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Grupo Corpo / Piracema. Rodrigo Pederneiras e Cassi Abranches / Concepção Coreográfica. Setembro/2025. José Luiz Pederneiras/ Fotos. |
Sempre sob o signo de um olhar armado na contemporaneidade,
ecoando a lição poética do mineiro Murilo Mendes, o Grupo Corpo tornou-se,
sem dúvida alguma, o mais absoluto exemplar de resistência artística no
universo da arte coreográfica nas Minas Gerais, onde ocupa esta privilegiada
posição há cerca de meio século.
Mas seu simbolismo vai além dos “belos horizontes” das Gerais,
desde que se tornou um dos mais emblemáticos grupos de dança do Brasil numa
perspectiva de reconhecimento permanente, a partir do acertado ideário inicial de
chamar Milton Nascimento para compor a trilha de Maria Maria, no final dos anos
setenta.
Marcado sempre, não só pela autenticidade desbravadora de
propostas do coreógrafo Rodrigo Pederneiras, sinalizadas por seu empenho pela
brasilidade no entorno de surpreendente lavra autoral, acompanhado no seu élan
criador pelo correspondente e convicto apelo cênico-direcional imprimido por
Paulo Pederneiras.
Isto tudo se refletindo, também, na continuidade destes processos criativos através da preservação de parcerias fundamentais com outros artistas, num circuito coletivo de continuidade que vem marcando a trajetória estética e histórica da Cia mineira. Levando, nesta pulsão artística evolutiva ao preciso chamamento, agora, de Cassi Abranches como coreógrafa residente.
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Grupo Corpo / Piracema. Rodrigo Pederneiras e Cassi Abranches / Concepção Coreográfica. Setembro/2025. José Luiz Pederneiras/ Fotos. |
Uma ex-integrante do Grupo Corpo que simboliza na passagem cinquentenária,
a transmutação deste processo evolutivo pela busca de um futuro dimensionamento
sucessório. Onde, pós uma sólida carreira coreográfica independente em cias importantes,
podendo aplicar, ali, nesta volta às origens, seu já amadurecido legado estético.
E para isto o espetáculo comemorativo estabelece um liame
entre o passado, o presente e o futuro, ao colocar lado a lado, uma das
clássicas obras da Cia - Parabelo, de 1997, e a inédita Piracema. A primeira como uma exclusiva
composição coreográfica de Rodrigo Pederneiras, seguida da outra numa simultânea
leitura deste com Cassi Abranches.
Sob um conceitual estético de permanente transformação pela
abertura de novos caminhos coreográficos, a dúplice estruturação criativa de Piracema
remete ao significativo sentido vocabular tupi-guarani de Pira (peixe) e cema (subida)
no desafio do ir contra a correnteza dos rios para a desova e consequente continuidade
da espécie.
A trilha musical de uma experiente Clarice Assad, direcionada
pelo propósito de completa reinvenção numa suíte em três módulos básicos. No seu sugestionar,
repercutido especularmente na força da concepção coreográfica, desde um tribalismo
indígena percussionista paralelo às sonoridades da natureza, passando por expressivos
acordes camerísticos mais universalistas confluindo, enfim, na modernidade de
ritmos eletroacústicos.
Outra vez juntos, nos psicodélicos efeitos luminares (Paulo e Gabriel Pederneiras) na extasiante imagética de uma caixa cênica (Paulo Pederneiras) preenchida por um painel frontal com mais de 80 mil tampas de sardinhas.
Transmutando-se,
metaforicamente, no sentido ecológico e industrial de um futuro distópico, do
material cenográfico às luminosas texturas de um figurino (Susana
Bastos e Marcelo Alvarenga) entre duas épocas.
O coesivo encontro de duas linguagens coreográficas em Piracema
possibilitando uma dramaturgia corporal de movimentos híbridos, entre as energizadas contrações da
fisicalidade no início e no final da obra, entremeadas pela suavidade
romantizada de gestualidades que se fundem imersivamente.
O absoluto acerto na idealização desta dúplice gramática cênica-coreográfica
(Rodrigo Pederneiras e Cassi Abranches) encontrando
qualitativo resultado entre os mais de vinte bailarinos numa completa equivalência
da representação física/artística de cada um deles.
Em tempos controvertidos enquanto se confunde o verdadeiro
significado terminológico do nacionalismo pátrio, nada como desafiar este equivocado
conceitual repetindo com Luiz Fernando Veríssimo : “Toda
vez que vejo o Grupo Corpo, fico patriota”...
Wagner Corrêa de Araújo
O Grupo Corpo encerra a turnê de Celebração do seu Cinquentenário, em curta temporada, no palco
do Theatro Municipal/RJ, entre os dias 18 e 21 de setembro.
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