O PAPEL DE PAREDE AMARELO E EU : MULTIFACETADA DRAMATURGIA DE DENÚNCIA ENTRE O TEATRO FÍSICO E A PALAVRA LITERÁRIA

O Papel de Parede Amarelo e Eu. Alessandra Maestrini e Denise Stoklos/Direção Concepcional. Agosto/2025. Com Gabriela Duarte. Priscila Prade/Fotos. 

 

O Papel de Parede Amarelo é considerado precursor da literatura feminista, ao desafiar o moralismo conservador da sociedade patriarcal, tornando o livro de 1892, da escritora norte-americana Charlotte Perkins (1860-1935) um icônico símbolo de previsão das sequenciais lutas emancipatórias da mulher.

Tendo inspirado, especialmente a partir do início do terceiro milênio, variadas versões cinematográficas, entre curtas e longa metragens, além de adaptações para os palcos no formato dramatúrgico e até operístico, incluindo aqui, neste gênero uma recente criação tcheca de 2024.  

Todas estas adaptações usando uma titularidade homônima ao celebrado conto, dando espaço também a um diversificado teatro de apelo coreográfico dividindo a narrativa entre a performance de uma bailarina e de uma atriz, ora com projeções cinéticas e atuação atoral, ou então por uma cantora solista em obra musical de câmera.

E, entre nós, pelo alcance da original autoridade cênica-direcional de duas absolutas representantes femininas de um teatro brasileiro conectado aos mais inventivos avanços da contemporaneidade dramatúrgica - Alessandra Maestrini e Denise Stoklos - no espetáculo nominado O Papel de Parede Amarelo e Eu, tendo como protagonista uma convicta e diferencial Gabriela Duarte no primeiro monólogo de sua trajetória como atriz.


O Papel de Parede Amarelo e Eu. Alessandra Maestrini e Denise Stoklos/Direção Concepcional. Agosto/2025. Com Gabriela Duarte. Priscila Prade/Fotos. 


Em imersivo mergulho na narrativa de Charlotte Perkins, com subliminar recorte biográfico-intimista, de uma rompante personagem demonstrando sua rebeldia, frente ao dúplice autoritarismo de um marido e médico. Na prescrição imaginária da cura de sintomas histéricos, pelo isolamento total em enigmático quarto/cela, circundado em suas paredes por um decrépito papel amarelo.

Sugestionado pela ambiência soturna de uma caixa cênica (Márcia Moon), ocupada pela imagética figuração simultânea de cama-mesa atrás de uma grade de metal, frontalizando um mural/parede desbotado. Onde as tonalidades amarelas transparecem pela queda contínua, no compasso de uma chuva, de fragmentos de papel e tecidos desabando sobre o palco.

Ressaltados cenograficamente em efeitos de luzes psicodélicas (Cesar Pivetti) alternadas por sufocantes sombras que referenciam o clima de terror claustrofóbico de um thriller, transmitindo palco-plateia uma inquietante provocação sensorial.

Ampliada em multifacetadas expressões de susto e de ansiedade da atriz confrontadas, por vezes, de uma assumida ingenuidade facial, entre risos e caretas, tudo convergindo para um chamativo visagismo (Wilson Eliodorio),  propiciado sob  vistosa peruca ruiva (Feliciano San Roman) e uma quase fetichista indumentária (Leandro Castro) vermelho sanguíneo, contrastando numa aquarela pictórica, com as pinceladas cênicas amareladas.

A dúplice direção sendo imprimida por uma potencial ressignificação do teatro físico, paralela à vocalização textual em off pela própria atriz, conferindo, assim, à representação dramatúrgica, a tensão gestual de um corpo-linguagem dialogando com a afetiva vocalização pré-gravada da textualidade literária.

O que faz com que a performance de Gabriela Duarte, no silêncio de quaisquer interveniências musicais, seja carregada da consistência irradiada na compreensão do significado intimista da desolação de um personagem. Que ela atravessa no entremeio de uma perspectiva onírica como fuga ao pesadelo da ancestral repressão ao prevalecimento da condição feminina.

Isto tudo demonstrando a permanência oportuna de uma temática ficcional/metafórica de significativo eco libertário contra todas as formas de opressão e aprisionamento limitativo do pleno direito de ir e de vir da mulher, do final do século XIX aos dias de hoje.

Por intermédio de uma dramaturgia sólida que, pela extensiva capacidade experimental de suas atitudes criadoras, abre novas perspectivas estético/ideológicas para um teatro brasileiro de conscientização e denúncia que referencia, antes de tudo, sobre o necessário enfrentamento ao crescente risco do despertar de todos os tipos de retrocesso em escala mundial...

 

                                                  Wagner Corrêa de Araújo

  


O Papel de Parede e Eu está em cartaz no Teatro Prio/Jóquei/Gávea, de quinta a sábado às 20hs; domingo, às 18h, até 21 de setembro.

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