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(Um) Ensaio Sobre a Cegueira. Grupo Galpão. Rodrigo Portella / Direção Concepcional. Setembro/2025. Guto Muniz e Tati Motta / Fotos. |
“Este é um livro francamente
terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo.
Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente
uma das experiências mais dolorosas da minha vida”, palavras conceituais de José
Saramago sobre uma de suas obras literárias mais polêmicas e perturbadoras.
E é diante deste desafio que Rodrigo Portella assume a
direção concepcional do Grupo Galpão
para transmutar o livro do escritor
português numa releitura dramatúrgica titulada (Um) Ensaio Sobre a Cegueira.
Numa proposta diferencial em que sua temática é exposta sob um tratamento estético
de prevalente experimentalismo teatral.
Já começando por uma caixa cênica praticamente vazia em processo de construção
com um cone de transito bem em sua área central. E enquanto o público vai se
adentrando na plateia do teatro, antes do inicio oficial da performance, aos
poucos os atores aparentam um entra e sai, sob luzes vazadas (Rodrigo Marçal/Rodrigo Portella).
Diante da perspectiva de um espetáculo, anunciado com uma
possível duração de mais ou menos duas horas e meia, atores e técnicos aparecem
trazendo alguns elementos para irem, assim, preenchendo de forma aleatória o espaço do
palco que sugestiona, subliminarmente, uma ambiência de ensaio teatral, pelo
ideário cenográfico de Marcelo Alvarenga.
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Um) Ensaio Sobre a Cegueira. Grupo Galpão. Bianca Ramoneda /Interlocução Dramatúrgica. |
Federico Puppi / Direção Muscal . Setembro/2025. Guto Muniz e Tati Motta/Fotos. |
Numa sutil proposição de deixar livre o entendimento reflexivo
para cada um dos espectadores sobre o significado imagético do que está se vendo
ali, direcionado pela escuta fragmentada da textualidade inspirada pelo livro
original de 1995, aqui sinalizado por um referencial de contemporaneidade.
O que, assim, configura um teatro que une, em ato de coesão coletiva, palco e plateia, atores e público. E que ecoará a decifração livro/palco pela abordagem do surto da cegueira, como um súbito mal coletivo, indo além da mera previsão de um futuro distópico, este já se fazendo presencial na insensatez do que estamos vivenciando.
Em que as falas e os atos de cada personagem, pela enigmática visão
única de uma luz branca, vão transcendendo seu alcance moral, político e social,
com a sequencial internação de todos em um manicômio.
Onde, sob as piores condições de sobrevivência, vivem
o pesadelo de uma insana e amoral situação que, em clima pós-apocalíptico, remete
à simbologia do colapso da própria condição
humana.
A tradição reafirmada de uma sempre qualitativa performance
da trupe de atores do Grupo Galpão tornando difícil destacar a atuação
personalista de cada um dos que integram esta representação, com indumentárias
(Gilma Oliveira) do dia-a-dia. A saber, em ordem alfabética, Antônio Edson, Eduardo Moreira (este por sinal seu atual
diretor artístico), Fernanda Vianna, Inês Peixoto, Júlio Maciel, Luiz Rocha,
Lydia Del Picchia, Paulo André e Simone Ordones.
Todos eles imprimindo, como de hábito, a marca permanente de
excepcionais atores sob completa empatia com
a plateia, desde um sotaque mais irônico, à sequencial densidade dramática. Na concentração imersiva em
seus personagens, paralela à ação orientadora dos espectadores opcionais que
tem os olhos vendados mal sobem ao palco.
Outra vez, a trilha sonora autoral de Federico Puppi surpreendendo
por inventivos acordes na fluência de seus arranjos para instrumentos e
vozes, numa sensorial expressividade como reflexo especular do dimensionamento narrativo,
aproximando-se do estilo das composições musicais na parceria teatral Kurt Weill/Bertold
Brecht.
O contraponto entre o visto e o imaginado, pela rompante ousadia
da concepção direcional de Rodrigo Portella, a partir de uma textualidade literária situada entre a irracionalidade
e o pesadelo, mesmo que vez por outra não alcance a pretendida expansão em
cena, nunca deixa de ser um teatro consistente e questionador, solidificado por
sua pulsão de denúncia e pela potencialidade nas suas intenções críticas...
Wagner Corrêa de Araújo
(Um) Ensaio Sobre a Cegueira c/ o Grupo Galpão está em cartaz
no Teatro Carlos Gomes, quinta e sexta, às 19h; sábado e domingo, às 16h; até o
dia 14 de setembro.
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