TEMPORADA TEATRAL 2025 : PRIORIZANDO A INSPIRAÇÃO DA PALAVRA LITERÁRIA EM INSTIGANTES TRANSMUTAÇÕES DRAMATÚRGICAS

Eddy Violência & Metamorfose. A partir da obra de Edouard Louis. Luiz Felipe Reis e Marcelo Grabowsky /Direção Concepcional. Julho/2025. Renato Pagliacci/Fotos.


Entre os momentos mais especiais da temporada teatral 2025, nos palcos cariocas, bem sucedidas versões dramatúrgicas de obras literárias de prevalência ficcional, entre autores brasileiros e além-fronteiras, tornaram-se habituais no aplauso do público e na opinião da crítica.

Algumas delas sob um dimensionamento estético de uma quase literal fidelidade ao texto original, enquanto outras optaram por avançar numa proposta inventiva de releituras cênicas, priorizando sempre um olhar voltado para a problemática da contemporaneidade e dos novos caminhos do ofício teatral.

Uma das conceituadas escritoras americanas de realismo fantástico - Ursula K. Le Guin (1929-2018), é a autora do enigmático conto Aqueles Que Deixam Omelas, de 1973, sob o significado fabular, moral e filosófico, de uma cidade idílica. Originando o monólogo de similar denominação, numa envolvência intimista da proposta dramatúrgica de leitura do texto original (direção de João Maia, com performance solo de João Pedro Zappa).

No mesmo seguimento, outro monólogo procura se ater à textualidade ficcional do romance Sidarta, de Herman Hesse, onde a nudez do intérprete Angel Ferreira, na direção concepcional por Walter Daguerre, explicita o significativo metafórico do despojamento de qualquer elemento que esconda ou disfarce a natural fisicalidade humana, pelo ato de entrega total à busca de nossa interioridade espiritual e “de como conviver com o seu eu”.

No caso de O Som Que Vem de Dentro, do escritor americano Adam Rapp, sintonizado com uma dramaturgia reflexiva, ao mesmo tempo, plena do compasso psicofísico de um thriller, fluindo do imaginário das páginas ficcionais aos seus desdobramentos cênicos. Na corporeidade e na vocalização de dois convictos atores de gerações diversas (Gláucia Rodrigues e André Celant), sob perceptível empenho artesanal no comando de João Fonseca.


O Som Que Vem de Dentro. Adam Rapp/Dramaturgia. João Fonseca/Direção Concepcional. Maio/2025. Cláudia Ribeiro/Fotos.


Considerado um fenômeno midiático da mais recente  literatura francesa, Edouard Louis e seus romances autobiográficos, tem fascinado dos palcos às telas. Dando voz ao que ele classifica como “morte social”, à causa do preconceito e da exclusão por sua origem humilde e o corajoso enfrentamento da identificação de sua sexualidade, numa conturbada trajetória familiar e social pontuada pela pulsão da homofobia.

E por um episódio de violência por estrupo dando vazão a uma corajosa metamorfose em seu conceitual de vida, na assumida remissão pelo ofício da palavra literária e teatral. Resultando, com base em três de seus livros, na peça Eddy Violência & Metamorfose, uma das mais impactantes montagens do ano (Luís Felipe Reis e Marcelo Grabowsky na direção) com interpretação titular de João Côrtes, como o alter ego do escritor.

A escritora norte-americana Charlotte Perkins Gilman (1860-1935), é reconhecida como icônica precursora das lutas emancipatórias feministas. Chegando até nós seu pensamento libertário, pelo alcance cênico-direcional de duas representantes de um teatro brasileiro de pulsão performática/ideológica - Alessandra Maestrini e Denise Stoklos. No espetáculo O Papel de Parede Amarelo e Eu,  a partir de seu mais polêmico conto, tendo como protagonista Gabriela Duarte no primeiro monólogo de sua trajetória como atriz.


Veias Abertas 60 30 15 seg. Pedro Kosovski e Carolina Lavigne/Dramaturgia. Marco André Nunes/ Direção. Julho/2025. Lígia Jardim/Fotos.


Em plenos anos 70, no entremeio de regimes ditatoriais que se estendiam em processo ascendente na América Latina, incluído o Brasil, o escritor uruguaio Eduardo Galeano publicava um livro fundamental Veias Abertas sobre esta controvertida realidade política do continente.

Que, através da parceria Nunes autoral - Pedro Kosovski e Carolina Lavigne - revela desbravadora direção de Marco André Nunes próxima de um teatro coreográfico. Sob a proposta performática de um corpo-linguagem  caleidoscópico, presencial em Veias Abertas 60 30 15 Seg., em provocante dramaturgia de alcance latino-americano.

Sob o ângulo da literatura brasileira recente adaptada aos palcos, Torto Arado um dos maiores sucessos do mercado editorial, teve sua palavra literária (por Itamar Vieira Júnior) transposta ao formato de teatro musical. Mas não alcançando ali o mesmo impacto temático no entorno de um resistente preconceito racial, marcante no ideário do romance. Mas que, em sua adaptação cênica, teve certa limitação na autenticidade dramatúrgica, à causa de excessivas recorrências elucidativas da narrativa ficcional.

Rodrigo Portella assumiu o comado diretor do Grupo Galpão para transmutar o livro do escritor português numa releitura dramatúrgica titulada (Um) Ensaio Sobre a Cegueira. Numa proposta diferencial em que sua temática é exposta sob um tratamento estético de prevalente experimentalismo teatral configurando um teatro de linhagem reflexiva que une, em ato de coesão coletiva, atores e espectadores.

O contraponto entre o visto e o imaginado, pela rompante ousadia criativa da concepção de Rodrigo Portella, a partir de uma textualidade literária situada entre a irracionalidade e o pesadelo, nunca deixando de ser um teatro consistente e questionador, solidificado por sua pulsão de denúncia e pela potencialidade nas suas intenções críticas...

 

                                               Wagner Corrêa de Araújo

 

(Um) Ensaio Sobre a Cegueira. A partir da obra de Saramago. Grupo Galpão/Rodrigo Portella/Direção Concepcional. Setembro/2025. Guto Muniz e Tati Motta/Fotos.

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