ADUBO: TEATRO RITUAL DA DECOMPOSIÇÃO


FOTOS/GABI CASTRO

Somente os mortos são perceptíveis (para os vivos) obtendo assim, pelo preço mais alto, seu estatuto próprio, sua singularidade, sua silhueta resplandecente, quase como num circo”.

O teatrólogo polonês  Tadeusz Kantor propõe, em seu “Teatro da Morte”, um “ritual de anexação do invisível” como “um procedimento de transcendência”, na  sua comparação da corporeidade do ator à imobilidade de um manequim, objeto vazio, marionete/artifício para uma mensagem da finitude  e da decomposição física.

Referencial que pode conduzir, reflexiva e esteticamente, à proposta coletiva  da textualidade dramatúrgica de Adubo, por Caio Riscado, Tomas Braúne, Juliana Linhares (dublê na direção) e Vinicius Teixeira, com protagonismo solista deste último.

Ainda que a progressão dramática enfrente os desafios de uma escritura alterativa,  ora na perceptível inventividade  de suas soluções  , ora com menor clarificação em instáveis passagens que fragilizam a integralidade da proposta cênico/temática.

Compensada pelo esforço desbravador de seu comando diretorial (Juliana Linhares), onde a complexa especificidade  conceitual , na busca de sua correspondência no palco, alcança maior retorno na construção de uma singularizada performance  do jovem ator, com valoroso aporte gestual de Natasha Jascalevich.

Que, outrossim , é preenchida, irrestritamente,   pela representação corajosa e reveladora de Vinicius Teixeira no seu desdobramento em tríplice personificação dos mecanismos da decadência e do desmonte da fisicalidade carnal (coveiro, açougueiro e morador de rua).

Sabendo explorar, com instintiva pulsão sensorial e verdade interior,  seus recursos psicofísicos. Das suas variadas modulações vocais à  fluência de um jogo corporal rompante e desmistificador.

Por outro lado, o insólito e  o grotesco de uma temática entre a poesia e o pânico, encontram seu contraponto  plástico na ideia cenográfica (Cris de Lamare),na adequação de sua detonada indumentária(Karina Sato),nas soturnas marcações luminares (Paulo Cesar Medeiros) e nas sutilezas de uma trilha sonora não invasiva(Beto Lemos).

Remetendo a paisagens fúnebres com o uso de terra, arbustos  e uma árvore/tumular, dando possível visibilidade ao projeto artístico/ecológico Capsula Mundi (dos designers  italianos Anna Citelli e Raoul Bretzel) pela prevalente transformação dos despojos cemiteriais  em capsulares adubos para o reflorestamento.

Adubo não deixa de ser, ainda, um espetáculo sintonizado na contemporaneidade , experimental e provocativo  por sua intuitiva aproximação estética do “teatro da morte” de T. Kantor, no seu  ceticismo cruel  e na sua ironia sarcástica de happening da terminalidade dos transes humanos.
                                                
                                              Wagner Corrêa de Araújo


ADUBO volta, em nova temporada, na Sede das Cias/Lapa/RJ, de sexta a segunda, às 20hs. 50 minutos. De 10 a 20 de novembro.

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