SPCD / I've Changed My Mind.Shahar Binyamini/ Coreografia. Junho/2023. Foto/Charles Lima. |
Ao completar seus 15 anos de ininterrupto processo de busca
investigativa nos mais diversos caminhos da arte coreográfica a São
Paulo Companhia de Dança - SPCD comemora a data titulando simbolicamente
a sua temporada 2023 como Labirintos em
Movimento.
Mantendo, assim, seu marco estético de incursões da tradição clássica à modernidade embora prioritariamente privilegie a dança contemporânea, destacando-se aí com um repertório que reune o melhor do acervo internacional àquele idealizado em moldes de brasilidade.
Com criações inéditas de coreógrafos brasileiros ao lado de
obras representativas do além mar, numa amostragem
acurada do que há de mais revelador e instigante na linguagem da dança, com um permanente olhar armado na contemporaneidade.
Não faltando nunca à SPCD o seguro comando artístico e
educacional de sua diretora Inês Bógea para uma Cia de reconhecida qualidade técnica e com a artesanal performance de
seus bailarinos, sempre sob o habitual aplauso do público e o reconhecimento da
crítica.
O programa 2023 alternou releituras do repertório clássico
mantendo as suas estruturas estilísticas básicas tanto no Ato II de Giselle como em Les Sylphides, nas respectivas remontagens de Lars van Cauwenbergh
e de Ana Botafogo. Completadas por uma bonita versão por Diego de Paula para
uma Suíte de Paquita a partir de Petipa/Minkus. Neste último
caso, abrindo a noite que encerra o primeiro ciclo 2023 de espetáculos.
E já envolvendo a plateia com o clima romântico que neste
balé foge do padrão característico das obras de temática sobrenatural daquele período, focando mais nas energizadas performances
técnicas, com muitos giros, pontas, saltos e piruetas que se tornam exponenciais
nas variações do Grand Pas final. Em precisos
solos de protagonização de Paquita e
de Lucien, extensivos ao Pas de
Quatre e a um preciso sustento grupal de um Corpo de Baile feminino.
SPCD/Suíte de Paquita. Diego de Paula, remontagem a partir de M. Petipa. Junho/2023. Foto/Charles Lima. |
Ao iniciar-se Ibi-Da Natureza
ao Caos há uma imediata percepção, nos bastidores, de um lamentoso grito de
protesto enquanto se ouvem ruídos de uma cantoria tribal, ritmada percussivamente
por pés no solo do palco. Resultado dos resilientes questionamentos no entorno
do caótico status quo assumido pelos
humanos em seu descaso pelo sagrado e ancestral legado da natureza.
Esta obra de Gal Martins, uma artista da periferia, alia o
ideário do ativista indígena Ailton Krenak, através de O Amanhã Não Está a Venda, ao devir-animal
de Gilles Deleuze em sua proposta filosófico/comportamental de um necessário
estado de não ser homem e nem bicho.
Impressionando por sua impactante ambiência cenográfica sob
metafórica desconstrução de uma paisagem florestal, ampliada nos acordes vocais
afro/indigenistas, luzes entre sombras, indumentária e visagismo com sugestionamento
ritualístico.
Numa fusão com a corporeidade gestual dos bailarinos, ora
arrastando-se pelo chão ora erguendo-se, braços estendidos e mãos ao alto, num
grito de dor e de revolta, convergindo tudo para um visceral e reflexivo teatro
coreográfico.
Mas é a terceira parte do espetáculo a responsável pela maior
surpresa criativa num dimensionamento múltiplo da obra coreográfica, não só por
seus aspectos plásticos e efeitos cinéticos, mas também por seu imersivo
mergulho na completa expressividade de uma dramaturgia corporal.
I’ve Changed My Mind torna emotivamente presencial para
os bailarinos e espectadores a exploração inventiva de um vocabulário do movimento
com a assinatura singular do coreógrafo israelense Shahar Binyamini. Numa trajetória que vai do Batsheva Dance Company ao movimento Gaga, tornando-se um dos nomes emblemáticos da dança de nosso tempo.
Esta obra, criada especialmente para a SPCD, é um experimento
arrojado na integralização de um contexto coreográfico pleno de uma força
interior e que se irradia na espontaneidade de cada gesto, direcionando-se a um
primado do sensorial através de corpos em conexão. Expandindo-se por intermédio de um
figurino de malhas coladas, em sutil e subliminar referência que remete à
sensualidade original do Fauno de
Nijinsky.
Com luzes psicodélicas que conduzem a efeitos cinéticos e a
uma psicofisicalidade, ressaltando a assexualidade visual de bailarinos onde todos
se identificam na plasticidade coletiva de um único corpo que pensa e dança, ao compasso de uma trilha antológica arquitetada na decorrência de temas de Maurice Ravel a Hans Zimmer.
Sendo capaz, enfim, de contextualizar através destes inspirados Labirintos em Movimento, o enigma
poético de Cecília Meireles que se transmuta em cada um de nós:
“Tens os teus olhos, o teu pulso, a tua memória. / Construirás os labirintos impermanentes / Que sucessivamente habitarás. / Todos os dias estás refazendo o teu desenho”...
Wagner
Corrêa de Araújo
SPCD/ IBI - Da Natureza ao Caos. Gal Martins/Concepção Coreográfica.Junho/2023. Foto/Marcelo Machado |
A São Paulo Companhia de Dança/SPCD retorna aos palcos paulistas em agosto, com as estréias de Le Chant Du Rossignol, de Marco Goecke, e em outubro, com Petrushka, de Goyo Montero.