Considerada a segunda ópera mais conhecida de Georges Bizet,
ainda que sem o alcance popular da Carmen,
Os Pescadores
de Pérolas teve uma trajetória limitada desde a sua polêmica estreia em
1863. Criticada à época, com ferina ironia, pelo Le Figaro - “Não havia
pescadores no seu libreto, nem pérolas em sua música”- e friamente recebida
pelo público foi relegada ao esquecimento.
Voltando ao repertório apenas tempos depois da morte
prematura de Bizet, após passar por algumas revisões em seu libreto e na sua estrutura
musical, com a inclusão de temas retirados de outras óperas suas não bem sucedidas,
recurso a que já tinha recorrido o seu próprio compositor.
Através de uma narrativa equivocada até para os padrões operísticos
vigentes então, com uma história de reviravoltas quase ingênuas que abrangem sua
temática e seus personagens, alcançando culminância em seu novelesco final.
Onde uma comunidade de pescadores
de pérolas nos mares do ancestral Ceilão e o respeitado aldeão Zurga, escolhido por eles como líder, aguardam a vinda de Leila, mulher virgem considerada figura mística, uma
espécie de emissária do deus da Índia - Brahma.
![]() |
Os Pescadores de Pérolas/TMRJ. Barítono Vinicius Atique (Zurga) e tenor Carlos Ullán (Nadir). Julho/2025. Daniel Ebendinger/Fotos. |
Por outro lado, nesta sua volta à aldeia, Zurga reencontra um amigo de infância Nadir, ambos celebrando a fidelidade dos
seus laços fraternais. Até a precipitação fatalista dos acontecimentos com o despertar
de velhas paixões amorosas que envolvem Leila,
tanto com Nadir como por Zurga,
através de um enigmático colar de pérolas...
Em mais uma das artesanais direções cênicas/concepcionais de Julianna
Santos reconstituindo, aqui, a
ambientação comportamental do grupo de pescadores cingaleses. Imersos no ofício
que mantém e dá vida à comunidade - a pesca marítima, no caso priorizando a
riqueza das pérolas - no entremeio de crenças religiosas e conflitos de poder e por violentos ciúmes de amor.
Numa precisa ocupação da caixa cênica (Desirée Bastos) com
alguns elementos materiais, completados por projeções frontais de imagens
digitais, para sugestionar o imaginário movimento das ondas marítimas e das
mutações nos espaços siderais. Incluindo-se, ainda de sua lavra, indumentárias
camponesas com traços de exotismo orientalista.
E que se expande também por intermédio de danças caraterísticas
e um gestual esotérico (em dúplice ideário por Bruno Fernandes e Mateus Dutra),
sob prevalências luminares mais vazadas que focais (Paulo Ornellas).
O maestro Luiz Fernando Malheiro frente à OSTM, um dos
grandes experts brasileiros na regência de obras operísticas, imprimindo um
dimensionamento expressivo ao encontro entre cordas, sopros e solos de harpa, nos
acordes vocais melodiosos de temas que se celebrizaram, especialmente pelo leitmotiv na cena coral, já no prólogo.
Além de uma afinada e coesa participação do Coro do
Municipal, há que se destacar o convicto quarteto protagonista. Desde um
correto Sumo Sacerdote na voz do baixo Murilo Neves como Nourabad ao trio amoroso integrado pelo barítono Vinicius Atique (Zurga), tenor Carlos Ullán (Nadir) e a soprano Ludmilla Bauerfeltd (Leila).
Com uma tessitura suave de tenor lírico o argentino Carlos
Ullán tem uma bela mas contida performance na ária “Je crois entendre, encore”, diante da voz mais exuberante e de
maior ressonancia do barítono Vinicius Atique em “L’orage s’est calmé”, mas ambos conectando-se em segura performance
atoral tanto no inspirado dueto entre eles (Au
fond du temple saint), como aqueles ao lado da protagonista feminina.
Destacando-se também, sobretudo, o evocativo presencial da
personagem Leila por Ludmilla Bauerfeldt,
via sua tão requintada voz, das passagens mais líricas à firme clareza nos vibratos
(Comme autrefois dans la nuit sombre),
fluindo sobre a orquestra enquanto ecoa carismáticamente no aplauso do
público...
Wagner Corrêa de Araújo
Nenhum comentário:
Postar um comentário