“A tentativa de
diversos eus ficcionais(que Pirandello realizou brilhantemente) leva a pôr novamente
em questão a alternativa absoluta entre o eu autêntico e o eu representado, a
colocar o sujeito num jogo permanente de eus e de espelhos”.
Reflexão do teatrólogo Patrice Pavis que pode ser um
referencial para a proposta dramatúrgica de “Círculo da Transformação em
Espelho”, de Annie Baker. Uma das
vozes mais personalistas da nova dramaturgia norte-americana e que chega ,
agora, aos nossos palcos numa bela iniciativa e cuidadosa tradução por Rafael
Teixeira, sob original concepção teatral de Cesar Augusto.
Onde desde o prólogo, para uma sequencial narrativa em seis
segmentos, há uma singularizada proposição de um jogo de identidades, numa espécie
de sessão de psicodrama e num convencional exercício lúdico/terapêutico
envolvendo verbalização e gestualidades. E que, na prevalência desta progressão dramática, armada
com um inventivo olhar diretorial(Cesar Augusto), vai impactando pela inusitada exploração de seu
conceitual rotineiro e de suas injunções de cotidianidade .
Estabelecendo um parâmetro crítico, ora para a
especificidade de espectadores integrantes do universo teatral
profissionalizante com seu perceptível reflexo especular, ora para o público
leigo na transparência ilusória de que o visto contexto poderia não lhe trazer maiores expectativas e significados pessoais.
Em caráter distinto, pela peculiar construção de uma textualidade propositalmente superficial, plena de lapsos, interrupções e silêncios, em que a autora enfatiza o confronto do mais comum situacionismo comportamental de cinco atores/personagens numa sala/academia de ensaios.
Em caráter distinto, pela peculiar construção de uma textualidade propositalmente superficial, plena de lapsos, interrupções e silêncios, em que a autora enfatiza o confronto do mais comum situacionismo comportamental de cinco atores/personagens numa sala/academia de ensaios.
Assumindo ali, simultaneamente, diante da mobilidade de um formato cenográfico(Mina Quental) circundado
por espelhos, o reflexo dos caracteres da representação
de fatos inconclusos e fragmentários, entre suas vidas cotidianas e o ato da teatralidade.
Em indumentária (Ticiana Passos) de eficaz simplicidade por sua não tipificação
rigorosa de personagens, sob luminares(Adriana Ortiz) efeitos, gradativos de
temporalidade ambiental e pulsões emotivas .
Neste exercício teatral do desempenho , entre a arte e a
vida, há um absoluto domínio artesanal de um elenco que sabe como bem transcender
as passagens, instintivas ou ficcionais, veristas ou falsas, dos relatos dia-a-dia em introspectiva dramatização de um conflito de
egos e vontades.
Direcionados pelo controle disciplinar/sensorial de Marty (Fabianna de
Mello e Souza) vão, assim, se sucedendo, alterativos, em grupos ou solilóquios, os
papéis e as performances. Em pontuações de psicologismo tais como o hesitante emocional do
rústico James (Alexandre Dantas)marido da professora, a ferida solidão do recém
divorciado Schultz(Sávio Moll), a fragilizada perspectiva de uma ex-atriz
Theresa(Julia Marini) e as radiações da teenager Lauren(Carol Garcia) sonhando com
as glórias do palco.
Todos dimensionados, em convicta psico/fisicalidade , na internação desta "clínica" trama de dúplice enunciado entre o ficcional e o real, com seus
sugestionamentos implícitos ou explícitos,
teatro dentro do teatro, numa comédia/espelho da vida privada que pode ser a de
qualquer um de nós.
Wagner Corrêa de Araújo
CÍRCULO DA TRANSFORMAÇÃO EM ESPELHO está em cartaz no Sesc/Copacabana, de quinta a sábado, às 20h30m; domingo, às 19h. 100 minutos. Até 29 de outubro.
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