortes masculinos.

De repente, a aparente alegria no desfrutar  o gozo das coisas mais simples do dia a dia de pessoas mais  que normais, vai se decompondo na conscientização ,sob a espreita da morte, da proximidade terminal de dois seres interligados neste quarteto amigável.

É , então,  que se estabelece um inteligente jogo cênico, onde as nuances do trágico  são anestesiadas por uma implosiva troca de palavras . Capaz de  surpreender , na sua aparente informalidade, como  um riso de  irônico disfarce, diante das absurdidades da condição humana.

Esta forma de escape  estabelece, por vezes, um clima incômodo para o público,  no seu nonsense do nada que leva ao nada, de sins e  nãos de posturas simplórias,  em tedioso tempo de espera pelas inevitabilidades do destino.

Mas, ao tomar as rédeas da desordenada sequencia narrativa, a direção de  Guilherme Weber mostra sua firmeza na meticulosa escolha  de exponenciais elementos estilísticos. Numa admirável arquitetura cênica de valoração trans/textual  ,  assumida na integralidade da marca da invenção.

No realismo dos objetos cenográficos e na funcionalidade dos figurinos( Ticiana Passos), contrastando com o encantamento e mistério  na transparente paisagem de um bosque ao fundo (Daniela Thomas/Camila Schmidt).Tudo sob um sutil desenho de luzes(Beto Bruel), sugestionando   inspiradora climatização  tchecoviana.

Na entrega total do elenco aos personagens, em esplendorosa interatividade de performances. Ora na densidade emocional de Mariana Lima, ora  no comovente equilíbrio com tensão de Emílio de Mello. Nos expressivos recortes de interiorização  de Fernando Eiras ou no mais que   carismático desempenho de Debora Bloch.


Numa destas instantâneas fulgurações criativas, capazes de serem reflexionadas na transcendência dramatúrgica do questionamento da morte pelas interpelações afetivas dos relacionamentos humanos.

OS REALISTAS está em cartaz no Teatro Poeira, Botafogo,quinta a sábado, 21h; domingo,às 19h. 100 minutos. Até 27 de março.

Nova temporada: Teatro Maison  de France,Centro/RJ,sexta e sábado, 20h;domingo, às 18h. Até 28 de agosto.

MASTER CLASS: CALLAS, O ÚLTIMO (EN)CANTO

FOTOS BY MARCOS MESQUITA

A melancólica volta da soprano Maria Callas,  após o fim do desastrado caso amoroso com Aristóteles Onassis, agravado com o afastamento da carreira, a transforma num fantasma de uma  artista mitificada.

Reencontrando apenas um instantâneo êxito cinematográfico, via Medea de Pasolini, com  uma personificação  que  a consagrara  na versão operística de Luigi Cherubini de similar titulação,  mas desta vez sem uma nota musical sequer.

Era uma vã tentativa  pela subsistência  do seu talento de atriz dramática que , na ópera, se expressava sobremaneira no caráter psicológico dos seus 47 personagens femininos.

Quando  aceita (1971) dar as aulas para 25 alunos da Julliard School of Music de Nova York, ela o faz com o rigor e eficiência de uma mestra na técnica vocal. 

Mas , ao contrário da exacerbação de sua altivez mostrada na “Master Class” do dramaturgo Terrence McNally  era , segundo depoimentos da época, franca nos comentários e moderada nos elogios.

Para os aficionados  em Callas, o ressentimento cruel causado por tantos reveses na vida e na arte nunca teria se transformado no sarcasmo, quase caricatural,  como  o exposto na peça .

E quando a direção de José Possi Neto explora, na medida da medida, o exponencial talento dramático de Christiane Torloni ,é alcançada a teatralidade ideal para marcar as variações emocionais da  conflituada  Callas.

Especialmente nos seus  apoteóticos  solilóquios confessionais, entre a glória e a amargura. Ali,  personagem e intérprete, Callas e Torloni, se confundem na culminância de uma grande performance, de  meticulosa gestualidade  estética e sensível intensidade emocional.

As tonalidades  mais aquareladas da iluminação (Wagner Freire) nestes monólogos, ilustrados com a grande aria da Medea na voz de Callas, contrastam as luzes vazadas das cenas de lições teatralizadas de como ser criativo, cantando e atuando no palco.

Os figurinos( Fabio Namatame)  procuram fugir à sobriedade convencional por uma nuance mais  fashion para a protagonista e ironizados para os alunos/cantores. Enquanto a cenografia(Renato Theobaldo) sugestiona ,em painéis abstratos , o design  clássico verticalizado  de uma plateia operística.

Dos corretos personagens / aspirantes à competição lírica, a insegura Sophie( Bianca Tadini) se espanta perante uma intérprete mor  da ingênua Amina (Ah!Non credea mirarti), em La Sonnambula.

O  presunçoso Anthony(Leandro Lacava) sente-se maior como Cavaradossi ( Recondita Armonia) em  Tosca. E a bravura dramática da cena da carta em Macbeth (Vieni t’affretta) é ambicionada pela impositiva Sharon( Julianne Daudt).

Completando-se pela precisa interferência de dois Thiagos/ atores , o convincente pianista  Emmanuel( T. Rodrigues) e o simplório contra regra/dublê de tenor ( T. Soares).

Entre o sonho e a realidade , o “Vissi d’arte, vissi d’amore” no Ato II da Tosca e a Casta Diva do Ato I de Norma , representam o retrato sem retoques  dos reveses do destino  da divinal Maria Callas.

Na conceitualização teatral, é a aspereza  reflexionada na metafórica lição de Master Class: “Se eu pareço dura, é porque  eu aprendi a  ser dura comigo mesma”.

                                            WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO




 MASTER CLASS está em cartaz no Teatro Clara Nunes, Gávea, sexta e sábado, 21h; domingo, 20h. 90 minutos. Até 6 de março.


RAIA 30, O MUSICAL : CLAUDIA X CLAUDIA

FOTOS BY CAIO GALUCCI


Quando Claudia Raia decidiu fazer um musical autobiográfico, incentivada por seu partner , de amor e de palco, Jarbas Homem de Mello, ficou indecisa por seu aspecto de auto exaltação em torno de uma carreira de três décadas.

Afinal, foram grandes momentos musicais/coreográficos no palco como A Chorus Line (1983), Sweet Charity (2006) e Cabaret (2011). Especiais participações no cinema, Quarup e Boca de Ouro , em 1989,e Matou a Família e Foi ao Cinema ( 1991). Além de suas inúmeras atuações na televisão, tanto em programas humorísticos como em novelas.

A ideia de Raia 30, O Musical dá sequencia à trilogia dos anos 90, Não Fuja da Raia, Nas Raias da Loucura e Caia na Raia, todos a partir da brilhante utilização de seu sobrenome ,com outros significados, na titulação dos musicais.

Mais uma vez, ela conta com a valiosa colaboração artística de profissionais do naipe de Miguel Falabella( texto) e José Possi Neto( direção). Incluindo,  ainda ,  Tania Nardini( coreografia), Maestro Marconi Araújo ( concepção musical ), Fábio Namatame( figurinos) e Gringo Cardia ( cenografia).

Tudo funciona a mil maravilhas, através de um afinado elenco  de atores/bailarinos com   um destaque exponencial para Marcos Tumura, comparsa de palco, há quase exatamente 30 anos .

Sobrepondo-se a todos com a potencialidade maior de show business star, sempre a própria Claudia Raia. Capaz de assumir , de  forma tão  carismática, a sua própria personalidade, ainda que suas performances  quase se confundam,  entre a sua figura exponencial de mulher e a de atriz.

Com seu porte e pose, se alinha na tradição das grandes vedetes do “music hall”, equilibrando, visivelmente,  seu virtuosismo  cênico entre o canto , a dança e uma envolvente nuance de representação na linha do humor,  de inteligente ironia.

Se em Raia 30, todos os elementos cênicos , gestuais e sonoros concorrem para o efetivo esplendor de um musical, falta-lhe, no entanto, uma construção dramatúrgica equivalente.

O roteiro é instável , mesmo na intencionalidade  de um clima de delírio felliniano, evitando a  narrativa  biográfica num  sequencial cronológico.

Suas perdas essenciais  de ritmo aparecem , com maior nitidez , nas frágeis passagens do humor televisivo, em flagrante contraste com a unidade técnica e a densidade dos números coreográficos/musicais.

Mas, para o bem de todos,  o talento e a intensidade da  presença física da protagonista , ao lado de uma irrepreensível entrega do elenco, transformam os rounds perdidos, em entusiasta adesão pública  na “raia” final da vitória.




RAIA 30, O MUSICAL está em cartaz no OI Casa Grande, Leblon, de quarta a sexta, 21h;sábado, 18h30m e 21h30m;domingo, 18h. 90 minutos. Até 14 de fevereiro.

PROCESSO DE CONSCERTO DO DESEJO: LUZ ENTRE SOMBRAS

FOTOS BY MARCOS HERMES



“A mãe mais do que amar o filho, ama-se no filho”. Por que não ter este pensar de Nietzsche como referencial do significativo tributo de Matheus Nachtergaele à sua progenitora Maria Cecília que,  no dia de seu batizado  , deu fim à própria vida.

Ao filho , com quem conviveu na brevidade de três meses, deixou apenas uma nostálgica saudade e uma dor ancestral que ele, agora, tenta remir com uma ritualística concepção dramatúrgica .

Neste “Processo de Conscerto do Desejo”, Matheus busca a reparação póstuma da mágoa , entre os mistérios interiores de precipitação do ato trágico e os sensíveis registros poéticos do diário desta instantânea  maternidade .

Poemas e anotações de um caderno que o ator guardou durante muitos anos e que ele  redimensionou como ponto de partida de sua própria  jornada existencial.

Onde as palavras são simbolicamente  transmutadas numa intimista interação, além do tempo, como expressão confessional comum entre mãe e filho.

Diante de um espelho, ele se apresenta  trajando um vestido negro, exponencial ora das turbações de angústia e questionamento, ora,  metaforicamente,  do luto pela tragicidade prematura no destino de uma jovem de apenas 22 anos.

Mas na proporção em que seu processo catártico segue se impondo, ele vai manchando de amarelo a escuridão do tecido , como se este espelhasse ,pela admiração filial, as luzes de um ser celestial.

Acentuando , no mosaico de sutilezas de sua performance, a total entrega à dúplice personificação do outro (ela )  em si , refletindo ao mesmo tempo seu próprio eu.

Superando o memorial  de lembranças e  mortalidade, na árida tristeza do texto, em energizante manifestação corporal de um teatro quase dança .

Entre declamações e cantares ,com  as envolventes interferências de barroca contemporaneidade no violão( Luã Belik) e ao violino( Henrique Rohrmann).

Na coerente semiobscuridade do desenho das luzes ( Bruno Aragão) capaz de ressaltar, entre brumas, a construção psicológica de uma proposta de meditativa simplicidade.

De um não convencional espetáculo cênico em construção – teatro da palavra > recital > sarau poético - de fisicalidade e espiritualismo, em sacralizada comunhão com a plateia.

No “caminho do meio”  budista  ,   através da “oração profana” de Nachtergaele , por uma morte incensada como alegria libertária no altar da vida.

                                               Wagner Corrêa de Araújo



  
  PROCESSO DE CONSCERTO DO DESEJO está em cartaz no Teatro Poeirinha,    Botafogo, terças e quartas, 21 h. 80 minutos . Até 24 de fevereiro.

EM NOVA TEMPORADA, 2018 , TEATRO NÉLSON RODRIGUES/CENTRO/ RJ, DE QUINTA A DOMINGO,    ÀS 19 H. ATÉ 27 DE MARÇO.


HAMLET - PROCESSO DE REVELAÇÃO : POR UMA DÚVIDA HERÓICA

FOTOS BY ISMAEL MONTICELLI
                          

São quatro séculos  de  definição metafórica deste enigmático  “ser ou não ser”, princípio e fim, razão e dúvida de uma obra teatral que desafiou o próprio sentido da condição humana.

Na sua capacidade de questionar o destino ,entre   incertezas e hesitações , em eterno confronto com os abismos existenciais, é teatro transcendental, pelas suas infinitas possibilidades de representação.

Através de um príncipe (Hamlet), mais ferido pela insensatez do ato criminoso  do tio Cláudio , junto de sua mãe, a Rainha, que pela pretensão ao trono dinamarquês, usurpado com o assassinato de seu pai.

E , mais uma vez, outros significados são propostos nesta peça de vingança que , ultrapassado o seu tempo elisabetano, com seu caráter investigativo, tem  uma sintonia além de todas   as cronologias

“Hamlet – Processo de Revelação” é uma concepção dramatúrgica do ator Emanuel Aragão que ,solitário em cena, explora , com raro carisma, a simbologia da  tragédia shakespeariana ,numa inovadora performance/aula .

Em sua indefinida duração, que vai depender sempre da maior ou menor interatividade com a plateia, ele avança, sob todos os ângulos históricos, éticos e psicológicos do personagem , além de sua época  e pela contemporaneidade.

Ora em diálogo aberto, franco e envolvente, com o público na visibilidade  das   luzes permanentemente acesas .Ora em improvisos  ou adentrando por passagens da peça, com intimismo coloquial ou no tenso clímax  da quebra de  tijolos.

Mantendo sempre  uma proposta estética  que pode enveredar por caminhos não previsíveis. Capaz de discursar com   os que aderem ou liberar a saída dos insatisfeitos.

Rumo cênico alternativo de retomada de um clássico . Teatro dentro do teatro, de sonho ou verdade,  assumido com  intenso e inteligente  olhar  crítico pelo dúplice comando dos irmãos Adriano e Fernando Guimarães.

Responsáveis também( incluindo, Ismael Monticelli) pela ideia cenográfica, ao lado do adequado figurino de Liliane Rovaris ,com  o pontual desenho de luz (Dalton Camargos/Sarah Salgado).


Deste provocativo “processo de revelação” de perguntas sem resposta para uma “dúvida heróica”  ,um  possível alcance    do referencial reflexivo  nas derradeiras falas da personificação de Hamlet:

Simples comparsas ou audiência deste ato/ Tivesse  eu tempo, eu vos diria...Mas seja o que há  de ser (...) O resto é silêncio”.

 

     HAMLET - PROCESSO DE REVELAÇÃO está em cartaz no Teatro II do Centro Cultural Banco do Brasil, Centro, de quinta a domingo, 19h30m. 120 minutos. Até  28 de fevereiro.

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