FOTOS/RODRIGO CASTRO |
A primeira particularidade, em mais uma montagem de Dois Amores e um Bicho, está na
oportuna encenação de um dos mais conceituados autores contemporâneos da
Venezuela - Gustavo Ott .
Isto representa, ainda, uma necessária identificação pela dramaturgia latino americana que, com exceção
dos autores argentinos se expandindo bem entre nós, é tão rara em nossos
palcos.
E que, na situação específica do país vizinho, vem se agravando potencialmente desde o exílio
voluntário do dramaturgo nos Estados Unidos, com a flagrante violação às noções mais básicas dos direitos humanos e do desrespeito à feliz convivência com os
outros seres vivos.
Onde a visita dos pais, Pablo ( Lucas Gouvêa) e Karen (Adriana
Seiffert) à filha Carol (Julie Wein), trabalhando como veterinária num jardim
zoológico, detona um processo de traumática memória familiar. Aqui numa concepção
singularizada de fusão sensorial de elementos técnico/artísticos de acurado esteticismo com o visceral apelo temático
da trama dramatúrgica.
Ao indagar pelos motivos isolacionistas de um orangotango numa gaiola, Pablo se vê diante da mesma situação regressiva ( contra
o molestamento entre animais do mesmo sexo) que o levou à prisão. Por ter
matado, a pontapés, numa pulsão de ódio e falso moralismo, o seu cão de
estimação (quando descoberto, em similar status de fisicalidade, com outro
canino).
Este ímpeto de raiva e rejeição teve como pano de fundo,
simultâneo, a cruel morte de crianças numa escola, em possível atentado
terrorista à bomba. A partir deste trágico factualismo, o roteiro dramatúrgico se
estrutura na dualidade violência e preconceito, conduzindo a uma irracional e
sofrida batalha verbal, de psicologismo físico/emotivo, entre pais e filha.
A cenografia(André Sanches) acentua o aspecto prisional na metaforização
, via caixas e gaiolas , sinalizada por
todos os ângulos do palco em dúplice ambiência, casa e zoológico. Com figurinos(Raquel
Theo) recatados e propícios a um desenho de luz(Renato Machado), como num
teatro de sombras, sugestionando silhuetas de animais enjaulados.
Entre dialetações questionadoras e solilóquios nervosos, há
um maior domínio cênico dos personagens paternos e mais sóbria interpretação da
jovem filha(Julie Wein),esta se configurando mais na imanente representação do alterego musical como instrumentista(violoncelo/ teclado), em
envolvente percurso sonoro proposto por Felipe Habib.
Dois Amores e um Bicho equilibra sua minimalista concepção visual com um surpreendente estilismo teatral pelo olhar diretor de Danielle Martins de Farias, que segue sua dinâmica textual a partir do
original, sem recorrer ao desdobramento personalístico (como na versão de 2014)
além do tríplice elenco.
Na materialização de um comportamento conflituoso entre o
conceitual de uma ética sem aberturas e uma ideologia política entre grades (na
simbologia do animal prisioneiro) há um protagonismo quase absoluto do
personagem masculino. O que em parte esmaece, apesar de uma visível entrega , a atuação presencial nas duas performances femininas.
Aqui Lucas Gouvêa explora seu desempenho, com verdade
interior e extravasamento gestual ( destaque-se uma proveitosa frequência de Toni Rodrigues na criação de movimento, nesta atual temporada carioca), imprimindo sólidas nuances
dramáticas ao seu papel.
Num convicto
carregamento de um componente interpretativo , de denúncia e contraponto crítico, em significante e simbiótico referencial à humanização/animalização dos habitantes do planeta Terra.
O que não deixa, afinal , de remeter ,reflexivamente, a um ancestral enunciado
filosófico do processo civilizatório :
“Quanto mais se conhece o homem, mas se estima os animais”.
Wagner Corrêa de Araújo
DOIS AMORES E UM BICHO está em cartaz no Sesc/Copacabana, sexta e sábado, às 19h; domingo, às 18h. 80 minutos. Até 30 de julho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário