O Balé Teatro Guaíra encerrou as comemorações de seus 50
anos com a reapresentação da coreografia de Luiz Fernando Bongiovanni para O
Lago dos Cisnes, depois de várias turnês com o espetáculo não só pelo
interior paranaense como na capital paulista. A Cia estreia também uma nova direção artística através do
coreógrafo Pedro Pires que iniciou ali sua trajetória de bailarino como
integrante do BTG, nos anos 80 à época
de Carlos Trincheiras.
Em tempo de crise, o BTG
é um exemplo de resistência e de apuro tecnoartístico entre as companhias oficiais
brasileiras, com um seleto elenco de 23 bailarinos absolutamente em forma para
o desafio prevalente do ideário de uma dança em moldes contemporâneos, entre novas criações, revisitas
e releituras de obras básicas do
repertório de nosso tempo.
Este ano tivemos o privilégio de conferir ali uma mais que
artesanal e vigorosa Sagração da
Primavera, na versão de Olga Roriz, com irreprimível fusão da performance coreográfica
com a execução ao vivo da partitura stravinskiana
na Orquestra Sinfônica do Paraná, regida pelo maestro de origem alemã Stefen
Geiger.
O coreógrafo paulista Luiz Fernando Bongiovanni já é conhecido ali por suas versões para o BTG
sendo as mais recentes um Romeu e Julieta e uma Carmen sempre sob um novo olhar de tônus
diferencial, procurando se ater às linhas básicas clássico -temáticas mas com
novos enfoques dramatúrgicos e transmutações musicais. Mas sem perder nunca a base estetizada e as
linhas mestras condutoras das obras originais.
E sem radicalizar em certas irreverências, como a de dar outras e exclusivas identidades sexuais aos papeis icônicos femininos como nas criações do grupo masculino Trockadero ou na reescrita iconoclasta dos balés clássicos por Matthew
Bourne's. Mas, aqui, muito mais próximo das personificações psicossomáticas
de Mats Ek presenciais no seu Culberg
Ballet, nas inventivas transcrições de Giselle, Bernarda Alba, Lago dos Cisnes e Carmen.
A começar neste Lago,
na imaginária de uma arrogante Rainha Mãe (Paula Sousa) freudianamente super
dominadora e com absoluto controle para um desconfiado Príncipe Siegfried (Rodrigo
Leopoldo) e sobre cortesãos submissos, simbolicamente definidos quase como um fetiche (ressaltado na figura de Odile), cobertos sob seu extenso e largo
vestido com sutil referencial das protetoras matrioskas.
E que se estende pelo palco, em simbiótico significado, na
concepção cenográfica e indumentária de William Pereira. Potencializada na ausência
de sapatilhas, com os pés nús e tintas brancas corporais, no lugar dos tutus e penas na
representação dos cisnes de dois sexos, emblematicamente escorrendo sob águas, pós fim do
feitiço, na retomada das formas humanas na sequência final.
A linha coreográfica privilegia uma vigorosa espontaneidade gestual
com recortes irônico/humorísticos na inserção aos movimentos corporais de risadas e sonoridades vocais, especialmente na descontração assumidamente nervosa de um atrevido Rotbarth, mestre na vilania mas ao mesmo tempo dependente afetivo da Rainha, em reveladora e convicta performance
do talento promissor de um super jovem bailarino (Vitor Rosa).
Não ficando longe disto as atuações seguras tanto de Rodrigo
Leopoldo (Siegfried) projetando um sotaque de carisma psicofísico para um personagem
combativo mas enganado por sua indulgência diante da alterativa personificação,
com mutável e luminoso dimensionamento psicanalítico, da dúplice face do bem e do mal entre a Odette
e a Odile por Gloria Candemil.
Se o minimalismo cenográfico é preenchido na plasticidade
visual de cinéticos planos sobrepostos com molduras luminares (Victor Sabbag)
abrangendo as passagens entre o castelo e o lago, há pequenos mas quase imperceptíveis
desvios na definição das postulações dramatúrgicas nos embates fatalistas entre
o feiticeiro Rothbart e Siegfried,
nas proximidades do final de quatro atos originais em duas
partes concisas, com um intervalo.
Valendo citar momentos ímpares como o celebrado grand pas de deux com referencial moderno (Gloria Candemil e
Rodrigo Leopoldo), a interativa participação burlesco/medieval do casal de bobos da corte (Luciana
Voloxki e Leandro Vieira) e o inusitado e divertido pas de quatre inversamente
masculino com versáteis bailarinos (João Bicalho, Leonardo Lino, Murilo Machado e Rene Sato), provocadores de grande e entusiasta cumplicidade palco-plateia.
Em espetáculo que o Rio, infelizmente, ainda não viu mas, em caráter
comparativo de estéticas diferentes, merecia conferir, como São Paulo que este ano teve simultaneamente três Lagos – O da Paula
Castro Cia de Dança, o da São Paulo
Companhia de Dança e o do BTG - enquanto ouvem-se rumores de bastidor de um possivel Lago
completo com o Balé do Municipal em
2020...
Wagner Corrêa de Araújo
O Balé Teatro Guaíra,
com O Lago dos Cisnes, encerrou neste
domingo, 8 de dezembro, em Curitiba, a temporada 2019 comemorativa de seu Cinquentenário.
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