CRAZY FOR YOU. Foto Alil Karakas. |
Três surpresas musicais compensaram a decepção brasileira na Copa 2014, entre os
meses de junho e julho...
Um musical, com todos os ingredientes das clássicas produções
oriundas da matriz novaiorquina, estabelece mais um marco na febre brasileira
pelo gênero. Este é o caso da mais nova parceria paulista da atriz Cláudia Raia
e o partner artístico e amoroso Jarbas Homem de Mello com o diretor José Possi
Netto que, depois do sucesso de Cabaret,
retorna agora com Crazy For You.
Originalmente uma ideia dos irmãos George e Ira Gershwin que,
em 1930, inovaram o musical da Broadway com Girl
Crazy, trocando a então habitual cena aristocrática da alta sociedade de
Nova York pelos rudes costumes do interior rural do Arizona. Trazendo no elenco, nada mais nada menos, que Ginger Rogers.
Tudo embalado com hits da
clássica parceria como Embraceable You
e I Got Rhythm que ainda teve, em
1943, a interpretação cinematográfica de Judy
Garland e Mickey Rooney. Sua posterior retomada em 1992, sob o título de Crazy
For You, conservou o básico do score musical acrescentando outros temas
dos brothers Gershwin como Shall We Dance? e Someone to Watch Over Me, além de duas composições até então
inéditas.
A temática continuou fiel às peripécias financeiras e amorosas de um playboy novaiorquino Bobby Child (Jarbas Homem de Mello) que
sonha ser um grande astro de musical e uma garota do meio rural a rústica Polly (Cláudia Raia) que luta, ao lado
do pai, para salvar da falência o único teatro local.
A versão brasileira manteve o título e o conflito
metrópole/província, elegância social e primitivismo interiorano. E que poderia
estar presente em qualquer meio provinciano nosso, através dos diálogos e
letras musicais criados por Miguel Falabella, com uma tradução inteligente que
não desviou, em momento algum, as características de indicação familiar ou como ideal para a fantasia em todas as idades.
Rico em todos os seus aspectos cenográficos (Duda Arruk) alcança um clima
envolvente, tanto nas cenas da Times
Square coberta de anúncios luminosos como na praça da cidadezinha com seu
típico saloon e um pequeno hotel,
mostrando equilibrada presença cênica do elenco e solistas e a luminosidade cênica
e vocal da dupla Cláudia Raia/Jarbas Homem de Mello, sob o comando seguro de
José Possi Netto.
Sob ambientais efeitos luminares (Wagner Freire) ressaltando uma indumentária (Fabio Namatame) com sotaque de época. Incluindo, ainda, coristas e dinâmico sapateado na maioria
dos números, e sonhadoramente cativante nos duetos dos protagonistas, num
cenário romantizado como nos nostálgicos musicais hollywoodianos.
E assim, com tantos acertos, Crazy For You faz esquecer suas extensas três horas, tornando maior a magia com a exemplar execução (na conduta musical de Marconi Araújo) das eternas melodias de George Gershwin.
E assim, com tantos acertos, Crazy For You faz esquecer suas extensas três horas, tornando maior a magia com a exemplar execução (na conduta musical de Marconi Araújo) das eternas melodias de George Gershwin.
CASSIA ELLER - O MUSICAL. Foto / Marcos Hermes. |
Mais um musical dá continuidade à linha estética voltada para a trajetória artístico/existencial de ídolos da MPB e do rock nacional. Desta vez, Cássia Eller - O Musical, com texto de Patrícia Andrade e concepção/diretorial conjunta de João Fonseca / Vinícius Arneiro.
Assumindo uma linha minimalista, a montagem concentra todos
os seus recursos inventivos no score musical onde conta com uma expressiva
equipe comandada por dois músicos/instrumentistas – a percussionista Lan Lan e
o baixista Fernando Nunes, ambos radicalmente ligados ao rico universo rocker da cantora, com sua original
incursão mix ao samba e à MPB em geral.
Como em outros musicais, sob a mesma proposta de contar a
vida de estrelas como Tim Maia, Cazuza e Ellis (para falar dos mais recentes),
fazendo uso da fórmula de fragmentar traços biográficos em consonância com cancioneiros
autorais, alternando-se a trama dramatúrgica no entremeio da linhagem representativa e melódica.
Mas, talvez pela rigidez narrativa sequencial da biografia
retratada no texto teatral, quase como se fora uma reportagem jornalística,
instala-se, aos poucos, um clima monocórdio onde já se sabe o que está por vir,
numa quase crônica memorialística, do real ao ficcional, entre a vida e a morte.
E aí, como o despojamento cênico conduz imediatamente à
concentração no texto verbalizado, faz falta uma dimensão dramática maior,
especialmente pela limitada experiência como atriz da protagonista (Tacy de
Campos), mesmo havendo uma equilibrada atuação de todo elenco com o valoroso suporte de uma banda de craques.
Na sua performance, os melhores momentos ficam com o lado
mais tímido da cantora na intimidade do dia a dia, o que não disfarça certa
insegurança na exposição cênica mais incisiva do temperamento marginal e
transgressor da personalidade de Cássia Eller, como sua provocativa marca interpretativa nos palcos musicais.
Felizmente, a identidade física, a similaridade vocal, o
gestual aproximado e a qualidade como cantora e instrumentista da protagonista
curitibana (em sua estreia profissional como atriz), conseguem manter sua
empatia com o público. Que, assim, armando o olhar no verismo com que ela incorpora
o sedutor legado musical da cantora, é como se estivesse assistindo não a uma
peça teatral e sim a um dos energizados shows ao vivo da emblemática Cássia
Eller.
Numa semana de decepção da torcida brasileira, quem trocou os
gramados pela arena HSBC no Plácido Domingo
in Concert - viu seus lamentos substituídos pela emoção de uma partida
envolvente onde os titulares, em lances musicais, levaram à vitória por 7x0,
sem pênaltis, o time do canto lírico.
Acontecendo pela primeira vez no Brasil, o tradicional Concerto das Copas que reuniu durante
quase três décadas o terceto de tenores – Pavarotti,
Carreras e Domingo - chegou ao Rio com um formato múltiplo orquestra
sinfônica, coro e solistas operísticos, um pianista clássico e uma cantora
popular brasileira Paula Fernandes. Mais próximo assim da tendência de quebrar
os limites estilísticos de gêneros musicais que tem trazido um contexto pop ao
universo lírico.
Com amplificação sonora para atender aos requisitos do
extenso espaço de uma arena para shows populares, especialmente de rock, o
concerto teve sua falha na ausência de programa impresso, vez por outra
preenchido, com ocasionais problemas técnicos, por legendas nos telões
laterais.
Na abertura, a Orquestra Sinfônica Brasileira mostrando o
lado maestro de Plácido Domingo na Protofonia de Il Guarany, ópera que ele muito admira e que interpretou e gravou
na íntegra, num raro registro contemporâneo internacional da obra de Carlos
Gomes.
Seguido da performance da soprano Ana Maria Martinez na
Bachiana Brasileira no 5, com menor alcance no fraseado “a bocca chiusa “sugerido na partitura, mas bastante acertada nas
suas interpretações de temas da Broadway e
zarzuelas . Ora em solo, ora em duetos
com Domingo, tendo seu ponto culminante na expressividade tímbrica de bela
extensão dos duetos de Il Trovatore e
West Side Story.
Quanto a Plácido, surpreendeu desde o início pela presença
cênica e por sua brilhante tessitura na linha de barítono, revelando ainda
completo potencial lírico em plenos 73 anos, especialmente nas árias de Giordano e Verdi (aliás sua próxima apresentação cênica será um Trovador em
palcos europeus). Destacando-se ainda com o calor da plateia para triunfos
“pops” de seu repertório, com predominância hispano/latina, da zarzuela ao tango e bolero, com algumas
incursões a clássicos da MPB.
Falando-se em sotaque de pop
star, a grande revelação foi do carismático pianista chinês Lang Lang, dono
de um total domínio técnico do teclado, com uma nuance de ideal expoente,
do romantismo tardio de Rachmaninoff aos arroubos melódicos de temas
cinematográficos de John Williams, além da sua entusiástica versão do Chopin das
polonaises .
Dinamismo e segurança não faltaram ao comando artístico de
Eugene Kohn nas bruscas variações e gêneros da OSB, diante de um repertório recortado
para o apelo popular. E palmas ainda para o Coro Ópera Brasil que vem fazendo
junto com a direção artística de Fernando Bicudo um inestimável trabalho de resgate
de um espaço merecido, diante das agruras de um imenso deserto para o canto lírico
brasileiro.
Wagner
Correa de Araújo
PLACIDO DOMINGO IN CONCERT. Foto/ Aris Messinis. |