Em março de 2014...
Teatro do Absurdo, Em Cena Há Seis Décadas
O difícil ato de suportar a condição humana no isolacionismo existencial
de um universo irremediável com seu direcionar-se, sem quaisquer perspectivas
de saídas ou soluções, à insanidade do vazio, ao inevitável do nonsense e ao fracasso derrotista de um “fim de jogo”. Eis, em breves palavras, a síntese e o substrato
conceitual do teatro do absurdo.
Surgido no pós-guerra, este incômodo e provocador gênero dramatúrgico potencializou-se esteticamente
com Eugène Ionesco, Fernando Arrabal e na especial contundência de Samuel Beckett. Em cartaz há mais de meio século, suas urdiduras cênicas
são propositalmente metafísicas e a sua nihilista
perspectiva psicopolítica vem questionando visceralmente a acomodação do
espectador teatral.
Estas reflexões podem ser conferidas na encenação de Beckett nos palcos do Rio - Fim de Partida, pelo investigativo olhar
concepcional de Danielle Martins de Farias, para a Cia Alfandega 88, com os atores Adriana Seiffert, Leonardo Hinckel, Rafael Mannheimer e Silvano Monteiro.
FIM DE PARTIDA, Cia Alfandega 88, foto / Dalton Valério. |
Em insólito dimensionamento de um jogo fatalista, carregado de angústia,
sordidez e humor negro, pelo alcance de incisiva representação dos quatro intérpretes,
onde a postura reiterativamente atonal de uma cena quase despojada conduz,
aqui, irremediavelmente, a uma instigante concentração nos paradoxos do texto beckettiano.
Valendo ainda a sugestão da obrigatória leitura do denso ensaio crítico de 2006 sobre o teatro de S. Beckett, por Isabel Cavalcanti – Eu Que Não Estou Aí Onde Estou. O que remete, também, aos palcos
paulistas onde outra das nossas mais completas intérpretes e decifradoras do
parabólico universo do autor irlandês - Ana Kfouri, está, agora, em temporada com dois Becketts.
E no referencial destas montagens, fazendo lembrar ainda
uma original e resistente performance, há quase setenta anos ininterruptos em cartaz no mesmo espaço - o Theatre de la Huchette - com duas das peças de outro mistificador mor do
absurdo teatral Eugéne Ionesco - A Cantora Careca e A Lição, que assistimos em dupla sessão neste pequeno e original teatro do Quartier Latin, em Paris, há dois anos.
Privilegiando, através de um minimalista arcabouço cênico, a
concentração focal de cada
espectador em obsessiva conexão com a impactante e questionadora vertigem
textual do polêmico dramaturgo.
Jim, Visão Dionisíaca de um Poeta do Rock
No entremeio do inferno astral de ditadura militar, nos
últimos anos da década de 60, um poeta e popstar
Jim
Morrison fazia com sua banda The
Doors as mais explosivas performances entre Nova York, Hollywood e Miami,
além de sua única turnê pela Europa.
Com letras poemáticas expressando desejos e obsessões juvenis em canções entremeadas por vigorosos solos instrumentais, sempre sob a pulsão de rebeldes apelos libertários de toda uma geração, este
cantor/compositor foi escrevendo sua breve história antes de ingressar de vez no universo mítico,
acentuado com a prematura morte aos 27 anos.
Sua trajetória poético/musical, de substrato dionisíaco, inspirou um dos mais bem sucedidos exemplares
da nova dramaturgia brasileira, em outra criação de Walter Daguerre que já se
notabilizara por suas outras incursões nos palcos cariocas.
Transpondo, aqui, o processo mitificador sob forma atemporal para
um personagem brasileiro contemporâneo capaz de ansiar pela plena identificação com o seu ídolo Jim Morrison, no intuito
de estabelecer um metafórico diálogo, de delirante psicodelismo, entre um fã vivo e um
ídolo morto.
O texto Jim, de W. Daguerre,
passeia, assim, entre dois polos numa metamorfose surreal entre o sonho e a
realidade, entre o impulso poético e o frenesi musical do rock. Com Eriberto
Leão, no papel título exercendo um convicto domínio da cena - como ator/cantor –
sob a artesania
diretorial de Paulo Moraes.
Fazendo,enfim, ecoar um sonho poético e um brado musical que, meio século após, ainda não acabou.
Wagner Corrêa
de Araújo