FOTOS/DALTON VALÉRIO |
“É uma peça atroz
...Faço dela, como autor, meu salto-mortal dramático”. Assim Nélson
Rodrigues definia “Os Sete Gatinhos” às vésperas de sua
estreia em outubro de 1958, tendo sido concluída no ano anterior e completando
, agora, seu aniversário sexagenário.
Na sua linhagem dramatúrgica integrante das “tragédias cariocas”, com seu conceitual de melodrama suburbano, tem sua ambiência no
recato familiar de um antigo e pacato bairro
Grajaú.
Trazendo, ainda, elementos referenciais da tragicidade
clássica grega em sua tessitura da culpa
paterna com punição fatalista, mais as nuances freudianas de tabus sexuais , além
de um episódico traço espírita numa sutil lembrança dos oráculos.
Com uma curiosa justificativa para a sub/titulagem ( A Última
Virgem), no lugar do original Os
Sete Gatinhos(como acabou sendo conhecida até hoje) , temendo-se o risco do
engano de espectador destinatário: “Eu ,
menos progressista e pra frente, não estou interessado em que o público
infantil veja um texto como A Última
Virgem”.
Sua trama se desenvolve a partir da ilusória virgindade
da filha caçula Silene(Louise Marrie) do
Sr. Noronha( Tonico Pereira ou Lourival Prudencio),aqui simbolizada como
remissão pela castidade, para uma família devastada por sórdido decadentismo moral.
Onde a mãe Aracy(Alice Borges),para sublimar o desprezo
afetivo/sexual do marido, posta desenhos eróticos na parede do banheiro.
Enquanto as outras quatro filhas/irmãs(Ingrid Gaigher, Karen Coelho, Luiza Maldonado, Patrícia
Kallai) se prostituem, com aquiescência paterna, para financiar o casamento,
com véu e grinalda, da “pura” Silene.
A descoberta de sua gravidez impacta o núcleo doméstico e o social, com a intervenção
de outros personagens:Bibelot(Gustavo
Damasceno),Seu Saul(Jaime Lebovitch),Dr. Bordalo(Luiz Furlanetto) e Portela(Thiago Guerrante). Numa progressão
dramática de cafajestismo, insanidade e obsessão absurda que conduzem, em
compasso tragicômico, a uma grotesca solução final.
Na concepção diretora de Bruce Gomlevsky a teatralidade alcança a plateia, desde o proscênio inicial, na apresentação de
Bibelot, às entradas e saídas de alguns dos personagens, exteriorizando o circuito residencial da família Noronha. Este
último arquitetado em cenografia realista(Fernando Mello da Costa), meio carregada na
simultaneidade de dois planos (sala e quartos), sob um desenho de luzes vazadas
(Wagner Pinto).
A indumentária equilibra um sotaque de discricionário
cotidiano paralelo a certa erotização nos figurinos das cinco “meninas”. A
trilha incidental pontua-se, em acordes
secos e breves, na frugalidade de dois
percussionistas ao vivo(Felipe Cotta/André Silvestre).
O elenco alcança uma perceptível identificação de postura comportamental e dimensionamento
psicológico, com naturais destaques de
acordo com o maior ou menor potencial de
seus papéis.
Com inegável relevância, pelo confronto de irreverência,
manipulação mental e tensão física, na irrepreensível
performance de Tonico Pereira. Sem deixar de citar,entre outros, o envolvente presencial representativo de Alice Borges, Gustavo Damasceno e Karen Coelho.
Conduzidos os onze personagens com intencional firmeza pelo
comando diretor de Bruce Gomlevsky , para evitar o risco de exageros ou
estereótipos numa narrativa folhetinesca/melodramática anos 50. Contemporizando
um enredo de menor teor provocativo no contexto atual, com vigoroso e eficaz
contraponto crítico ao seu tempo cronológico.
Wagner Corrêa de Araújo
OS SETE GATINHOS está em cartaz, no Teatro da Caixa Nélson Rodrigues, Centro,RJ, quinta e sexta, às 20h; sábado, às 19h;domingo, às 18h.90 minutos. Até 29 de outubro.
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