DZI CROQUETTES SEM CENSURA : O TRAJETO DE PRECURSOR PROJETO CÊNICO/MUSICAL - ANOS 70 - PELA LIBERTÁRIA EXPRESSÃO DA CORPOREIDADE MASCULINA

Dzi Croquettes Sem Censura. Ciro Barcelos/Dramaturgia e Direção Concepcional. Julho/2025. Ronaldo Gutierrez/Fotos.


Foi em plenos e sombrios anos da ditadura militar, precisamente em 1972, que Wagner Ribeiro e Lennie Dale tiveram a idéia de criar um grupo performático masculino, integrado por 13 atores-bailarinos-cantores, os Dzi Croquettes. Como uma forma de denúncia, em compasso dramatúrgico, aos progressivos abusos contra a liberdade de ação e de pensamento dos cidadãos brasileiros da época.

Indo mais longe ainda, numa avançada e corajosa expressão comportamental de uma livre e rebelde manifestação cênica da masculinidade, fora de quaisquer limites de censura em contraponto à resistência de um machismo tóxico e misógino.

Permitindo, assim, que cada um daqueles intérpretes assumisse, conscientemente, a representação de uma postura longe de amarras sociais, sempre de acordo  com o desejo intimista de cada um deles de aceitar e de conviver com as preferências de sua própria condição humana.

Seja através de seu gestual, de suas indumentárias, de suas falas, de suas ideias e de seu comportamento cotidiano na indentitaria escolha sexual de seus parceiros, ampliando-se isto tudo em sua irreverência quanto a ideários políticos, morais e religiosos priorizando, antes de tudo, uma liberdade de ser e de agir, dando vazão nacionalista aos movimentos mundiais da contracultura, vigentes a partir das década de 60/70. 



Dzi Croquettes Sem Censura. Ciro Barcelos/Dramaturgia e Direção Concepcional. Em cena, Ciro Barcelos e Daniel Suleiman. Julho/2025. Ronaldo Gutierrez/Fotos.

E é exatamente na passagem, pouco mais que cinquentenária do surgimento daquele revolucionário grupo teatral, num conturbado período de triste lembrança inclusive no que se refere às proibições e interferências na criação cultural e artística, que surge um referencial espetáculo - Dzi Croquettes Sem Censura, em oportuna direção concepcional de Ciro Barcelos.

Onde além deste ofício, em dúplice atuação como narrador e ator, no papel do bailarino norte-americano Lennie Dale, aqui retomando sua fundamental participação na histórica Cia, ao lado de uma trupe da nova geração teatral brasileira que, por sua vez, revive alguns nomes fundamentais dos Dzi Croquettes.

Destacando-se entre estes, o do jovem Ciro Barcelos (Daniel Suleiman), Bayard Tonélli (por Fernando Lourenção), Claudio Tovar (André Habacuque), como alguns dos poucos sobreviventes da trupe brilhando ainda em nossos meios teatrais.

Além de marcantes personagens que se celebrizaram ali, a saber Carlinhos Machado (por Akim), Paulette (Bruno Saldanha), Wagner Ribeiro (Juan Becerra). Sem deixar de citar os outros atores, alguns escolhidos por testes, afinal por uma busca investigativa no entremeio de aproximativas similaridades psicofísicas,  tais como César Viggiani, Kaiala (Nêga Vilma e Benê) e Feccini, fazendo Reginaldo de Poli.

A caixa cênica (Gabriele Souza) sob minimalista ocupação de elementos materiais, mostra frontalmente uma espécie de plataforma de madeira que ora serve para cenas domésticas da vida privada de uma comunidade de atores, ou se transforma no cenário de um show ao lado da sugestão da ocasional ambiência de um camarim, com penteadeira, cadeira e espelho.

A iluminação (Kaiala) variando entre claridades vazadas na primeira parte e efeitos quase psicodélicos na surpreendente cena do cabaré em Paris, ressaltando de um lado os figurinos (Ciro Barcelos) com uma tonalidade hippie no início da peça e a exuberância colorida de uma performance com a tipicidade destas noites num night clube gay no ato final da peça, incluindo-se ali os exageros burlescos da maquiagem (Shary Camerini). 

E é nestas cenas que o espetáculo sobretudo cresce, se comparado ao início onde não deixa de persistirem, em meio à convicta entrega de um elenco jovem, ocasionais inseguranças na espontânea e debochada desconstrução verbal e corporal da masculinidade sob um sotaque gay.

O que não acontece, em momento algum, na sequencial abordagem musical - coreográfica da temporada  parisiense,  através de uma diversificada exibição de ritmos dançantes, brasileiros, latinos e internacionais, do jazz e do samba ao rock, numa trilha sonora comandada por André Periné.  Que possibilita a envolvência de uma corporeidade dançante paralela a uma coesa unidade vocal, de um revelador elenco priorizado por uma performática jovialidade, anárquica e contestadora. 

Replicando o signo emblemático que marcou a instantânea trajetória de uma cia que se dispersou após esta turnê, na impossibilidade imposta pela censura ditatorial de continuar nos palcos brasileiros. Mas que deixou, sem dúvida alguma, um legado precursor contra todas as formas de opressão, no enfrentamento da tentativa de silenciar a livre expressão da diversidade sexual e da plenitude filosófica e política do pensamento...      

                                          

                                              Wagner Corrêa de Araújo


 

Dzi Croquettes Sem Censura estreou em São Paulo, julho 2025, devendo seguir para Belo Horizonte e outras capitais, terminando com uma grande temporada popular, entre setembro e outubro, no Rio de Janeiro . 

OS PESCADORES DE PÉROLAS : SOB UM ORIENTALISMO OPERÍSTICO À FRANCESA, TMRJ CELEBRA O SESQUICENTENÁRIO DA MORTE DE BIZET

 

Os Pescadores de Pérolas. Ópera de G. Bizet/TMRJ. Julianna Santos/Direção Concepcional. Luiz Fernando Malheiro/Regência . Ludmilla Bauerfeldt /Protagonista feminina. Julho/2025. Daniel Ebendinger/Fotos.


Considerada a segunda ópera mais conhecida de Georges Bizet, ainda que sem o alcance popular da Carmen, Os Pescadores de Pérolas teve uma trajetória limitada desde a sua polêmica estreia em 1863. Criticada à época, com ferina ironia, pelo Le Figaro - “Não havia pescadores no seu libreto, nem pérolas em sua música”- e friamente recebida pelo público foi relegada ao esquecimento.

Voltando ao repertório apenas tempos depois da morte prematura de Bizet, após passar por algumas revisões em seu libreto e na sua estrutura musical, com a inclusão de temas retirados de outras óperas suas não bem sucedidas, recurso a que já tinha recorrido o seu próprio compositor.  

Através de uma narrativa equivocada até para os padrões operísticos vigentes então, com uma história de reviravoltas quase ingênuas que abrangem sua temática e seus personagens, alcançando culminância em seu novelesco final.

Onde uma comunidade de pescadores de pérolas nos mares do ancestral Ceilão e o respeitado aldeão Zurga, escolhido por eles como líder,  aguardam a vinda de Leila, mulher virgem considerada  figura mística, uma espécie de emissária do deus da Índia - Brahma.


Os Pescadores de Pérolas/TMRJ. Barítono Vinicius Atique (Zurga) e tenor Carlos Ullán (Nadir). Julho/2025. Daniel Ebendinger/Fotos.


Por outro lado, nesta sua volta à aldeia, Zurga reencontra um amigo de infância Nadir, ambos celebrando a fidelidade dos seus laços fraternais. Até a precipitação fatalista dos acontecimentos com o despertar de velhas paixões amorosas que envolvem Leila, tanto com Nadir como por Zurga, através de um enigmático colar de pérolas...

Em mais uma das artesanais direções cênicas/concepcionais de Julianna Santos reconstituindo, aqui, a ambientação comportamental do grupo de pescadores cingaleses. Imersos no ofício que mantém e dá vida à comunidade - a pesca marítima, no caso priorizando a riqueza das pérolas - no entremeio de crenças religiosas e conflitos de poder e por violentos ciúmes de amor.

Numa precisa ocupação da caixa cênica (Desirée Bastos) com alguns elementos materiais, completados por projeções frontais de imagens digitais, para sugestionar o imaginário movimento das ondas marítimas e das mutações nos espaços siderais. Incluindo-se, ainda de sua lavra, indumentárias camponesas com traços de exotismo orientalista.  

E que se expande também por intermédio de danças caraterísticas e um gestual esotérico (em dúplice ideário por Bruno Fernandes e Mateus Dutra), sob prevalências luminares mais vazadas que focais (Paulo Ornellas).

O maestro Luiz Fernando Malheiro frente à OSTM, um dos grandes experts brasileiros na regência de obras operísticas, imprimindo um dimensionamento expressivo ao encontro entre cordas, sopros e solos de harpa, nos acordes vocais melodiosos de temas que se celebrizaram, especialmente pelo leitmotiv na cena coral, já no prólogo.

Além de uma afinada e coesa participação do Coro do Municipal, há que se destacar o convicto quarteto protagonista. Desde um correto Sumo Sacerdote na voz do baixo Murilo Neves como Nourabad ao trio amoroso integrado pelo barítono Vinicius Atique (Zurga), tenor Carlos Ullán (Nadir) e a soprano Ludmilla Bauerfeltd (Leila).

Com uma tessitura suave de tenor lírico o argentino Carlos Ullán tem uma bela mas contida performance na ária “Je crois entendre, encore”, diante da voz mais exuberante e de maior ressonancia do barítono Vinicius Atique em “L’orage s’est calmé”, mas ambos conectando-se em segura performance atoral tanto no inspirado dueto entre eles (Au fond du temple saint), como aqueles ao lado da protagonista feminina.

Destacando-se também, sobretudo, o evocativo presencial da personagem Leila por Ludmilla Bauerfeldt, via sua tão requintada voz, das passagens mais líricas à firme clareza nos vibratos (Comme autrefois dans la nuit sombre), fluindo sobre a orquestra enquanto ecoa carismáticamente no aplauso do público...

                            

                                           Wagner Corrêa de Araújo



Os Pescadores de Pérolas, ópera de Bizet, está em cartaz no TMRJ, com dois elencos alternativos, de 16 a 26 de julho, em horários diversos.

EDDY VIOLÊNCIA & METAMORFOSE : CORAJOSA AUTO REINVENÇÃO EXISTENCIAL COMO DENÚNCIA À EXCLUSÃO E AO PRECONCEITO


Eddy Violência & Metamorfose. A partir da obra de Édouard Louis.  Luiz Felipe Reis e Marcelo Grabowsky/Dramaturgia e Direção Concepcional. Julho/2025. Renato Pagliacci/Fotos.


Considerado um fenômeno midiático da literatura francesa de hoje Edouard Louis é um jovem autor que, além de ter seus livros traduzidos em vários idiomas, tem sido adaptados aos palcos e às telas. Dando voz ao que ele classifica como “morte social”, à causa do preconceito e da exclusão por sua origem humilde e a libertária identificação de sua sexualidade.

A maioria  deles de cunho autobiográfico falando de uma conturbada trajetória pontuada pela homofobia,  no meio familiar e escolar, e por um episódio de violência sexual provocador de uma corajosa  metamorfose em seu conceitual de vida, na assumida remissão pelo ofício da palavra literária e teatral.

E tudo isto a partir dos relatos de brutal assédio sofrido, desde o perfil de um pai machista radicalizando sua repulsa a um filho direcionado pela delicadeza com subliminares trejeitos femininos e incapaz de se assumir como um cara de dura masculinidade, a uma mãe indiferente imersa nos seus afazeres domésticos.

Demonstrando desprezo ao sensível menino estigmatizado na escola por seus colegas no bullying dos apelidos de “bicha, veadinho, boiola, maricas” por gostar de livros, querer dançar e se travestir como ator. Ao mesmo tempo em que é humilhado por seu status social de pertencimento às classes marginalizadas de uma familia operária.

Quando então, depois de participar de um grupo teatral em outra cidade, abdica de sua recessiva vivência provinciana, na ida definitiva para Paris onde pretende ter plena liberdade de pensamento e de ação iniciando-se como escritor, sequenciado como dramaturgo e ator.


Eddy Violência & Metamorfose. Com Júlia Lund, João Côrtes e Igor Fortunato. Julho/2025. Renato Pagliacci/Fotos/Estúdio.


Questionando-se “será que estou condenado a sempre esperar por outra vida” é abordado por um imigrante argelino em sua volta para a casa parisiense, numa noite de Natal. Advindo nesta hora a sombria causa de um estupro violento e uma quase morte no entremeio de um inesperado encontro sexual de recíprocos estranhamentos.

E é no preciso uso destes elementos psicofísicos que é construída a narrativa dramatúrgica da peça Eddy Violência & Metamorfose, num artesanal conluio de um dúplice processo concepcional e direcional de Luiz Felipe Reis e Marcelo Grabowsky, na celebração dos dez anos da Cia Polifônica (sob o original ideário de Luiz Felipe Reis e Júlia Lund).

Reunindo em cena os atores João Cortes, como o alter ego de potencial identidade sensitiva com Édouard Louis, a convicta representação como de hábito pela atriz Júlia Lund, aqui no papel de Clara, irmã de Édouard ou da investigadora policial, mais a contumaz visualização da xenofobia na enérgica entrega de Igor Fortunato, alternando-se como o estrangeiro Redá, o mentor do crime sexual, ora o marido-confidente de Clara.

Em performances irrepreensíveis que se materializam na dimensão psicológica e na fisicalidade de personagens, conectadas sempre sob traços dramáticos sensoriais de reveladora tensão. Inspiradas por passagens confessionais de três livros de Édouard Louis – O Fim de Eddy, História da Violência e Mudar : Método.

No preenchimento minimalista de uma caixa cênica  (André Cortez) com um sofá cama, mesa e cadeiras, frontalizada por um telão que imprime ao espaço os caracteres de um estúdio cinematográfico, no uso de câmeras e luzes (Júlio Parente, Rodrigo Lopes) com projeção simultânea da atuação atorial, todos portando uma indumentária de tons cotidianos (Antônio Guedes).

Onde o desnudamento explícito do casal masculino em poses erotizadas é imprimido sob uma estética plasticidade gestual (Lavínia Bizzoto) na alternação entre as carícias do ato físico e a sua súbita brutalização, num  imaginário referencial ao quadro Duas Figuras, de Francis Bacon. Outra vez Luiz Felipe Reis acertando com suas interveniências musicais na escolha de acordes expressivos, de sonhos intimistas a sequenciais traumas.

A parceria dramatúrgica/direcional (Luiz Felipe Reis e Marcelo Grabowsky) primando na competência pelo alcance da sintonia com uma teatralidade que se expande  a outras linguagens artísticas, da literatura ao cinema, aliás o prevalente signo da cia Polifônica. Numa investigativa proposta dramatúrgica / ideológica que, antes de tudo, faz refletir sobre a problemática da contemporaneidade ecoando a palavra-verdade de Édouard Louis sobre catarse e metamorfose :

Cada vez que dizemos eu mudo, tornamos possível que outras pessoas digam eu quero mudar”...


                                                           Wagner Corrêa de Araújo 

                                                  

EDDY Violência & Metamorfose na sua segunda temporada, depois do Sesc/Copacabana, agora no Teatro Poeira, de quinta a sábado, às 20h e domingo às 19h, até 31 de agosto.

A BALEIA : CULPA E REDENÇÃO NO ENTORNO DE UMA DEPRESSIVA CONDIÇÃO HUMANA

A Baleia. Samuel D. Hunter/Dramaturgia. Luís Artur Nunes/Direção Concepcional . Junho/2025. Renato Mangolin/Fotos.

 

A trágica e burlesca narrativa fabular sobre a situação psicofísica de um professor de escritas literárias pela internet, recluso à causa de uma corporeidade acima de 270 quilos, sendo dominado pela culpa, num processo de auto punição, saindo em busca da redenção.

Este é o tema da peça A Baleia que, a partir do ideário do dramaturgo americano Samuel D. Hunter, além do teatro inspirou o filme de Darren Aronfsky, com similar titularidade e premiado com o Oscar 2023 de Melhor Ator para Brendan Fraser.

Chegando, agora, aos palcos brasileiros sob acurada tradução e direção concepcional por Luís Artur Nunes tendo como protagonista o ator José de Abreu, ao lado de um conceituado elenco integrado por Luiza Thiré, Eduardo Speroni, Gabriela Freire e Alice Borges.  

O espaço cênico sendo preenchido por uma funcional e, ao mesmo tempo, minimalista concepção que privilegia os pouco elementos materiais que sugestionem o melancólico isolamento de Charlie (José de Abreu) imobilizado em um sofá, cercado de embalagens usadas de pizza e fast food, tendo duas portas laterais - a entrada principal e o difícil  caminho para o banheiro.


A Baleia. Em cena, a partir da esquerda, Gabriela Freire, Luiza Thiré, Eduardo Speroni, Alice Borges e José de Abreu. Junho/2025. Renato Mangolin/Fotos


Onde o suporte de uma plataforma digital mecânica acima dele reproduz, vez por outra, uma espécie de contato virtual com seus alunos, simulando a tela de um computador e a passagem das horas, entre a noite e o dia, sob discricionárias variações de uma iluminação (Maneco Quinderé) vazada, numa coloração mais sutil com ocasionais sombras.

Na qual  a legendagem completa das falas cria uma metafórica conexão com uma leitura dramatúrgica, pontuada por acordes musicais densos em outra das inventivas trilhas autorais de Frederico Puppi, priorizando sonoridades quase mecânicas sem nunca ceder a temas  melodramáticos.

Charlie (José de Abreu), para potencializar sua pesada corpulência, usa enchimentos em suas vestimentas, dando a sensação de que isto dificulta sua respiração, na sôfrega e tocante vocalização de suas falas compassadas pela permanente depressividade.

Enquanto os outros atores usam figurinos mais cotidianos que ressaltam suas características personalistas, no dia a dia comum de suas funções, num acertado design indumentário por Carlos Alberto Nunes.

Desde o missionário evangélico Irmão Thomas (Eduardo Speroni) tentando resgatar em Charlie a fé cristã sem intuir claramente que a intenção do professor é descobrir por que Alan, seu falecido parceiro amoroso, acabou sendo levado a um quase suicídio lento quando repreendido pelo preconceito de seu pai, pastor da mesma comunidade do jovem pregador que o visita sempre.

A surpreendente postura de Liz (Luiza Thiré) como a enfermeira que, em comportamento contraditório, cuida e aconselha Charlie a se hospitalizar para evitar um mal súbito, mas não sem deixar de satisfazer suas irremediáveis pulsões de fome.

Outras duas relevantes personagens femininas subitamente reaparecem, depois de anos, despejando sobre ele suas amarguras familiares e existenciais - a agressiva frieza da filha adolescente Ellie (Gabriela Freire) e a desiludida alcoólatra e sua ex-mulher Mary (Alice Borges) que ele trocou por Alan.

A convicta interpretação dos quatro atores, pelo dimensionamento psicológico de seus personagens na trama, mantem força qualitativa perante a aflitiva emotividade alcançada pela empática performance de José de Abreu. Sem jamais deixar a cena, nesta que representa sua luminosa volta ao teatro pós uma longa ausência.

Numa textualidade que referencia a baleia bíblica de Jonas e a literária de Herman Melville em Moby Dick, ao lado de temas tão oportunos na atualidade como a homofobia e o fanatismo opressor de seitas religiosas em detrimento da liberdade de pensamento e de opção sexual, junto à vaidade física no seu cruel desprezo acionado pela gordofobia. Tudo isto completado por uma sensitiva e convincente direção de Luís Artur Nunes que faz com que A Baleia alcance um merecido destaque crítico e de aplauso público na presente temporada teatral...

 

                                             Wagner Corrêa de Araújo



A Baleia está em cartaz no Teatro Adolfo Bloch/Glória/RJ, de quinta a sábado, às 20h; domingo, às 18h, até 20 de julho.

ROMEU E JULIETA / BALÉ TEATRO GUAÍRA : TRADIÇÃO CONECTADA A UM INVENTIVO SOTAQUE DE CONTEMPORANEIDADE


Romeu e Julieta/Balé Teatro Guaíra. Luiz Fernando Bongiovanni/Concepção Coreográfica/Direcional. Junho 2025. Fernando Barkidom/Fotos.


Romeu e Julieta a mais evocativa tragédia de William Shakespeare sobre a irrestrita resistência de um amor proibido entre dois jovens tornou-se, desde a primeira versão russa de 1940 a partir da partitura de Serguei Prokofiev, um tema de permanente atração para o universo coreográfico.

Tendo a celebrizada concepção de Kenneth MacMillan para o Royal Ballet, 1965, inspirado outras diferenciais releituras, entre os séculos 20 e 21. Lembrando aqui, ainda os filmes de Franco Zeffirelli, 1968, e Braz Luhrmann, 1996, sem esquecer também a Broadway, esta partindo da cinematografia musical de West Side Story, Leonard Bernstein / Robert Wise, 1957.

Destacando-se entre as adaptações coreográficas, desde aquelas com um substrato estético mais focado na tradição clássica, como a de John Cranko, a outras mais ousadas como a de Mats Ek ou assumidamente transgressivas como a de Matthew Bourne.

Ressaltando que uma das mais conceituadas cias oficiais de dança do Brasil – o Balé Teatro Guaíra, através do coreógrafo Luiz Fernando Bongiovanni, em 2008, inicialmente apresentou seu Romeu e Julieta   e, agora, está voltando com esta obra. Numa abordagem de caráter mais inovador procurando contextualizar, metaforicamente, o espetáculo com a problemática social da atualidade, especialmente no que concerne à violência urbana, o preconceito racial e de classes que leva à criminalidade, entre o ódio e o amor.


Romeu e Julieta / Balé Teatro Guaíra. Luiz Fernando Bongiovanni / Concepção Coreográfica/Direcional. Junho 2025. Fernando Barkidom/Fotos.


Tivemos na trajetória crítica, no entorno deste meio século do Balé Teatro Guaíra memoráveis momentos, como a direção autoral de dois documentários - O Grande Circo Místico e Balé Teatro Guaíra 30 Anos - além de escrever sobre estreias de alguns espetáculos através dos anos, incluídas criações de Luiz Fernando Bongiovanni, o atual coreógrafo e diretor geral da Cia.

Nesta sua recente apresentação, no Grande Teatro Cemig do Palácio das Artes, Belo Horizonte, com perspectiva da inclusão em suas turnês brasileiras e internacionais, do Rio de Janeiro, este Romeu e Julieta  (Balé Teatro Guaíra) teve a performance de dois afinados elencos. Sem deixar de contar com a participação da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, sob uma mais compactada regência da composição por Ligia Amadio.

Onde há novo dimensionamento, visando o público de hoje, na concepção cenográfica (Cleverson Cavalheiro) não se atendo a um realismo fidedigno para mostrar a Verona renascentista, mas fazendo um funcional e minimalista design de grandes blocos móveis, sob vários planos capazes de visualizar as diversas ambiências internas e externas da narrativa.

E que alcançam imagéticos efeitos luminares (Carlos Kur) em projeções led que imobilizam mimeticamente os personagens, com sugestionamento frontal de brilhos espaciais nas cenas noturnas de paixão em encontros às ocultas do casal titular, luzes mais vazadas nas cenas coletivas de rua e mais sombrias no epílogo tumular. Destacando ainda os belos figurinos e adereços (Paulinho Maia) longe de um absoluto rigorismo à época da trama.

A execução musical da OSMG revelando a convicta maturidade de Ligia Amadio sabendo equilibrar o impacto emocional na tipicidade sonora dos acordes, ora energizados e quase dissonantes do compositor, com um apelo mais lírico no contraste das cenas amorosas.

O elenco protagonista mostrando fluidez de movimento tanto nas passagens coletivas como nos solos e encontros grupais, não perdendo coesiva correspondência a coadjuvante representação de cidadãos e da Corte. Havendo que se destacar entre tantos personagens a afinidade química dos dois Romeus alternativos (Rodrigo Castelo Branco e Rodrigo Leopoldo) como também das duas Julietas (Deborah Chibiaque e Amanda Soares).

Ficando difícil citar a atuação específica de cada um dos personagens de um dúplice elenco saindo-se bem, tanto no baile de máscaras e nas cenas de lutas ou de atuações mais humorizadas, como as da carismática Ama de Julieta, ou as dramáticas das três Parcas do Destino, introduzidas como reveladora inovação pelo ideário de Bongiovanni.

Este transmutando em descobertas coreográficas expressivas, numa peculiar linguagem estética psicofísica, desde espontâneas intervenções vocais a instantâneo transitar de bailarinos pela plateia, na dramaturgia corporal de uma potencializada cia de dança - o Balé Teatro Guaíra. Há exatos 57 anos dignificando, sem dúvida alguma, a dança em moldes brasileiros ...  

                             

                                            Wagner Corrêa de Araújo



 

Romeu e Julieta / Balé Teatro Guaíra apresentou-se nos dias 28 e 29 de Junho, no Grande Teatro Cemig/Palácio das Artes/Belo Horizonte, seguindo para temporada em São Paulo.

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