FOTOS/JOÃO CALDAS FILHO |
“Quando um ataque
indiscriminado acontece, somos todos vítimas que precisam lidar com a mesma
encruzilhada : ódio ou amor”- palavras precisas do dramaturgo catalão Guillem Clua
servindo de mote para sua última criação – La
Golondrina.
Seu simbiótico significado nos remete às manifestações da intolerância
e da não aceitação do pensar e do ser diferente muito além da causa comum de diversidades
nas ideologias politicas e crenças religiosas. E como estas capazes, também, incitando
ódio e violência, de provocar atentados terroristas, exclusivamente voltados à comunidade
gay em desafio ao orgulho afirmativo
da condição homossexual.
Inspirada diretamente no nefasto episódio do massacre de
quase 50 frequentadores do Pulse, uma
celebrada ambiência gay clubber em
Orlando, ocorrido em junho de 2016. A partir da descoberta catártica por Ramon (Luciano Andrey), um dos
sobreviventes do morticínio, da musicista Amélia
(Tania Bondezan) de coincidente proximidade com seu namorado, uma das vítimas fatais do bárbaro ataque.
Num encontro inicialmente despretensioso pelo mero motivo da
busca do aperfeiçoamento de sua técnica vocal, com inesperadas revelações entre a professora e
o jovem aluno, a partir de exposiçao detalhada dos momentos derradeiros da vítima em mensagem celular, gravada no local.
Enquanto se desenvolve um acirrado e visceral embate de
emoções contraditórias entre os dois personagens. Culminando no confronto da
não aceitação de um diálogo franco e esclarecedor proposto à matriarca, cuja insistência em princípios morais conservadores a incapacita de chancelar o sonho libertário de ter um filho se assumido como gay. E na postura conciliadora de Ramon, seu companheiro, buscando um acerto de contas afetivo, numa dramática progressão narrativa.
Quantos conflitos de passionalidade familiar como este se
repetem guiados pelo preconceito e pelo medo de encara-los podendo, só assim, escapar
do lacre eterno do silencio pós tumular.
No feliz resgate do remorso pelo enunciado da verdade, o que aliviaria a pesada carga da dor
de corações sufocados pela dúvida e pelo ressentimento, tanto de um lado como de
outro!...
Este é em suma o conceitual polêmico e ao mesmo tempo
reflexivo que conduz a trama dramatúrgica de A Golondrina, metaforizada poeticamente na sua titulação simbólica como “a andorinha”
migratória, em sua fuga invernal partindo para
voltar apenas no verão.
E pela intervenção musical guia (por Luisa
Maita) com duas canções-tema para piano e voz, vivos, dos atores sintonizada com
a funcionalidade do design gestual (Ana Paula Lopez), ressaltado nas marcações
luminares (André Prado). Sempre sob a acurada tradução/adaptação da atriz
protagonista Tania Bondezan e o apuro do comando diretorial de Gabriel Fontes
Paiva.
Numa paisagem cenográfica realista do gabinete de Amélia, com um piano de meia cauda e estantes, numa criação conjunta
de Fábio Namatame, incluídos os recatados mas elegantes figurinos, contrastando
a sobriedade feminina e o despojamento masculino.
Tornando-se perceptível um quase
apelativo substrato melodramático no entorno de uma narrativa novelesca bem ao
gosto do sentimentalismo latino, com sutil sotaque almodovariano, e que a
direção (Gabriel Fontes Paiva) sabe como bem explorar e imprimir.
Mesmo que não se consiga evitar uma certa previsibilidade subliminar em referenciais aos estereótipos de construção da personalidade homossexual e a um episódico tom grandiloquente em cenas decisivas da trama.
Mesmo que não se consiga evitar uma certa previsibilidade subliminar em referenciais aos estereótipos de construção da personalidade homossexual e a um episódico tom grandiloquente em cenas decisivas da trama.
O que não interfere na integralização
da performance com plena entrega dos dois atores (Tania Bondezan e Luciano
Andrey) possuídos pela verdade interior de um drama pungente, no
dimensionamento psicológico da culpa e da remissão num elo de tragicidade capaz de
conexões emotivas palco-plateia, antes de tudo, por sua potencial turbulência traumática.
Onde a energizada dialetação frontal
da dupla protagonista, ora é ferina com o descortino das razões subjetivas de
cada um em seu papel, ora é sensitiva pelo reconhecimento do difícil convívio mútuo
de adversidades num mesmo barco sujeito
às intempéries.
Ou na constatação visceral de estarem dando,
aqui, um recado de advertência cúmplice com o público sobre a similaridade especular
a uma investida terrorista sendo formatada no atual retrocesso pátrio frente às
conquistas do ativismo LGBT.
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