O FORMIGUEIRO : METAFÓRICA ABORDAGEM DE DISSABORES DO NÚCLEO FAMILIAR SOB SUTIL PARALELO COM A TRAJETÓRIA DAS FORMIGAS


O Formigueiro. Thiago Mendonça/Dramaturgia e Direção Concepcional. Dezembro/2025. Costa Blanco/Fotos e vídeos.


Em 1991, o poeta Ferreira Gullar publicava um de seus mais inusitados poemas visuais sobre a desconstrução da sintaxe da palavra formigueiro numa proposta conceitual - linguística de integração e desintegração da “vida e do trabalho na treva” dos pequeninos seres na trajetória diária de seu auto sustento.

E é por mera e feliz coincidência que o ator Thiago Marinho teve a original ideia de usar similar titularidade - O Formigueiro - para sua primeira criação dramatúrgica que ele próprio dirige, com a participação dos atores Lucas Drummond  (numa dúplice função como produtor), Roberta Brisson, Rodrigo Fagundes, além de Diego Abreu.

Como se esta proposta de representação teatral, credenciada pela experiente supervisão de João Fonseca, sintetizasse comparativamente os riscos na falta de uma formiga  líder para a sustentação de seu habitat, com o súbito acometimento do Alzheimer de uma matriarca, com prejuízo para a dependência afetiva de seus três filhos.

A estrutura narrativa de seu enredo com um aprimorado recurso a apelos ora melodramáticos ora novelescos, ou acertando no equilíbrio entre um tratamento de drama e de comédia, entre o riso e as lágrimas, ao abordar o encontro dos três irmãos na antiga ambiência domiciliar da progenitora.


O Formigueiro.  Thiago Mendonça/Dramaturgia e Direção Concepcional.  Roberta Brisson- Rodrigo Fagundes - Lucas Drummond/ Em cena. Dezembro/2025. Costa Blanco/Fotos e vídeos.


Aqui e agora, fatalmente reunidos para comemorar a melancólica passagem do aniversário materno, sob o doloroso enfrentamento do mal cada vez mais ascendente à causa do Alzheimer, o que a impede de reconhecer qualquer um deles. Sendo sua figura ausente simbolizada por um xale numa cadeira de balanço vazia.

A caixa cênica (Victor Aragão), preenchida por uma plasticidade realista, reproduzindo a tipicidade tradicionalista de uma casa de família, enfatizando o detalhamento ancestral de objetos referenciais - uma  velha televisão, móveis desgastados de copa e cozinha, fogão, mesa e prateleiras, sem esquecer da cadeira de balanço, vista em  sua parte de trás.

Tudo continuado por básicos figurinos (Luísa Galvão) de sotaque cotidiano e tonalidades sóbrias num dimensionamento com ligeiras variações de acordo com a peculiaridade dos personagens, sob uma iluminação (Felipe Medeiros) vazada mas de prevalência discricionária e oportunas intervenções musicais (Ifátoki Maira Freitas)

Dentro de uma temática densa em que são evidenciados os conflitos psicológicos entre os três personagens, diante  do iminente desabamento da estabilidade do convívio familiar, obrigando-os a tomar decisões e atitudes mais drásticas, em níveis emocionais diferenciais para cada um eles.

Nesta caracterização o filho Luiz (Rodrigo Fagundes) que ainda mora ali, acompanhando tudo de perto, como uma espécie de  cuidador que não aceita a  definitiva reclusão da mãe em um asilo, onde o ator se destaca expandindo em cena a exploração  de seu bom humor presencial.

Num contraponto comportamental com os outros dois irmãos que tem vida exterior independente, de um lado um deles Victor (Lucas Drummond) não conseguindo disfarçar a insegurança emotiva, em convicta expressão dramática de seu desalento intimista.

E a irmã Joana (Roberta Brisson), esta casada e julgando-se privilegiada por seu status financeiro, acentuando com fluência a fria indiferença de seu personagem, até ser desmentida pela cruel revelação de que seu marido Cláudio Márcio (Diego Abreu) não passava de um escroque procurado pela polícia.  

A direção convincente de Thiago Marinho sabendo imprimir ao seu texto autoral, inspirado pelo Alzheimer de sua avó, uma linhagem narrativa que o aproxima de uma comédia de costumes e mais sutilmente do gênero besteirol, com apurado empenho no controle das nuances de tensão, humor, drama, alegria e dor.

Na espontaneidade performática de um elenco ágil em suas intervenções coloquiais, no entremeio de sensitivas revelações e risíveis lugares comuns que atraem a cumplicidade do público. Transmutando O Formigueiro numa realização teatral de originalidade tão identitária quanto a busca inventiva neoconcretista assumida pelo livro-poema homônimo de Ferreira Gullar...

 

                                              Wagner Corrêa de Araújo

                                                 



O Formigueiro faz uma instantânea apresentação nos dias 06 e 07 de dezembro, sábado, às 20h; domingo, às 18h; no Teatro Adolpho Bloch /Glória, enquanto ultima preparativos para uma próxima temporada em 2026.

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