REGISTROS DRAMATÚRGICOS : DO TEATRO DO ABSURDO AO ROCK DIONISÍACO



Em março de 2014...

Teatro do Absurdo, Em Cena Há Seis Décadas

O difícil ato de suportar a condição humana no isolacionismo existencial de um universo irremediável com seu direcionar-se, sem quaisquer perspectivas de saídas ou soluções, à insanidade do vazio, ao inevitável do nonsense e ao fracasso derrotista de um “fim de jogo”. Eis, em breves palavras, a síntese e o substrato conceitual do teatro do absurdo.

Surgido no pós-guerra, este incômodo e provocador gênero dramatúrgico potencializou-se esteticamente com Eugène Ionesco, Fernando Arrabal e na especial contundência de Samuel Beckett. Em cartaz há mais de meio século, suas urdiduras cênicas são propositalmente metafísicas e a sua nihilista perspectiva psicopolítica vem questionando visceralmente a acomodação do espectador teatral.

Estas reflexões podem ser conferidas na encenação de Beckett nos palcos do Rio - Fim de Partida, pelo investigativo olhar concepcional de Danielle Martins de Farias, para a Cia Alfandega 88, com os atores Adriana Seiffert, Leonardo Hinckel, Rafael Mannheimer e Silvano Monteiro. 

FIM DE PARTIDA, Cia Alfandega 88, foto / Dalton Valério.

Em insólito dimensionamento de um jogo fatalista, carregado de angústia, sordidez e humor negro, pelo alcance de incisiva representação dos quatro intérpretes, onde a  postura reiterativamente atonal de uma cena quase despojada conduz, aqui, irremediavelmente, a uma instigante concentração nos paradoxos do texto beckettiano.

Valendo ainda a sugestão da obrigatória leitura do denso ensaio crítico de 2006 sobre o teatro de S. Beckett, por Isabel Cavalcanti – Eu Que Não Estou Aí Onde Estou. O que remete, também, aos palcos paulistas onde outra das nossas mais completas intérpretes e decifradoras do parabólico universo do autor irlandês - Ana Kfouri, está,  agora, em temporada com dois Becketts.

E no referencial destas montagens, fazendo lembrar ainda uma original e resistente performance, há quase setenta anos ininterruptos em cartaz no mesmo espaço - o Theatre de la Huchette -  com duas das peças de outro mistificador mor do absurdo teatral Eugéne Ionesco - A Cantora Careca e A Lição, que assistimos em dupla sessão neste pequeno e original teatro do Quartier Latin, em Paris, há dois anos.

Privilegiando, através de um minimalista arcabouço cênico, a concentração focal de cada espectador em obsessiva conexão com a impactante e questionadora vertigem textual do polêmico dramaturgo.

Jim, Visão Dionisíaca de um Poeta do Rock

No entremeio do inferno astral de ditadura militar, nos últimos anos da década de 60, um poeta e popstar Jim Morrison fazia com sua banda The Doors as mais explosivas performances entre Nova York, Hollywood e Miami, além de sua única turnê pela Europa.

Com letras poemáticas expressando desejos e obsessões juvenis em canções entremeadas por vigorosos solos instrumentais, sempre sob a pulsão de rebeldes apelos libertários de toda uma geração, este cantor/compositor foi escrevendo sua breve história antes de ingressar de vez no universo mítico, acentuado com a prematura morte aos 27 anos.

Sua trajetória poético/musical, de substrato dionisíaco, inspirou um dos mais bem sucedidos exemplares da nova dramaturgia brasileira, em outra criação de Walter Daguerre que já se notabilizara por suas outras incursões nos palcos cariocas.

Transpondo, aqui, o processo mitificador sob forma atemporal para um personagem brasileiro contemporâneo capaz de ansiar pela plena identificação com o seu ídolo Jim Morrison, no intuito de estabelecer um metafórico diálogo, de delirante psicodelismo, entre um fã vivo e um ídolo morto.

O texto Jim, de W. Daguerre, passeia, assim, entre dois polos numa metamorfose surreal entre o sonho e a realidade, entre o impulso poético e o frenesi musical do rock. Com Eriberto Leão, no papel título exercendo um convicto domínio da cena - como ator/cantor – sob a artesania diretorial de Paulo Moraes. 

Fazendo,enfim, ecoar um sonho poético e um brado musical que, meio século após, ainda não acabou.

                                              Wagner Corrêa de Araújo
 
JIM, com Eriberto Leão, foto / Humberto Araújo.

MEMORIAL 2014 DOS PALCOS CARIOCAS : DO GRUPO TAPA AOS ATORES DE LAURA

DOZE HOMENS E UMA SENTENÇA, direção EDUARDO TOLENTINO

CCBB/RJ recebe uma das grandes montagens do teatro paulista, em cartaz durante dois anos e premiada pela APCA e pela Revista Contigo como melhor espetáculo de 2010. 12 Homens e Uma Sentença, originalmente um roteiro para TV, de autoria de Reginald Rose que chegou ao cinema com Sidney Lumet como um clássico das telas anos 50.

Na versão dramatúrgica, em recriação idealizada do Grupo TAPA, numa única locação cênica despojada ao contrário do filme, aqui marcada por instantâneo flagrante interior do tribunal, na cena inicial, e pela saída externa do jurado número 8 (no filme, por Henry Fonda), ao encerrar-se a trama.

Com seu casting 12, em seletiva marca de atores revelando maturidade absoluta no palco, sob apurada direção de Eduardo Tolentino, mostrando os embates entre estes doze jurados diante de uma acirrada opção - pena capital ou absolvição - em torno do suposto homicida adolescente, acusado pelo assassinato de seu próprio pai. Que, inicialmente, é defendido apenas pelo jurado número 8 em processo de dúvida sobre as provas contra o suspeito.

E onde a progressão dramática vai sofrendo um surpreendente revés quando os outros julgadores vão deixando de lado os preconceitos pessoais e a postura estereotipada, receosos por provocarem uma decisão injusta. E, assim, inconscientemente, absorvendo os argumentos da tese de defesa, numa mudança no direcionamento de suas crenças particulares.

O grande desafio da direção está no energizado duelo de interpretações capaz de levar a um conceitual particularizado para cada uma destas personificações e revelada na acertada escolha dos doze atores. Mantendo da montagem original Genésio de Barros e Norival Rizzo, além de novo papel para Henri Pagnoncelli, ao lado de Babu Santanna, Marcelo Escorel, Gustavo Rodrigues, Henrique César, Edmilson de Barros, Xando Graça, Camilo Bevilaqua, Alexandre Mello e Francisco Paz.

Num clima de hermenêutica jurídica em que cada espectador acaba se identificando mais com aqueles na linha de suas próprias convicções. Na potencial envolvência deste jogo cujo alcance decisório culmina numa catarse coletiva palco/plateia.

O ENXOVAL, criação coletiva CIA. ATORES DE LAURA

Numa das melhores iniciativas do teatro carioca nas duas últimas décadas, a Cia Atores de Laura volta com O Enxoval e Adultério, criações coletivas de seus atores com a inventiva supervisão artística de seu mentor Daniel Herz, além do premiado monólogo O Filho Eterno, inspirado no romance de Cristóvão Tezza.

O Enxoval, baseado livremente num fato corriqueiro do interior das Minas Gerais, mostra o cotidiano de duas velhas senhoras e suas lembranças seculares de amores não realizados, numa emotiva incursão com nuances de comédia dramática e convicta  interpretação de um trio (Ana Paula Secco, Verônica Reis e Luiz André Alvim) alternando-se na prevalência feminina da representação.

O texto é resultado de uma funcional criação coletiva que também estende a mesma linhagem estética à concepção de Adultério, em investigativa busca, a partir do tema infidelidade, nas teorias pirandellianas, entre o  real e o ficcional. 

Com um sotaque de lúdico e irônico humor permeando a performance do grupo (Ana Paula Secco, Anderson Mello, Leandro Castilho, Marcio Fonseca, Paulo Hamilton e Verônica Reis). Outra vez sob a supervisão do diretor e idealizador da Cia.

Mas é com O Filho Eterno que a direção de Daniel Herz atinge um tom perfeccionista no ideário do saber equilibrar-se, cenicamente, entre o texto literário adaptado e a escritura cênica. E com a interpretação mágica de Charles Fricks no primeiro monólogo de sua  trajetória atoral.

Não é por acaso que este espetáculo vem se mantendo em cartaz há mais de dois anos, em frequentes temporadas pelo Brasil e por terras de além mar, sempre com êxito de público e aplauso da crítica, através da valoração de um personagem com limitações mentais e físicas em necessária proposta de inclusão e de acessibilidade.

                                           Wagner Corrêa de Araújo

O FILHO ETERNO, direção DANIEL HERZ.

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O GRUPO TAPA E A CIA ATORES DE LAURA APRESENTARAM-SE NOS PALCOS CARIOCAS  EM MARÇO, DURANTE A TEMPORADA TEATRAL DE 2014.


INVENTÁRIO DOS PALCOS CARIOCAS : DO TEATRO MUSICAL AO UNIVERSO ESCOLAR


CAZUZA - PRO DIA NASCER FELIZ, de Aloísio de Abreu

Lembranças de março de 2014...

“O teatro musical brasileiro atravessa uma de suas melhores fases ao assumir um caminho estilístico com temática e ingredientes nacionalistas. Duas recentes versões cariocas na linha biográfica de ídolos musicais atravessaram o ano de 2013 com sucesso absoluto de público e de crítica.

Em Cazuza - Pro Dia Nascer Feliz, O Musical, texto de Aloísio de Abreu, sob a direção de João Fonseca, o ponto culminante está na envolvente interpretação do protagonista titular Emílio Dantas com seu encontro funcional da fórmula mágica de equilíbrio - interpretação teatral e vocal. 

E neste texto cronológico, que faz uso do show, do drama e de uma certa dose de humor, embora se estendendo um pouco além no segundo ato, não deixando mesmo assim de agitar e cativar a plateia, tanto pela encenação como pela nuance de um amargo relato biográfico sem qualquer espaço para censura prévia.

Outro musical que já, a estas alturas, está encantando a pauliceia é Ellis -A Musical, texto de Nélson Motta, conduzido com maestria por Dennis Carvalho. Aqui também a reação favorável do público está toda centrada na protagonista Laila Garin com seu carisma invulgar em canto e atuação e na sensibilidade com que estigmatiza o élan emocional da cantora biografada. 

Mas não ficam de lado a criativa construção cênica e a acertada interpretação do elenco, além, é claro, de um mais que especial comando musical, em espetáculo campeão de aplausos da crítica e de carismática adesão pelos espectadores.

OLEANNA, de David Mamet.

Outras duas duas peças em cartaz abordam os meandros complicados que afetam o ambiente escolar, ora pela prevalência das estruturas burocráticas dos desmandos, ora pela crise que afeta em seu lado mais profundo a educação brasileira.

Conselho de Classe é talvez um dos mais incisivos e inteligentes textos da já rica dramaturgia de Jô Bilac. Na aparente simplicidade da despretensiosa  abordagem da reunião cotidiana do colegiado de professores numa escola pública carioca, transmutando-se em sarcástico questionamento da educação no Brasil.

O texto consegue o pique do corte seco laminar quando revela a desesperança dos professores do ensino público diante de suas falências múltiplas e permanentes, sempre à espera de soluções que nunca chegam. 

Um afinado elenco masculino assume, em provocativo conceitual, as identidades femininas, com irônico referencial comportamental, das professoras do primeiro ciclo escolar, sem escorregar na superficialidade do tom pejorativo. E indo muito além da conotação sexual, ao retratar personagens comuns a este mundo de crise e de profissionais sacrificados.

Destaque absoluto para a inventiva cenografia que alcançou um merecido Premio Shell e para a direção especialmente envolvente da dupla Bel Garcia e Susana Ribeiro. Espetáculo imperdível, já em final de sua segunda temporada.

O outro texto - Oleanna - do conhecido autor norte americano David Mamet, um título simbólico inspirado no nome de numa comunidade alternativa da Pensilvânia, com estreia recente mas já com força apelativa e alcance de dossier crítico entre o público, nas habituais conversas pós-apresentação com elenco e direção.

Sabendo usar de maestria artesanal ao mostrar os embates de domínio e submissão entre uma universitária (Luciana Fávero) e seus professores (a peça alterna com acerto a personificação masculino><feminina entre a atriz (Miwa Yanagizawa) e o ator (Marcos Breda), em performances e dias alterativos.

Onde  o  fator emocional conduz  a uma armadilha perigosa no sagaz jogo de poder intelectual do mestre sobre as inseguranças de uma aluna. Capaz de culminar na inversão da alternância arrogante da opressão professoral para a vitória do elemento feminino. No desafio de um jogo de cruel desmando desmontando, de vez, os limites racionais no entremeio de uma acusação de assédio moral e sexual.

O potencializado comando diretor/concepcional de Gustavo Paso se reflete, especialmente, no contraponto dinâmico entre os dois atores/personagens, com a plateia transformando seu silencio de assistente em polêmico participante do habitual debate pós-espetáculo.

                                              Wagner Corrêa de Araújo

CONSELHO DE CLASSE, de Jô Bilac





MEMÓRIAS COREOGRÁFICAS EM TONS OUTONAIS PARA TEMPOS NEBULOSOS

O SEGUNDO SOPRO / BALÉ TEATRO GUAÍRA/  Maio 2019. Foto - MARINGAS MACIEL 

Há exatamente seis anos atrás...março de 2014.

Estamos lembrando a abertura da temporada 2014 de dança carioca neste momento de tanta incerteza. Que trazia o Balé do Theatro Municipal/RJ numa proposta camerística com duas remontagens de repertório contemporâneo. Mostrando as coreografias Nuestros Valses, do venezuelano Vicente Nebrada, e Novos Ventos, da paulista Roseli Rodrigues.

"Uma apresentação com nuances mais intimistas, com score musical apenas pianístico nas duas montagens, não chegando a criar maior envolvimento da platéia com a proposta, embora tenha seus bons propósitos e seja bem cuidada cênica e tecnicamente.

No caso específico, de Nuestros Valses, uma sequência de movimentos ora em duos, solos, quartetos, ora no conjunto de todos os bailarinos do BTM/RJ, em sua tentativa de evocar o clima das valsas de sotaque vienense, no final do século XIX, mas  com um olhar latino americano.

Privilegiando um arranjo mais próximo da música tradicional venezuelana que, às vezes, também traz uma lembrança de nossos velhos saraus musicais, tão comuns entre as famílias brasileiras, com ancestralidade poética muriliana ao serem cercadas de pianos por todos os lados.

NUESTROS VALSES / BALLET DO THEATRO MUNICIPAL, Março 2014.

Já com referência a Novos Ventos, um dos grandes êxitos da criação coreográfica de Roseli Rodrigues para o seu Grupo Raça, ressalto como suas criações provocavam um verdadeiro frenesi no público do Festival de Dança de Joinville anos 90.

Testemunhei, pessoalmente, isto nas inúmeras vezes em que participei do evento ora fazendo matérias especiais para a antiga TVE, como diretor do programa Caderno 2, ora como curador de mostras de cinema e vídeo do Festival, ora como crítico e jurado de Dança Contemporânea. Isto a partir de 1994, quando Roseli e seu Grupo eram um must absoluto e, decididamente, os mais ansiosamente aguardados como ídolos potenciais daquelas acontecências coreográficas.

Depois, já no despontar da primeira década do terceiro milênio, voltei com a equipe da TVE desta vez com a missão de produzir um especial sobre os 30 Anos do Balé Teatro Guaíra em Curitiba que, naquele momento, vivia uma de suas melhores fases com a entusiástica direção artística de Suzana Braga. Ali estava novamente Roseli Rodrigues criando talvez o seu mais belo trabalho, especialmente concebido para a mais famosa cia de dança paranaense.

O especial, com a íntegra documental e videográfica da coreografia O Segundo Sopro, acabou se transformando num dos maiores êxitos da programação da TVE, além da extensa turnê nacional realizada pelo Balé Teatro Guaíra na época, com unânime aplauso do público e da crítica.

Hoje, passados tantos anos, pode se perceber que esta criação, usando como prevalência, de substrato estético, os quatro  elementos - água, ar, vento, terra -  em apresentações com efeitos referenciais ao vivo destes fenômenos, teve um impacto muito grande por seu caráter inovador para aquela época. Emblemático, ainda, por sua lírica e inusitada abordagem da questão ambiental.

Que ao ser comparado com a remontagem 2014, do Balé do Municipal carioca, para este outro trabalho de Roseli - Novos Ventos, de certa similaridade coreotemática sobre a natureza, acaba deixando um gosto amargo de saudade e nostalgia. O público carioca reagindo com certa discrição e aplausos muito comedidos, longe do entusiasmo original em torno das provocativas invenções cênicas e do energizado gestual que ela tão bem sabia imprimir.

Presencial, sempre, pelo privilégio de termos testemunhado de perto, tanto nos Festivais de Dança de Joinville (através do Grupo Raça) como no palco do Teatro Guaíra com o Balé Teatro Guaíra quando esta Cia. completava 30 anos, o que gerou um dos históricos  documentários artísticos da finada TVE - RJ. 

E, também, no caso específico de Novos Ventos em sua concepção original, causando tanto frisson quando de sua estréia, inclusive com o uso da introspectiva música de Eric Satie, num gestual coreográfico investigativo e envolvente pela sua contemporaneidade".

Enfim, conectando épocas promissoras a tempos tão nebulosos, não teria razão o verso de um soneto camoniano, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades?...


                                                Wagner Corrêa de Araújo

O SEGUNDO SOPRO/ BALLET DO THEATRO MUNICIPAL/RJ, março 2014.

CIBERDANÇA : MEIO SÉCULO DE EXPERIMENTOS TECNOLÓGICOS NA CRIAÇÃO COREOGRÁFICA


ALVIN NIKOLAIS  / NOUMENON MOBILUS

Há uma grande polêmica e um complexo questionamento no compartilhamento da criação coreográfica com os avanços tecnológicos. Até quando os efeitos eletrônicos, entre a imagem e o som, são capazes de manter íntegra esta relação corpo orgânico e corpo virtual sem que a dança fique em segundo plano ou deixe de ser uma expressão artística pura?

Ainda longe de nosso tempo de avançado sistema virtual, experiências iniciais foram realizadas entre os anos 60/70 por Alwin Nikolais Dance Theater com suas inserções visuais que tornavam irreconhecíveis os bailarinos sob luzes, projeções, figurinos e objetos, quais seres espaciais ou microrganismos.

Tal tendência, ao mesmo tempo que atraía com sua provocação, gerava protestos de grande parte da crítica, público e artistas, pela perda do imanente caráter da corporeidade pura na dança pela dança. Esta, então, exemplificada pela força inventiva e vanguardista das criações, por exemplo, de Merce Cunninghan que, aliado à música concreta de John Cage, sempre privilegiava o gestual coreográfico.

Outros grupos, como o Momix, acabaram se tornando absolutos protótipos desta tendência de integração da dança com os mais ousados recursos digitais transformando corpos em silhuetas videográficas. As duas cias já passaram por nossos palcos, mais de uma vez, a partir dos anos 70.

MOMIX - CLASSICS

Numa perspectiva de sincronicidade, a cia. italiana Evolution Dance Theater (já com duas turnês brasileiras) vem apresentando seus espetáculos de abolição de fronteiras entre dança, atletismo, ilusionismo, ainda que este mix artístico, com seus superlativos efeitos cinéticos, não se incline no favorecimento total da criação coreográfica.

Onde, pelo dimensionamento cênico, o excesso de manipulações imagéticas revela sua fragilidade quando o palco, em rápidas passagens, desnudado de artifícios tecnológicos, revela bailarinos numa gestualidade repetitiva, em atletismo rítmico e quase ginástico, sem grande alcance expressivo como proposta coreográfica.

Por outro lado, pelo experimentalismo de linguagens, os espetáculos desta cia, mesmo assim chegam a impressionar, ora como uma instalação plástica performática, ora por sua nuance de celebração ritualística entre ciência física e dança, teatro de sombras e acrobacia circense, realismo e magia.

Capaz, aí sim, de envolvência emotiva, com um referencial estilístico do Alvin Nikolais e do Momix, por seu direcionamento de subversão artística a favor de uma livre estética “hightech”.

                                           Wagner Corrêa de Araújo


EVOLUTION DANCE THEATER - FIREFLY

THE OLD WOMAN : UMA EXEMPLAR OBRA ABERTA

                      WILLEM DAFOE  E MIKHAIL BARYSHNIKOV em THE WOLD WOMAN, de BOB WILSON

Quando, nos anos 60, Umberto Eco disseminou sua teoria da obra aberta, do  artístico ao literário, deixando, como premissa fundamental, inúmeras possibilidades para a sua fruição e conceituação final pelo consumidor, houve uma extensão estético - filosófica da ideia ao dimensionamento dramatúrgico.

O múltiplo talento de Robert Wilson, presente no universo cênico e plástico, tornou-o a partir desta época, um artista mor de uma teatralidade experimental absolutamente inventiva. Com espetáculos impressionando sempre, pela confluência das diversas linguagens artísticas, sem uma preocupação maior de dar-lhes, nesta pulsão estética, uma clara explicação enunciativa.

Tempo e espaço, luz, gestual, cenografia minimalista fazem de suas criações verdadeiras viagens pelos espaços siderais da mente de cada espectador, propiciando uma tal liberdade conceitual e estilística capaz de extrapolar na continuidade das conversações no pós-espetáculo.

Isto se aplica, de maneira exemplar, na sua provocadora criação dramatúrgica, The Old Woman (A Velha), pelo próprio fato de se inspirar na obra do vanguardista russo Daniil Kharms, vítima dos desmandos stalinistas por não se enquadrar nos moldes formais do realismo socialista. 

Onde, através de suas nuances cômico, dramáticas, circenses e coreográficas, o encenador Bob Wilson estrutura  um dinâmico paralelismo cênico com assumidos tons de uma plasticidade  abstrata e, ao mesmo tempo, burlesca. 

Quando o narrador / personagem encontra uma velha na rua, o nonsense da ação se estende ao apartamento onde a idosa simboliza a mulher  morta e os dois protagonistas do espetáculo (Mikhail Baryshnikov e Willem Dafoe) são, simultaneamente, a representação do escritor/autor do conto, da própria velha e ainda do duplo de cada um.

Esta narrativa simplória a partir de um fortuito encontro, cria um jogo absurdo e surrealista, entre o real e o imaginário, entre o ato e a palavra, entre o dito e o não dito, que leva a vivenciar uma experiência estética singular, raras vezes presente em nossos palcos.

Em menos de duas horas incursionando em onírica trajetória pelo teatro e pelo circo, pela mímica e pela dança, pela música e pelo canto, completando-se nas artes visuais. Numa fruição substancial de instantâneos dadaístas, surrealistas, futuristas, teatro kabuki, music-hall, cinema anos 20 e minimalismo musical.

Enfim, um espetáculo completo pela precisão das performances de um ator (Willem Dafoe) e de um bailarino ( Mikhail Baryshnikov) dublê de ator, pela plasticidade, pelo seu sentido cênico e, especialmente, pela possibilidade que dá ao espectador/consumidor desta obra aberta de participar, com seu próprio pensar, na construção de uma singular tessitura, em arquitetural aventura magicamente remissiva ao pensamento sinalizador do russo Daniil Kharms:

“Quando vierem nos ver, esqueçam tudo o que estão habituados a ver no teatro”.

                                               Wagner Corrêa de Araújo

A apresentação única de THE OLD WOMAN aconteceu no palco da Cidade das Artes, em março de 2014.

AKRAM KHAN COMPANY : TRIBUTO CONTEMPORÂNEO À SAGRAÇÃO

ITMOI (IN THE MIND OF IGOR)  AKRAM KHAN COMPANY/ FOTO BY JEAN LOUIS FERNANDEZ

O centenário da obra coreográfica/musical mais emblemática do século XX, ocorrido na tumultuada noite de 29 de maio de 1913, continuou a inspirar visões contemporâneas como é o caso da Akram Khan Company.

Que, simbolicamente, escolheu a data exata dos cem anos da obra de Stravinsky/Nijinsky para estrear, no Sadler's Wells de Londres, ITMOI (In the Mind of Igor).

Ao contrário das inúmeras retomadas coreográficas da Sagração da Primavera, como as versões de Mary Wigman, Maurice Béjart, Kenneth MacMillan, John Neumeier, Angelin Preljocaj, Pina Bausch, entre outras, o coreógrafo britânico, de ascendência bangladeshiana, Akram Khan optou por não utilizar, em nenhum momento, a partitura original de Igor Stravinsky.

Preferindo substituí-la pela dos compositores N.Sawhney, Jocelyn Pook e Ben Frost. E, assim, neste seguimento, ampliando a ideia do bailarino e coreógrafo Michael Clark que inseriu em sua versão o rock dos Sex Pistols.

Quanto a fidelização à temática da obra de 1913 - o sacrifício de uma virgem na chegada da primavera, nos primórdios da Rússia ancestral, Akram Khan manteve a ideia original, ampliada para um contexto filosófico universal.


Com o olhar armado numa amostragem do conflito entre a vida e a morte, numa criação cenográfica atemporal, inserida num substrato estético sintonizado entre o futurismo e o arqueológico início da saga humana.

E como único ponto de ligação com a obra original privilegiando referências a rápidos flashes do gestual coreográfico criado por Vaslav Nijinsky, como os saltos e braços soltos ao léu, para acentuar o clima de um ritual bárbaro, presente na polêmica e revolucionária concepção de 1913.

A marca inventiva que transparece desta coreografia de A. Khan é uma retomada de uma dança narrativa fugindo da absoluta prevalência dos movimentos abstratos da dança contemporânea.

Mas que é compensada por um diálogo entre o impulso e a energia de corpos humanos agitando-se em envolvente e carismática performance coreográfico visual.

                                  Wagner Corrêa de Araújo

A temporada da Akram Kahn Company com ITMOI aconteceu no RJ e em SP, em maio de 2014.

PRÊMIO BRASIL MUSICAL - EDIÇÃO 2019: OS VENCEDORES



O PRÊMIO BRASIL MUSICAL, dedicado exclusivamente ao Teatro Musical, na sua segunda edição relativa aos espetáculos que estiveram em cartaz em 2019, acaba de divulgar sua lista dos vencedores, divididos por 30 categorias. Tendo como especificidade também a inclusão de musicais que estão fora do circuito Rio/São Paulo, no propósito de descentralização cultural com o intuito de valorizar ainda a produção regional do País. Foram assim criados júris representativos das regiões Centro Oeste, Nordeste, Norte, Sudeste e Sul, além das comissões julgadoras do Rio e São Paulo.  Thomaz Brasil é o idealizador e mentor do Prêmio Brasil Musical.


VENCEDORES DO II PRÊMIO BRASIL MUSICAL


A COR PÚRPURA - O MELHOR MUSICAL 2019, COM DOZE PREMIAÇÕES


O Melhor Musical
A Cor Púrpura

Musical Carioca
A Cor Púrpura

Musical Paulista
Billy Elliot

Musical Original
Lembro Todo Dia de Você

Musical Adaptado
A Cor Púrpura

Musical Infantil
Peter Pan

Sucesso de Público
Elza

Musical em Tour
Bibi – Uma Vida em Musical

Melhor Ator             
Mateus Ribeiro ( Peter Pan)

Melhor Atriz
Letícia Soares (A Cor Púrpura)

Melhor Ator Coadjuvante
Alan Rocha (A Cor Púrpura )

Melhor Atriz Coadjuvante
Helga Nemetick (Company)

Melhor Ator/Atriz Revelação
Moira Osório (Ellis, o Musical)

Melhor Alternate/Cover
Carol Botelho (Meu Destino é Ser Star)

Melhor Ensemble
A Cor Púrpura

Direção
Tadeu Aguiar (A Cor Púrpura)

Direção Musical
Tony Lucchesi (A Cor Púrpura)

Texto Original
Lembro Todo Dia de Você (Fernanda Maia)

Trilha Original
Fernanda Maia e Rafa Miranda (Lembro Todo Dia de Você)

Versão Brasileira
Artur Xexéo ( A Cor Púrpura)

Cenário
Natália Lana  (A Cor Púrpura)

Coreografia
Alonso Barros (Peter Pan)

Figurino
Ney Madeira e Dani Vidal (A Cor Púrpura)

Iluminação
Rogério Wiltgen (A Cor Púrpura)

Visagismo
Sérgio Abajur ( Peter Pan)

Musical Centro-Oeste
O Rei do Show  (Actus Produções -Brasília, DF)

Musical Nordeste
Sob o Céu de Orion (Poli Teatro Musical - Natal, RN)

Musical Norte
A Caixa Mágica do Natal (Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Governo do Amazonas – Manaus, AM)

Musical Sudeste
Madame Satã (Grupo dos Dez – Belo Horizonte, MG)

Musical Sul
Waitress (Projeto Broadway – Curitiba, PR)


BILLY ELLIOT / O MELHOR MUSICAL PAULISTA 2019

O Júri, com participação por regiões, tem a seguinte formação :

Belém, PA : Guál Dídimo (Diretor e Produtor), Tiago de Pinho (Ator e Produtor).
Belo Horizonte, MG : Beto Sorolli (Revolução Vocal), Fernando Bustamante (Ator e Produtor).
Curitiba, PR: Ricardo Bührer (Produtor e Versionista), Giovana Póvoas (Atriz e Dançarina), Débora Bergamo (Diretora).
Florianópolis, SC : Marco Audino (Diretor e Professor de Teatro).
Fortaleza, CE : André Gress (Diretor e Produtor), Daniel Marinho (DM Versões), Juliana Saraiva (Diretora e Produtora).
Macapá, AP : Cayton Farias (Ator e Produtor).
Manaus, AM: Matheus Sabbá (Ator e Diretor).
Natal, RN: Danielle Galvão (Atriz e Produtora), Eduardo Zayit (Ator e Produtor). Porto Alegre, RS: Cíntia Ferrer (Atriz e Produtora), Cynthia Geyer (Musicista e Produtora).
Recife, PE : Gabriel Lopes (Ator e Produtor)
Rio de Janeiro, RJ: Alex Silva (Musical.Rio), Cláudio Martins (A Broadway É Aqui!), Gilberto Bartholo (O Teatro me Representa), Leandro Terra (Ator e Produtor), Leonardo Torres (Teatro em Cena), Marcelo Aouila (Aouila no Teatro), Paulo Fernando Góes (Incitarte), Thomaz Brasil (Broadway_Brasil), Wagner Correa de Araujo (Escrituras Cênicas).
São Paulo, SP: Ali Hassan Ayache (Ópera, Musical & Ballet), Édipo Regis (A Broadway É Aqui!), Filipe Vicente (Setor VIP), Ligia Paula Machado (Atriz e Produtora), Rafael Oliveira (Musical em Bom Português).


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