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Nouveau Monde / Companhia Híbrida. Renato Cruz/Direção Geral e Coreografia. Agosto/2025. Carol Pires / Fotos. |
Como a criação coreográfica reagirá diante do desafio de um
futuro distópico onde os avanços tecnológicos convivem com perspectivas sombrias
como a devastação ambiental ou a desumanização do corpo sob o domínio do homem
robotizado?
Este questionamento nos remete ao século XX quando o universo da dança moderna começou, através da inciativa pioneira de Merce Cunnnigham, a integração de efeitos cinéticos e de vídeo em suas coreografias. Uma tendência que se acentuaria com os recursos digitais da sequencial era dos computadores e da internet.
Que por sua vez gerou o encontro estético de duas linguagens com
o movimento da vídeo-dança que não ficou apenas no registro definitivo das
imagens e das câmeras, mas se estendeu aos palcos coreográficos em cias que se
tornaram conhecidas priorizando este gênero.
Embora todos estes experimentos procurassem preservar a dança
pela dança não deixando que a expressão da corporeidade ficasse submissa ou
fosse simplesmente abstraída pelo
contexto tecnológico tornando frio, mecanizado e robótico o movimento gestual.
Além de tudo isto, com força crescente, vem aumentando em
escala mundial os retrocessos políticos, morais e ideologias radicais, contrapondo-se às identidades de raça, de sexualidade e da livre expressão individual, num iminente
risco de regimes totalitários.
E foi pensando nisto transmutar-se, contraditoriamente,
num futuro assustador que a Companhia Híbrida, dando continuidade ao projeto coreográfico
realizado entre o Brasil e a França, com patrocínios dos dois países, fez surgir a obra simbolicamente titulada como Nouveau Monde.
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Nouveau Monde / Companhia Híbrida. Renato Cruz/Direção Geral e Coreografia. Agosto/2025. Carol Pires / Fotos. |
O coreógrafo e diretor da Cia Renato Cruz já é conhecido do
público e da crítica francesa com vários espetáculos apresentados lá, o mais
recente deles Novo Fluxo no inicio de
2025, incluindo também a obra Dança
Frágil, em vários espaços parisienses, entre estes o Le Carreau du Temple em
coprodução de Nouveau Monde.
Desta vez, utilizando-se, aqui, de um espaço cênico arena onde seu grupo de 7
bailarinos (Fábio Max, Jefte Francisco, Josh Antônio, Maju Freitas, Rayan
Sarmento, Tamara Catarino, Yuri Tiger), um ou outro de comunidades cariocas
passando, assim, a representar bem a proposta identitária de estrato social e racial, na assumida pulsão espontânea de uma gestualidade, legado de
sua especialização nas danças urbanas.
Havendo que se ressaltar que esta obra traz um inédito dimensionamento da corporeidade de cada um deles, isolados em círculos delimitados por traços e efeitos luminares focais, entre sombras e luzes (Renato Machado) e indumentárias (Karla de Luca) com um sutil sotaque atemporal, completadas com capacetes/óculos de realidade virtual.
Onde um facho de luzes led coloridas remete, subliminarmente,
a uma ambiência metafórica preenchida por sonoridades eletroacústicas (Gabriel
Amorim e Lucas Marcier). O que amplia o efeito sensorial de corpos imobilizados
liberando, lentamente, um gestual fragmentado, entre braços, pernas, ombros e
mãos, paralelo à representação de um movimento facial sugestionando ansiedade e sufocação.
Até o inesperado surgimento de um cachorro-robô, num
referencial a figurações de seres futuristas próprios do universo de ficção
científica, por programação computadorizada, contornando o espaço cênico, sob quatro patas mecânicas alternando-se de pé, diante da surpresa e de certo
espanto dos espectadores. Numa obra coreográfica diferencial que a aproxima da dança-teatro, tal como um poema concreto ecoando palavras, ao vivo, tornadas visíveis na expressiva fisicalidade dos bailarinos.
Diante deste original ideário temático e coreográfico de
Renato Cruz, para sua sempre admirável Companhia
Híbrida, fica a pergunta - será que a
dança poderá interagir, mantendo intacto seu livre processo de criação, numa
dominante realidade virtual?
Quem sabe, indo mais longe, num conceitual de previsibilidade, poderíamos ser levados a crer na reversão deste Nouveau Monde, como Le Meilleur des Mondes (citando a obra
de Aldous Huxley)! Ou tudo não passa de uma utopia e, neste futuro distópico, a
corporeidade humana gestual na arte coreográfica será assumida, definitivamente, por dançarinos robôs? ...
Wagner Corrêa de Araújo
Nouveau Monde/Companhia Híbrida encerrou, neste final de
semana, sua curta temporada no Sesc/Arena/Copacabana, com a expectativa de que
volte ao cartaz.