SÍSIFO : SAGA MITOLÓGICA EM RELEITURA CRÍTICA SOB COMPASSO DIGITAL

FOTOS/ANNELIZE T0ZETTO

“Se fosse possível escolher entre Deus e o absurdo, a escolha seria fácil. Mas não há escolha”. Albert Camus – (O Mito de Sísifo).

O embate mítico de um personagem mortal que, julgando enganar o Olimpo com suas artimanhas contra a fatalidade do destino, é condenado à maldição do inútil esforço de levar uma pesada pedra até o topo de uma montanha para vê-la rolar, seguidamente, de volta ao solo, inspirou uma obra fundamental de Albert Camus.

Onde ele transcende o contexto ancestral grego com uma releitura, sob incisivo ângulo filosófico e crítico dimensionamento psicopolítico, à luz da problemática da contemporaneidade. Tendo como ponto focal a absurdidade da condição humana, entre o ser e o não ser, sob o devir da finitude na absoluta falta de sentido do existir.

Diante dos impasses, dos descompassos e da absurda insensatez do momento politico e dos desmandos anticulturais das nossas governanças, seus mentores (Vinicius Calderoni e Gregório Duvivier), dividindo-se entre a criação textual/concepcional e a representação, aguçaram seu olhar sarcástico, entre o humor ferino e a ironia rasgada, numa colagem cênica de 60 esquetes que eles titularam referencialmente como Sísifo.

Usando e abusando intencionalmente da linguagem internauta (memes, gifs, coachs), no entremeio de outros infinitos insumos digitais, para tentar explicar este controverso hoje e este insano agora com um discurso virtual. Capaz de fazer rir sendo lúdico mas, ao mesmo tempo, detonando a acomodação do espectador ao incitá-lo a atitudes contestatórias e questionadoras que o aproximem do “Sísifo”existencialista.

Em espetáculo cuja proposta de atuação solista (Gregório Duvivier), numa progressão narrativa cíclica no seguro comando de Vinicius Calderoni, acontece numa paisagem cênica (André Cortez) ressaltada entre sombras e luzes (Wagner Antônio) e que remete, através de uma rampa inclinada, ao cume rochoso de onde este Sísifo moderno, insistentemente sobe, esquece da pedra e se atira do alto.

Numa performance a exigir  esforço atlético marcado, inclusive, por um figurino (Fause Haten) de conotação esportiva, conectando fisicalidade em movimento (Fabricio Licursi), sob trilha incidental (Maria Portugal), com a exposição de falas fragmentárias e, por vezes, dispersivas na instantaneidade dos seus recortes.

Para cumprir uma travessia multifacetada, da superficialidade de temas cotidianos, com ecos até mesmo de auto ajuda, a catárticas denúncias da insolubilidade punitiva de tragédias como a de Brumadinho ou do caso Marielle.

E que, mesmo sabendo como explorar um acionamento entre o pesadelo e o humor, da verdade ao delírio, mas não logrando escapar de um andamento monótono, acentuado por flashes de menor consistência e pela própria repetição de um gestualismo maratonista, consegue dar seu recado num instante feroz do coletivo:

"Do alto deste abismo, o salto significa morte certa: nós aceitamos, serenamente, este veredito, e saltamos em direção da vida. Isso não é o fim do mundo : esse é o trampolim para o novo”.

                                                Wagner Corrêa de Araújo
  

SÍSIFO está em cartaz no Teatro Prudential/Glória, quinta a sábado, às 21h; domingo às 19h30m. 60 minutos. Até 16 de fevereiro.

FRANÇOIS TRUFFAUT – O CINEMA É MINHA VIDA : POESIA E VERDADE EM PEÇA-FILME

FOTOS/ANTONIO SCORZA

Segunda experiência cênico-fílmica de uma investigativa incursão às fronteiras interativas do cinema e do teatro, conectada a outros recursos artísticos e literários, François Truffaut – O Cinema é Minha Vida, traz novamente a atriz Patrícia Niedermeier numa performance protagonista, agora sob o dúplice olhar cinético-dramatúrgico de Rodrigo Fonseca e Cavi Borges.

Enquanto o crítico cinematográfico (Rodrigo Fonseca) assina o roteiro e divide com o cineasta (Cavi Borges) a direção concepcional do espetáculo (incluída a participação criativa de Patricia Niedermeier) em prevalente formato de um monólogo confessional e documentário. Inspirado no legado de um dos mais celebrados cineastas franceses, a partir de extratos de seus escritos e recortes antológicos de alguns de seus principais filmes.

Com um singular dimensionamento estético desde a especificidade do espaço de sua representação – uma pequena sala de cinema com menos de 30 lugares – à formatação de sua proposta numa caixa cênica capaz de fundir a  imersão corporal da atriz com as imagens vistas na tela e, vice-versa, através destes personagens que ela transmuta com força emotiva e competência atoral.

Assim, Patrícia Niedermeier é, ao mesmo tempo, a personificação do ator Jean-Pierre Léaud em seu papel mítico de Antoine Doinel que é, simultaneamente, o alterego do adolescente Truffaut. Presencial num projeto cíclico, com subliminar referencial autobiográfico, desenvolvido em duas décadas através de pelo menos cinco obras capitais do cineasta francês, produzidas entre 1959/79.

Em fluente processo narrativo fundindo o aporte ficcional e o recorte verista, com perceptível naturalismo nas transições dos fotogramas preto e branco às tonalidades ocres do figurino masculino/feminino da intérprete. Emoldurada pelo telão frontal com interveniência minimalista de uma mesa-tablado e uma cadeira, sob cúmplice direção de arte (Victor Pusanovsky, Okada de Barros e Desirée Balster) com discricionários e suaves efeitos luminares (Luiz Paulo Nenen).

Numa poética pulsão que insere a intérprete nos filmes e faz, em emblemático conluio, o cineasta sair de trás das câmeras em jogo teatral vivo, com simultâneo round de posicionamentos performáticos para uma solista, sendo ela - a atriz (P.Niedermeier), o cineasta (F.Truffaut), o ator (J.P.Léaud) e o seu personagem (A.Doinel). Num conceitual cênico, entre o lúdico e o dialético, que envolve e atrai a cumplicidade tanto do espectador teatral como do cinéfilo.

Emanando a absoluta adequação física de sua corporeidade de atriz/bailarina com o pleno domínio da performance, ligando a palavra ao gesto na exposição de um inventário dramático, sustentado ora pelo fraseado literário, ora pelo  coloquialismo vocal, sendo intermediada por projeções visuais no telão.

Onde a uniformidade da linhagem interpretativa em modulação solo é fissurada apenas na proximidade do epílogo. Quando um dos diretores da peça (Rodrigo Fonseca) surge dos bastidores e invade o proscênio, como uma segunda voz e um segundo corpo, numa aposta de cine/teatro documentário.

Atuando, senão como o próprio, na incorporação de seu papel como critico no palco da vida, em convicto desempenho cênico num conceitual de metalinguagem, participando com seu habitual brilho como um dos entrevistadores, numa imaginária coletiva com François Truffaut na Cinemateca Francesa, em 1981.

Com técnica e emoção, espontaneidade e verdade interior, o conciso arcabouço do espetáculo é sintonizado sem a ostentação de artifícios sonoro-visuais para não deixar prevalecer a estética cinematográfica sobre a gramática teatral comandada a quatro mãos, num feliz acaso, por duas conhecidas personalidades do universo fílmico brasileiro (Rodrigo Fonseca e Cavi Borges).

Possibilitando ambos, o livre fluxo criador das duas linguagens, na simplicidade funcional de uma encenação direta, seca e didática, com original e revelador substrato cinético/dramático direcionado à apreensão reflexiva de um sólido exercício de arte e de vida por um prestidigitador mor das telas:

Faço filmes para tornar realidade meus sonhos de adolescente, para me fazer bem e, se possível, para os outros” (François Truffaut).

                                       Wagner Corrêa de Araújo


FRANÇOIS TRUFFAUT – O CINEMA É MINHA VIDA está em cartaz no Estação Botafogo (Sala Multiuso)/Botafogo. Sábados e domingos, às 20h. 60 minutos. Até 26 de janeiro.

LA GOLONDRINA : INTOLERÂNCIA SOB COMPASSO TERRORISTA HOMOFÓBICO

FOTOS/JOÃO CALDAS FILHO

“Quando um ataque indiscriminado acontece, somos todos vítimas que precisam lidar com a mesma encruzilhada : ódio ou amor”- palavras precisas do dramaturgo catalão Guillem Clua servindo de mote para sua última criação – La Golondrina.

Seu simbiótico significado nos remete às manifestações da intolerância e da não aceitação do pensar e do ser diferente muito além da causa comum de diversidades nas ideologias politicas e crenças religiosas. E como estas capazes, também, incitando ódio e violência, de provocar atentados terroristas, exclusivamente voltados à comunidade gay em desafio ao orgulho afirmativo da condição homossexual.

Inspirada diretamente no nefasto episódio do massacre de quase 50 frequentadores do Pulse, uma celebrada ambiência gay clubber em Orlando, ocorrido em junho de 2016. A partir da descoberta catártica por Ramon (Luciano Andrey), um dos sobreviventes do morticínio, da musicista Amélia (Tania Bondezan) de coincidente proximidade com seu namorado, uma das vítimas fatais do bárbaro ataque.

Num encontro inicialmente despretensioso pelo mero motivo da busca do aperfeiçoamento de sua técnica vocal, com inesperadas revelações entre a professora e o jovem aluno, a partir de exposiçao  detalhada dos momentos derradeiros da vítima em mensagem celular, gravada no local. 

Enquanto se desenvolve um acirrado e visceral embate de emoções contraditórias entre os dois personagens. Culminando no confronto da não aceitação de um diálogo franco e esclarecedor proposto à matriarca, cuja insistência em princípios morais conservadores a incapacita de chancelar o sonho libertário de ter um filho se assumido como gay. E na postura conciliadora de Ramon, seu companheiro, buscando um acerto de contas afetivo, numa dramática progressão narrativa. 

Quantos conflitos de passionalidade familiar como este se repetem guiados pelo preconceito e pelo medo de encara-los podendo, só assim, escapar do lacre eterno do silencio pós tumular. No feliz resgate do remorso pelo enunciado da verdade, o que aliviaria a pesada carga da dor de corações sufocados pela dúvida e pelo ressentimento, tanto de um lado como de outro!...

Este é em suma o conceitual polêmico e ao mesmo tempo reflexivo que conduz a trama dramatúrgica de A Golondrina, metaforizada poeticamente na sua titulação simbólica como “a andorinha” migratória, em sua fuga invernal partindo para voltar apenas no verão.
E pela intervenção musical guia (por Luisa Maita) com duas canções-tema para piano e voz, vivos, dos atores sintonizada com a funcionalidade do design gestual (Ana Paula Lopez), ressaltado nas marcações luminares (André Prado). Sempre sob a acurada tradução/adaptação da atriz protagonista Tania Bondezan e o apuro do comando diretorial de Gabriel Fontes Paiva.
Numa paisagem cenográfica realista do gabinete de Amélia, com um piano de meia cauda e estantes, numa criação conjunta de Fábio Namatame, incluídos os recatados mas elegantes figurinos, contrastando a sobriedade feminina e o despojamento masculino.
Tornando-se perceptível um quase apelativo substrato melodramático no entorno de uma narrativa novelesca bem ao gosto do  sentimentalismo latino, com sutil sotaque almodovariano, e que a direção (Gabriel Fontes Paiva) sabe como bem explorar e imprimir. 

Mesmo que não se consiga evitar uma certa previsibilidade subliminar em referenciais aos estereótipos de construção da personalidade homossexual e a um episódico tom grandiloquente em cenas decisivas da trama.
O que não interfere na integralização da performance com plena entrega dos dois atores (Tania Bondezan e Luciano Andrey) possuídos pela verdade interior de um drama pungente, no dimensionamento psicológico da culpa e da remissão num elo de tragicidade capaz de conexões emotivas palco-plateia, antes de tudo, por sua potencial turbulência traumática. 
Onde a energizada dialetação frontal da dupla protagonista, ora é ferina com o descortino das razões subjetivas de cada um em seu papel, ora é sensitiva pelo reconhecimento do difícil convívio mútuo de adversidades num mesmo barco sujeito às intempéries.
Ou na constatação visceral de estarem dando, aqui, um recado de advertência cúmplice com o público sobre a similaridade especular a uma investida terrorista sendo formatada no atual retrocesso pátrio frente às conquistas do ativismo LGBT.
                                                Wagner Corrêa de Araújo



A GOLONDRINA está em cartaz no Sesc Ginástico/Centro/RJ, de quinta a sábado, às 19h; domingo, às 17h. 90 minutos. Até 16 de fevereiro.

OS MELHORES E OS PIORES NO BLOG ÓPERA & BALLET

FAUSTO/ THEATRO MUNICIPAL/RJ. TEMPORADA 2019.

Blog independente - www.operaeballet.blogspot.com.br - interligado a uma rede de oito blogs, exclusivamente voltados à divulgação e à opinião crítica, com a participação colaborativa de alguns dos maiores especialistas nestas linguagens artísticas (ópera, dança, música de concerto).
Entre eles Ali Hassan Ayache, o idealizador e responsável por este valoroso veículo virtual dedicado ao registro opinativo de todas as manifestações da ópera, da dança e da música de concerto no País.
A seguir,  as nossas indicações do Melhor e do Pior dos espetáculos de 2019, a partir de críticas de ópera e dança publicadas no blog OPERA & BALLET.

ÓPERA – TEMPORADA CARIOCA

Melhor Direção de Cena 

Na vertente de um olhar  armado na vanguarda o Orphée de Philip Glass, estreando no Brasil, foi o grande momento como proposta investigativa de ópera/teatro sintonizada com a contemporaneidade. Numa concepção avançada de Felipe Hirsch imprimindo investigativa conexão de linguagens e mídias artísticas a partir do clássico filme de Jean Cocteau (Orfeu).

Melhor Cenário e Figurino 

A ópera Fausto com destaque para  o apuro plástico de sua paisagem cenográfica (Renato Theobaldo e Beto Rolnik) a partir de estruturas móveis com referencial estético de vitralismo e arquitetura gótica. Completando-se na discricionária mas funcional elegância indumentária por Sofia de Nunzio.

Melhor  Espetáculo de Ópera 

Ausente do repertório do Municipal carioca há meio século, Fausto retornou como um arrojado folego para tempos de permanente enfrentamento da crise nos seus corpos artísticos oficiais. Em bela produção original do Festival de Ópera de Manaus, edição de 2018, sob artesanal direção concepcional de André Heller-Lopes.

Melhor Orquestra – Melhor Regente

Em Orphée com os característicos riffs e rigorosos arpejos das composições de Philip Glass, nas insistentes repetições das lentas harmonias tonais e episódicas intervenções jazzísticas e sons de carrilhões. E que a convicta regência de Priscila Bonfim diante de complexa paleta musical viabiliza, exemplarmente, diante de uma mais concisa e menos vulnerável Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal.

Revelação Lírica-Masculino, Revelação Lírica-Feminino

Em Fausto, completando uma integralizada performance do elenco protagonista com requintada vocalização e presencial cênico do baixo-barítono Homero Pérez Miranda (Mefistófeles). Marina Considera como Tatiana em Eugene Oneguin pela pungente expressão dos sentimentos amorosos em sua representação cênico/vocal e na exposição de sua bela tessitura de soprano.

Melhor Espetáculo de Ópera – Temporada Paulista – Referência Especial 

Pela renovação do repertório lírico com mais uma das óperas de Leos JanacékO Caso Makropulos, de 1926 - encenada em première no país, depois de Kátya Kabanová, em 2018, sob o ideário estético de André Heller-Lopes, com segura direção musical de Ira Levin. Na unicidade de um elenco, para sustentar uma linhagem vocal de áspero cromatismo, com destacadas performances cênico-vocais  da soprano Eliane Coelho, do tenor Eric Herrero e da mezzo soprano Luiza Francesconi.

O CASO MAKROPULOS / TEMPORADA PAULISTA DE ÓPERA 2019

MELHOR ESPETÁCULO DE DANÇA

Temporada Paulista – SPCD (São Paulo Cia de Dança)

Com a São Paulo Cia de Dança que surpreendeu, mais uma vez, com uma temporada de estreias nacionais e estrangeiras criadas especialmente para a SPCD, sabendo bem como explorar o convívio de posturas clássicas com exigentes pontuações do movimento dimensionado pela dança contemporânea, com integralizado destaque para os quatro programas da temporada.

Temporada de Curitiba – Balé Teatro Guaíra

No cinquentenário do Balé Teatro Guaíra, com a remontagem da portuguesa Olga Roriz para a Sagração da Primavera, com o olhar armado no hoje, fugindo à vitimização do feminino, sensibilizado em delirante gramática cênico/corporal. Para encerrar com O Lago dos Cisnes, de Luiz Fernando Bongiovanni, sob incisivo contexto psicanalítico, privilegiando uma vigorosa pulsão criativa sustentada pelo apuro técnico de uma sólida cia. nacional.

Temporada Carioca – Romola & Nijinsky

Na luminosa particularidade do teatro coreográfico Romola & Nijinsky, experimentação estética para o livre alcance das atitudes criadoras, da linguagem corporal no seu jogo teatral/gestual à precisão de seus recursos histriônicos e dramáticos, através do tríplice descortino inventor de Regina Miranda, Marina Salomon e Antônio Negreiros.

Temporada Internacional – Balé Nacional da China

Balé Nacional da China com o celebrado Lanternas Vermelhas, de trama próxima aos melodramas operísticos, através de elementos cinéticos que remetem, além da ópera, aos recursos mímicos e à representação teatral, pontuado por cenas de teatro dentro do teatro e de uma dança potencializada em grande espetáculo.

Pior Espetáculo de Dança 

Uma equivocada versão (Jorge Teixeira), de pretensiosa intencionalidade histórico/acadêmica, para uma Giselle, com frágil recorrência coreodramática à concepção original de 1841. Com distante referencial dos anos  de brilho do Balé do Theatro Municipal e da tradição de única companhia oficial de destinação clássica do País.

                                          Wagner Corrêa de Araújo

O LAGO DOS CISNES / BALÉ TEATRO GUAÍRA / TEMPORADA 2019

SHAKESPEARE NOS PALCOS CARIOCAS : MUITO ALÉM DO PURISMO OU DA TRADIÇÃO

RICARDO III / FOTOS NIL CANINÉ

No Rio, inovadoras e simultâneas montagens de peças do grande dramaturgo tem revelado sua permanente atualidade e a importância de encená-lo sem dogmas, com reestreias e recriações ou através de inventivas incursões neste universo mágico de arte e de vida.

Afinal, William Shakespeare é destes autores cujo pensamento criador tem tal tônus de universalidade que, mesmo e além do fator cronológico e da ambientação histórica, resiste bem à onda frequente de adaptações a contextos cênicos e temáticos contemporâneos.

Ora na transposição de épocas ou na fusão com outras linguagens artísticas, ora na síntese de seu vasto mundo dramatúrgico de estética personalista, nas falas solitárias de uma única e singular voz, mas sem perder nunca seus ecos coletivos.

Vejam-se inúmeros exemplos que passaram por nossos palcos, com diversidade estilística nos avanços dramatúrgicos.  Desde o Romeu e Julieta, em clima de sotaque cordelístico, na concepção de Gabriel Vilela ou no minimalismo didático do Ricardo III, de Gustavo Gasparani-Sérgio Módena, até a apropriação terceiro milênio do Hamlet via exuberante transposição de Aderbal Freire Filho.

Para polemizar mais o cenário brasileiro shakespeariano, vimos também um outro Hamlet, segundo Dominic Dromgoole para o Shakespeare’s Globe Theatre, em que há priorização do ator e da palavra em detrimento da grande visão cenográfica de rigorismo temporal, dividindo os simbólicos personagens por atores de diversas etnias e países dos cinco continentes.

Tendo em vista um certo enfrentamento deste desafio ocasionado, muitas vezes, especialmente entre teatrólogos, puristas e pesquisadores, como acirrados seguidores da tradição. Com discordâncias ou aplauso de parcelas da crítica, além de possíveis estranhamentos da audiência consumidora destas polemizadas releituras em compasso minimalista ou de desconstrução do primitivo substrato conceitual.

Ressaltando sempre a desnecessidade de se assumir uma posição contrária e de desafeto, se continua prevalecendo a integralização do vivenciamento político, social e filosófico, dimensionados através do público e do privado, extraordinàriamente equilibrados na escritura cênica do dramaturgo inglês.

Três transcrições solo de tragédias de W.Shakespeare com este ideário cênico conquistaram o público carioca pela forma peculiar como foram encenadas. Tanto o Ricardo III, dirigido por Sérgio Módena, como o Rei Lear, comandado por Elias Andreato, reduzindo seu extenso cast de personagens a um único protagonista mas mantendo as linhas mestras da narrativa dramática original.

Além de outra versão, esta mais recente, em performance solo com o olhar armado por um referencial de contemporaneidade para um Otelo com viés político. Remetendo às absurdidades e desmandos de nossas governanças, sob a pulsão da vilania de seu personagem Iago nominando, aqui, o espetáculo.

Na concisa transmutação do Otelo shakespeariano para um ator e marionetes, através do protagonismo deste Iago solo, em encenação que prima por seu rigorismo focal. Para conceder ao personagem titular, em seus divisionismos, veemência política e tônus psicológico, uma mesma pulsão performática-diretorial e comum autoridade cênica (Márcio Nascimento e Miwa Yanagizawa).

Como numa precedente montagem a partir de outra adaptação de Geraldinho Carneiro para o Rei Lear onde o único protagonista era um ator (Juca de Oliveira), que dividia sua trajetória dramática por seis personagens, centralizados em torno de Lear, o velho monarca.

Enquanto a trajetória do Ricardo III, na concepção de Gustavo Gasparani/Sérgio Módena, continuando suas idas e vindas em bem sucedidas temporadas iniciadas há seis anos , agora, mais uma vez fascina o público teatral.

Nesta versão que conseguiu, com uma voz única, contar e representar um dos mais sanguinários enredos shakespearianos, de uma forma didática com luminoso resultado. Na sua precisão de abordagem sintética da violenta disputa por um mesmo trono, opondo duas linhagens aristocráticas tendo à frente a controvertida e sombria figura de Ricardo III.

Com uma tal clareza e interatividade, que neste intimista convívio com a obra shakespeariana, cada espectador sente-se numa sala de aula/teatro, no compartilhamento passo a passo dessa intrincada trama de histórias paralelas.

Onde, em apenas 60 minutos, Gustavo Gasparani assume um papel de mestre e contador de histórias, quase próximo de uma leitura dramatizada, na qual as diversas facetas expressivas, as marcas vocabulares e o clima emocional são alcançados em exacerbado exercício de troca de personagens.

E ainda que essa adaptação possa até minimizar uma coletiva dimensão sócio-política e a abrangência filosófica da tragédia clássica original, por outro lado, aquelas muitas vidas concentradas instantaneamente num só sujeito individual e atoral, refletem enfim, um trágico e psicológico retrato shakespeariano da própria condição humana:

“Fugaz como o som, passageira como a sombra, curta como o sonho, rápida como o relâmpago na noite escura", nas palavras poéticas e na certeza dramática do bardo inglês.

                                            Wagner Corrêa de Araújo



RICARDO III está em cartaz no Teatro Poeirinha/Botafogo, de quinta a sábado, às 21h; domingo, às 19h. 60 minutos. Até 16 de de fevereiro.

8º PREMIO BOTEQUIM CULTURAL DE TEATRO – INDICADOS DO 2º SEMESTRE 2019



Em reunião ocorrida no dia 08 de janeiro de 2020, os jurados da 8ª edição do Prêmio Botequim Cultural de Teatro, composto por Gilberto Bartholo, Renato Mello, Sergio Fonta, Wagner Correa de Araújo e Zé Helou, realizaram as indicações dos artistas, criadores e espetáculos referente ao 2º semestre da temporada teatral de 2019.

A votação popular ocorrerá entre os dias 13 de janeiro até 10 de fevereiro no próprio portal do Botequim Cultural.

Os vencedores serão anunciados na cerimônia de premiação que ocorrerá no dia 12 de fevereiro no Teatro Firjan Sesi Centro e receberão a estatueta de bronze criada por Edgar Duvivier.

Cabe destacar que para estar habilitado foi preciso realizar até o dia 31 de dezembro o número mínimo de apresentações exigido no regulamento.

Mínimo de 8 apresentações, em caso de dias alternativos (2ªs,3ªs e 4ªs feiras), um mínimo de 12, se ocorrer em “dias nobres” (5ªs e 6ªs feiras, sábados e domingos), e 6 apresentações para espetáculos infantojuvenis.

Caso o espetáculo só tenha completado o número mínimo após 30 de junho(mesmo que tenha estreado anteriormente), sua habilitação e apreciação pelo júri  se dará somente no 2º semestre.

Nesta 8ª Edição antecipando o lançamento da categoria, inédita em prêmios teatrais, de Melhor Direção de Movimento/Coreografia, atendendo, assim, a uma justa reinvindicação dos profissionais desta área.

Divulgando o calendário do Prêmio Botequim Cultural de Teatro:

- Dia 08/01 - Divulgação dos indicados do 2º semestre
- Dia 13/01 - Início da votaçao popular
- Dia 10/02 - Encerramento da votação popular
- DIA 12/02 - CERIMÔNIA DE PREMIAÇÃO - Teatro Firjan SESI Centro

O processo de votação popular, para a escolha dos vencedores, se iniciará no próximo dia 13/01.

DRAMA/COMÉDIA

Melhor Espetáculo

– 3 Maneiras de Tocar no Assunto
– Estado de Sítio
– Nastácia

Melhor Direção

– Cesar Ferrario(Meu Seridó)
– Gabriel Villela(Estado de Sítio)
– Miwa Yanagizawa(Nastácia)

Melhor Autor(Original/Adaptado)

– Leonardo Netto(3 Maneiras de Tocar no Assunto)
– Fernando Philbert e Thelmo Fernandes(Diário do Farol)
– Pedro Brício(Nastácia)

Melhor Ator

– Elias Andreato(Estado de Sítio)
– Leonardo Netto(3 Maneiras de Tocar no Assunto)
– Thelmo Fernandes(Diário do Farol)

Melhor Atriz

– Ana Beatriz Nogueira(Relâmpago Cifrado)
– Débora Lamm(A Ponte)
– Flavia Pyramo(Nastácia)

TEATRO MUSICAL

Melhor Espetáculo

– A Cor Púrpura, o Musical
– Lembro Todo Dia de Você

Melhor Diretor

– Tadeu Aguiar(A Cor Púrpura, o Musical)
– Zé Henrique de Paula(Lembro Todo Dia de Você)

Melhor Autor(Original/Adaptado)

– Artur Xexéo(A Cor Púrpura, o Musical)
– Fernanda Maia(Lembro Todo Dia de Você)

Melhor Ator

– Davi Tápias(Lembro Todo dia de Você)
– Guilherme Calzavara(Roda Viva)

Melhor Atriz

– Anna Toledo(Lembro Todo Dia de Você)
– Letícia Soares(A Cor Púrpura, o Musical)


TEATRO INFANTOJUVENIL

Melhor Espetáculo

– O Príncipe Poeira e a Flor do Coração
– Suelen Nara Ian
– Vamos Comprar um Poeta

Melhor Direção

– Débora Lamm(Suelen Nara Ian)
– Duda Maia(Vamos Comprar um Poeta)
– Saulo Sisnando(O Príncipe Poeira e a Flor do Coração)

Melhor Autor(Original/Adaptado)

– Clarice Lissovsky(Vamos Comprar um Poeta)
– Luísa Arraes(Suelen Nara Ian)
– Saulo Sisnando(O Príncipe Poeira e a Flor do Coração)

Melhor Ator

– Fabrício Polido(O Príncipe Poeira e a Flor do Coração)
– Luan Vieira(Vamos Comprar um Poeta)
– Sérgio Kauffmann(Vamos Comprar um Poeta)

Melhor Atriz

– Carolina Pismel(Piquenique)
– Letícia Medella(Vamos Comprar um Poeta)
– Luísa Vianna(Suelen Nara Ian)


ATOR/ATRIZ EM PAPEL COADJUVANTE(sem distinção de segmento)

Melhor Ator em Papel Coadjuvante

– Alan Rocha(A Cor Púrpura, o Musical)
– Julio Adrião(Nastácia)
– Odilon Esteves(Nastácia)

Melhor Atriz em Papel Coadjuvante

– Carolina Pismel(Os Impostores)
– Flávia Santana(A Cor Púrpura, o Musical)
– Suzana Nascimento(Os Impostores)


CATEGORIAS TÉCNICAS(sem distinção de segmento)

Melhor Direção Musical

– Azulllllllll(Monstros)
– Ricco Vianna(Angels in America)
– Tony Luchessi(A Cor Púrpura, o Musical)

Melhor Cenografia

– André Cortez(Fim de Caso)
– Natália Lana(A Cor Púrpura o Musical)
– Ronaldo Fraga(Nastácia)

Melhor Figurino

– Dani Vidal e Ney Madeira(A Cor Púrpura, o Musical)
– Gabriel Villela(Estado de Sítio)
– Ronaldo Fraga(Nastácia)

Melhor Iluminação

– Ana Luzia Molinari de Simoni(Os Impostores)
– Maneco Quinderé(Fim de Caso)
– Rogério Wiltgen(A Cor Púrpura, o Musical)


Melhor Direção de Movimento/Coreografia

– Marcia Rubin(3 Maneiras de Tocar no Assunto)
– Paulo Mantuano(Angels in America)
– Sueli Guerra(A Cor Púrpura, o Musical)


PRÊMIO ESPECIAL(artista, criador ou manifestação relevante ao cenário teatral carioca)

– Cavi Borges, pelo projeto peça-filme, valorizando a interação entre o teatro e o cinema.
– Geraldo Carneiro, por “Iago”, adaptação de “Otelo”, com viés político e contemporâneo, sob a ótica do vilão.
– Rodrigo França, referência ao trabalho de qualidade e militância pela valorização da negritude, com destaque para “Oboró – Masculinidades Negras” e todo seu elenco.


JURADOS PREMIO BOTEQUIM CULTURAL DE TEATRO - Da esquerda para a direita, Sergio Fonta, Zé Helou, Renato Mello, Gilberto Bartholo e Wagner Corrêa de Araújo.


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