FOTOS/JANDERSON PIRES |
“Contemplai,
branquinhas, /na sua varanda,/a Chica da Silva/
A Chica que
manda! Coisa igual nunca se viu./Don João Quinto, rei famoso, nunca teve mulher assim!” – Cecília Meirelles, versos
finais do Romance XIV, do Romanceiro da Inconfidência.
Assim como
Cecília Meirelles, inspirada pelo personagem mítico/histórico, descoberto e
inicializado nas Memórias do Distrito Diamantino, 1868, pelo
mineiro Joaquim Felício dos Santos, Chica da Silva vem povoando um vasto
universo da literatura, do cinema, do carnaval, do cancioneiro popular e do
teatro musical.
É nesta
ultima trilha que incursiona, agora, a dramaturga Renata Mizrahi com “Chica da
Silva, o Musical”. Onde, ao contrário de se ater ,mais uma vez, nos assaz
explorados traços fictícios ou reais
, lendários ou da oralidade, faz desta
mulher um símbolo atemporal dos embates libertários do amor sublimado pela
consciência racial.
Assim, sua teatralização transcende os limites do estereótipo de um personagem
feminino, marcado apenas pelos signos da
luxúria, da lascívia e da altivez,
especialmente na sua convivência com aquelas mulheres que não lograram a sua exitosa condição redentora.
A autora faz
de sua Chica da Silva uma ponte entre duas épocas, da ancestralidade histórica
à contemporaneidade, em dois paralelos dimensionamentos psicológicos. Com poesia e
verdade, visibiliza uma rebeldia capaz de fissurar os limites entre
escravidão e liberdade, negritude e branquitude, domínio e submissão , pela prevalência da condição
feminina numa contextualização político/social.
A corporificação de duas Chicas estabelece uma perceptível coerência no
sequencial dramático em que todo o elenco se mantem em cena, ao lado do
conjunto musical. No urdimento de arquitetadas e imperceptíveis passagens entre dois períodos , abrindo mão de
desnecessárias identificações de rigorismo cronológico.
Estas sutis
modulações de tempos dramáticos é alcançada, ainda, pelas mãos condutoras de
Gilberto Gawronski na exploração filigranada de todos os contornos da personagem.
E mesmo adotando uma linha de prevalente
intensificação da protagonização titular, o espetáculo consegue manter o
ritmo e o equilíbrio quando dá voz ao elenco coadjuvante.
Onde as
nuances dramático/musicais de Vilma Melo(Chica da Silva) revelam uma solidez
absoluta na indisfarçável emoção de sua performance. Em unidade interpretativa,
Ana Paula Black mostra luminosidade tanto na técnica de sua fisicalidade como
no domínio de seu talento de atriz.
Ainda que
com menores chances de brilho, há um generoso esforço na entrega dos outros
atores(Antonio Carlos Feio/Luciana Víctor/Tom Pires) a um
convicto desempenho coletivo. Onde também o quarteto de instrumentistas, sob a
acurada direção musical de Alexandre Elias, tem irrepreensível atuação.
Completando
o significativo cuidado estético da montagem, a concepção cenográfica com
sua indumentária artesanal (dupla
criação de Karlla de Luca) e a funcional dosagem de seu desenho de luz( Renato Machado).
Tudo, enfim,
na sua coesa integralidade, capaz de favorecer o clima da representação
tornando Chica da Silva-O Musical, tanto na simplicidade bem resolvida de seu
aspecto formal como na especificidade de sua textualidade teatral, uma das mais
gratas surpresas dos palcos cariocas.
Wagner Corrêa de Araújo
CHICA DA SILVA - O MUSICAL em nova temporada,no Teatro Sesi, Centro/RJ, de quinta a sexta, às 19h30m; sábado ,às 19h.70 minutos. Até 8 de abril.
Wagner Corrêa de Araújo
CHICA DA SILVA - O MUSICAL em nova temporada,no Teatro Sesi, Centro/RJ, de quinta a sexta, às 19h30m; sábado ,às 19h.70 minutos. Até 8 de abril.