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Dzi Croquettes Sem Censura. Ciro Barcelos/Dramaturgia e Direção Concepcional. Julho/2025. Ronaldo Gutierrez/Fotos. |
Foi em plenos e sombrios anos da ditadura militar, precisamente
em 1972, que Wagner Ribeiro e Lennie Dale tiveram a idéia de criar um grupo
performático masculino, integrado por 13 atores-bailarinos-cantores, os Dzi
Croquettes. Como uma forma de denúncia, em compasso dramatúrgico, aos
progressivos abusos contra a liberdade de ação e de pensamento dos cidadãos
brasileiros da época. Indo mais longe ainda, numa avançada e corajosa expressão
comportamental de uma livre e rebelde manifestação cênica da masculinidade, fora de quaisquer
limites de censura em contraponto à resistência de um machismo tóxico e misógino. Permitindo, assim, que cada um daqueles intérpretes assumisse, conscientemente, a representação de uma postura longe de amarras sociais, sempre de acordo com o desejo intimista de cada um deles de aceitar
e de conviver com as preferências de sua própria condição humana. Seja através de seu gestual, de suas indumentárias, de suas falas, de suas ideias e de seu comportamento cotidiano na indentitaria escolha sexual de seus parceiros, ampliando-se isto tudo em sua irreverência quanto a ideários políticos, morais e religiosos priorizando, antes de tudo, uma liberdade de ser e de agir, dando vazão nacionalista aos movimentos mundiais da contracultura, vigentes a partir das década de 60/70.
E é exatamente na passagem, pouco mais que cinquentenária do surgimento daquele revolucionário grupo teatral, num conturbado período de triste lembrança inclusive no que se refere às proibições e interferências na criação cultural e artística, que surge um referencial espetáculo - Dzi Croquettes Sem Censura, em oportuna direção concepcional de Ciro Barcelos. Onde além deste ofício, em dúplice atuação como narrador e ator, no papel do bailarino norte-americano Lennie Dale, aqui retomando sua fundamental participação na histórica Cia, ao
lado de uma trupe da nova geração teatral brasileira que, por sua vez, revive
alguns nomes fundamentais dos Dzi Croquettes. Destacando-se entre estes, o do jovem Ciro Barcelos (Daniel
Suleiman), Bayard Tonélli (por Fernando Lourenção), Claudio Tovar (André
Habacuque), como alguns dos poucos sobreviventes da trupe brilhando ainda em nossos
meios teatrais. Além de marcantes personagens que se celebrizaram ali, a saber
Carlinhos Machado (por Akim), Paulette (Bruno Saldanha), Wagner Ribeiro (Juan
Becerra). Sem deixar de citar os outros atores, alguns escolhidos por testes, afinal
por uma busca investigativa no entremeio de aproximativas similaridades
psicofísicas, tais como César Viggiani,
Kaiala (Nêga Vilma e Benê) e Feccini, fazendo Reginaldo de Poli. A caixa cênica (Gabriele Souza) sob minimalista ocupação de elementos materiais, mostra frontalmente uma espécie de plataforma de madeira que ora serve para cenas domésticas da vida privada de uma comunidade de atores, ou se transforma no cenário de um show ao lado da sugestão da ocasional ambiência de um camarim, com penteadeira, cadeira e espelho. A iluminação (Kaiala) variando entre claridades vazadas na primeira parte e efeitos quase psicodélicos na surpreendente cena do cabaré em Paris, ressaltando de um lado os figurinos (Ciro Barcelos) com uma tonalidade hippie no início da peça e a exuberância colorida de uma performance com a tipicidade destas noites num night clube gay no ato final da peça, incluindo-se ali os exageros burlescos da maquiagem (Shary Camerini). E é nestas cenas que o espetáculo sobretudo cresce, se comparado ao início onde não deixa de persistirem, em meio à convicta entrega de um elenco jovem, ocasionais inseguranças na espontânea e debochada desconstrução verbal e corporal da masculinidade sob um sotaque gay. O que não acontece, em momento algum, na sequencial abordagem musical - coreográfica da temporada parisiense, através de uma diversificada exibição de ritmos dançantes, brasileiros, latinos e internacionais, do jazz e do samba ao rock, numa trilha sonora comandada por André Periné. Que possibilita a envolvência de uma corporeidade dançante paralela a uma coesa unidade vocal, de um revelador elenco priorizado por uma performática jovialidade, anárquica e contestadora. Replicando o signo emblemático que marcou a instantânea trajetória de uma cia que se dispersou após esta turnê, na impossibilidade imposta pela censura ditatorial de continuar nos palcos brasileiros. Mas que deixou, sem dúvida alguma, um legado precursor contra todas as formas de opressão, no enfrentamento da tentativa de silenciar a livre expressão da diversidade sexual e da plenitude filosófica e política do pensamento...
Wagner Corrêa de Araújo |