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“Se fosse possível
escolher entre Deus e o absurdo, a escolha seria fácil. Mas não há escolha”. Albert Camus – (O Mito de Sísifo).
O embate mítico de um personagem mortal que, julgando
enganar o Olimpo com suas artimanhas contra a fatalidade do destino, é
condenado à maldição do inútil esforço de levar uma pesada pedra até o topo de
uma montanha para vê-la rolar, seguidamente, de volta ao solo, inspirou uma
obra fundamental de Albert Camus.
Onde ele transcende o contexto ancestral grego com uma
releitura, sob incisivo ângulo filosófico e crítico dimensionamento
psicopolítico, à luz da problemática da contemporaneidade. Tendo como ponto
focal a absurdidade da condição humana, entre o ser e o não ser, sob o devir da
finitude na absoluta falta de sentido do existir.
Diante dos impasses, dos descompassos e da absurda insensatez
do momento politico e dos desmandos anticulturais das nossas governanças, seus mentores (Vinicius
Calderoni e Gregório Duvivier), dividindo-se entre a criação
textual/concepcional e a representação, aguçaram seu olhar sarcástico, entre o
humor ferino e a ironia rasgada, numa colagem cênica de 60 esquetes que eles
titularam referencialmente como Sísifo.
Usando e abusando intencionalmente da linguagem internauta (memes, gifs, coachs), no entremeio de
outros infinitos insumos digitais, para tentar explicar este controverso hoje e
este insano agora com um discurso virtual. Capaz de fazer rir sendo lúdico mas, ao mesmo tempo, detonando a acomodação do espectador ao incitá-lo a atitudes contestatórias e questionadoras que o aproximem do “Sísifo”existencialista.
Em espetáculo cuja proposta de atuação solista (Gregório Duvivier), numa progressão narrativa cíclica no seguro comando de Vinicius Calderoni, acontece
numa paisagem cênica (André Cortez) ressaltada entre sombras e luzes (Wagner Antônio) e que
remete, através de uma rampa inclinada, ao cume rochoso de onde este Sísifo moderno, insistentemente sobe, esquece da pedra e se atira do alto.
Numa performance a exigir esforço atlético marcado,
inclusive, por um figurino (Fause Haten) de conotação esportiva, conectando fisicalidade em
movimento (Fabricio Licursi), sob trilha incidental (Maria Portugal), com a exposição de falas fragmentárias e, por vezes, dispersivas na instantaneidade dos seus recortes.
Para cumprir uma travessia multifacetada, da superficialidade
de temas cotidianos, com ecos até mesmo de auto ajuda, a catárticas denúncias da
insolubilidade punitiva de tragédias como a de Brumadinho ou do caso Marielle.
E que, mesmo sabendo como explorar um acionamento entre o pesadelo e
o humor, da verdade ao delírio, mas não logrando escapar de um
andamento monótono, acentuado por flashes de menor consistência e pela própria repetição de um gestualismo maratonista, consegue dar seu
recado num instante feroz do coletivo:
"Do alto deste abismo,
o salto significa morte certa: nós aceitamos, serenamente, este veredito, e
saltamos em direção da vida. Isso não é o fim do mundo : esse é o trampolim para
o novo”.
Wagner Corrêa de Araújo
SÍSIFO está em cartaz no Teatro Prudential/Glória, quinta a sábado, às 21h; domingo às 19h30m. 60 minutos. Até 16 de fevereiro.