A temporada com três espetáculos de lavra da paulista Cia Solas de Vento, sob o título geral de Viagens Extraordinárias, sequenciadas com A Volta ao Mundo
em 80 Dias, Viagem ao Centro da Terra e 20 Mil Léguas
Submarinas, trouxe um novo
alento às tradicionais peças direcionadas a um público infantil, longe dos
habituais contos da carochinha.
Normalmente mais ligado à critica analítica da dança e do
teatro para adultos resolvi acompanhar, mensalmente, cada uma destas peças inspiradas
num trilogia de clássicos de Jules Verne. Primeiro, através da recomendação de especialistas
neste gênero de teatro e, segundo, por uma questão nostálgico/afetiva.
Da infância, pelas plagas de várias cidadezinhas de uma Minas
interiorana, onde as matinês de final de semana
eram a expectativa das crianças, acompanhadas de seus genitores. No meu
caso, o juiz de direito destas comarcas Plácido, que ia ao cinema todos os dias,
única opção lúdica nestas provincianas veredas
roseanas entre as montanhas das
Gerais, sem televisão ainda e distante do porvir da internet.
Além de acompanhá-lo quase sempre nesta que foi a inicialização
à futura paixão pessoal pela sétima arte, no
entremeio deste final dos anos 50 e a década de 60, pelos velhos “cinemas
poeira". Inclusive assistindo às primeiras versões em cinemascope a cores
destes filmes, inspirados na saga precursora da ficção cientifica, por
intermédio do francês Jules Verne.
Todos eles longe ainda da tecnologia e dos efeitos especiais que marcariam tanto o cinema, sem deixar de falar no futuro com a internet, nas inúmeras
versões em filmes e séries destes clássicos. O que me incentivou mais ainda a revê-los
confrontando os originais e sua adaptação
para o palco nos dias de hoje.
Cia Solas de Vento. Vinte Mil Léguas Submarinas. Junho 2022. Foto/Mariana Chama. |
E com isto foram mais surpreendentes as emoções do reencontro
destas obras sob os artifícios inventivos da Cia Solas de Teatro, atuante
desde 2007 no comando estético/concepcional da dupla Ricardo Rodrigues/Bruno Rudolf,
conceituada e dona de merecidos prêmios em júris de teatro infantil por suas
reveladoras realizações.
Na prevalência de uma fórmula descortinadora de
possibilidades capazes de unir o teatro físico, mímico e de bonecos, às artes
circenses e técnicas coreográficas. Paralela à outra especial qualificação quanto
ao recurso a elementos dramatúrgicos e cênicos (cenografia, indumentária,
luzes, trilha sonora), com exclusiva autoria e resultado de sua múltipla faceta criativa.
Utilizando-se de uma linguagem que privilegia as atitudes
criadoras, os integrantes da Cia,
aos quais se junta também a participação
valiosa de outros atores tais como André Schulle, todos eles integralizados em apurada atitude
performática à qual nunca falta o entretenimento.
Inseridos em um percurso pleno nas variações risíveis de tonalidades vocais que imprimem
diferencial caracterização aos seus personagens com suas especificidades burlesco/circenses. Carregadas
de uma corporeidade acrobática e de mimético gestualismo coreográfico, preenchendo a caixa cênica que, sob efeitos
luminares e projecionais, se transforma quase numa tela de cinema.
Trazendo também um referencial de identificação
estético/cinética com as inúmeras mostras do cinema primitivo de Georges Méliès (desde
o Jules Verne de Viagem à Lua, 1903) aos filmes de animação daqueles anos, a
maioria dos países da Europa Oriental. Que organizávamos para espectadores de
todas as idades, quando idealizamos a Sala de Cinema Humberto Mauro do Palácio
das Artes (BH), já nos idos de 1977 a 1981.
Lembranças, enfim, despertadas por estas nuances delicadas de clímax e pequenos mistérios provocados por uma espontânea criação cênica, quase peças-filmes, e sua cativante interpretação. Que se, por um lado atraiu a cumplicidade entusiasta da plateia de grandes e pequeninos, foi capaz de insuflar indisfarçável emoção memorial, em viagens extraordinárias pelos espaços siderais da mente...
Wagner Corrêa de Araújo
Cia Solas de Vento. A Volta ao Mundo em 80 Dias. Abril/2022. Foto/ Mariana Chama. |
A Cia Solas de Vento com suas Viagens Extraordinárias fez temporada, sábados e domingos, às 16h, no Teatro II /CCBB/RJ, entre os meses de abril a junho 2022.