VAI / SÃO PAULO CIA. DE DANÇA / Foto Charles Lima |
O ano artístico começou sob os impasses da dúvida e do susto com o anúncio restritivo dos patrocínios e editais em tempos de incerteza e de desconstrução, agravados por uma onda censória de retrocesso e obscurantismo cultural.
Foi o caso do bravo esforço da Renato Vieira Cia de Dança, com Malditos, abrindo a temporada coreográfica, significativamente através
de investigativo memorial de sombrios anos por nós vividos, alertando sobre os
perigos de um controverso momento
politico brasileiro.
Como também de um ideário de dança performática que se estende à espontaneidade com que Márcio Cunha imprime, em linguagem corporal seca e direta, à sua obra Barro, identificando-se sempre pela busca de um sensorial esteticismo, nas suas conexões com as instalações plásticas.
Como também de um ideário de dança performática que se estende à espontaneidade com que Márcio Cunha imprime, em linguagem corporal seca e direta, à sua obra Barro, identificando-se sempre pela busca de um sensorial esteticismo, nas suas conexões com as instalações plásticas.
Ou do espetáculo - manifesto À Margem, com dois bailarinos (Bruno Duarte e Tiago Oliveira) e
um sampler, amarrados em minimalista
delineamento gestual, com agressividade masculina no contraste de corajosa entrega afetiva, sem
preconceitos, entre corpos de homens que se tocam.
Neste mesmo discurso de fisicalidade contra a exclusão social, com
prevalência de valoração dos artistas negros e das comunidades, flui o meta movimento, de
inusitado percurso cênico sob bases urbanas, de Contenção, com oito energizados dançarinos comandados por Renato
Cruz em sua Cia. Híbrida.
Das formações cariocas passamos para a mineiridade do Grupo Corpo, no signo de Gil (por Rodrigo Pederneiras) sob diversificado enfoque a partir da
imaginária ritualística do candomblé, num conceitual de configuração do impulso
físico voltado ao chão, ao solar, ao terreiro, sob as raízes da ancestralidade
afro-brasileira.
E para a São Paulo Cia
de Dança que surpreendeu, mais uma vez, com uma temporada de estreias
nacionais e estrangeiras criadas especialmente para a SPCD, sabendo bem como explorar o convívio de posturas clássicas com
exigentes pontuações do movimento dimensionado pela dança contemporânea.
Destacando-se em programas que conectaram a obra da mineira
Cassi Abranches em Agora, num tributo ao empoderamento feminino, à do
canadense Édouard Lock, em Trick Cell Play, provocando aqui uma
irreverente iconologia da grande ópera. Da diáspora dos laços político-sociais
nos movimentos migratórios na Odisséia
(Jöelle Bouvier) a um futuro pós-apocalíptico, presencial em Vai (Shamel Pitts).
O LAGO DOS CISNES/ BALÉ TEATRO GUAÍRA/ Foto Maringas Maciel |
E de Curitiba, abrindo o cinquentenário do Balé Teatro Guaíra, na remontagem da portuguesa Olga Roriz para a Sagração da Primavera, com o olhar armado no hoje, fugindo à vitimização do feminino, sensibilizado em delirante gramática cênico/corporal. Para encerrar com O Lago dos Cisnes, de Luiz Fernando Bongiovanni, sob incisivo contexto psicanalítico, privilegiando uma vigorosa pulsão criativa sustentada pelo apuro técnico de uma sólida cia. nacional.
Ao contrário do Ballet
do Theatro Municipal ainda sujeito às intempéries de uma nau solta em águas
revoltas, pós uma insustentável crise financeira, da qual agora parece
finalmente poder imergir, ao seu mais contumaz desafio : a urgente renovação de
seu naipe de bailarinos engessados no sistema funcional público.
Mesmo assim, entre altos e baixos, resistindo em performances
com distante referencial de seus anos dourados como única companhia oficial de
destinação clássica do País. Na excepcionalidade do instante de uma digna Coppélia dirigida por Dalal Achcar, com
reforço de bailarinos convocados e bem estruturado embasamento do gestual
clássico/romântico.
Contrapondo-se a uma equivocada versão (Jorge Teixeira), de
pretensiosa intencionalidade histórico/acadêmica, para uma Giselle, com frágil recorrência coreodramática à concepção original
de 1841. Completando-se a tradicionalista missão do BTM, por vezes com irregular integralização técnica e instável linhagem estilística, pela participação ocasional em espetáculos operísticos.
E, ainda, sem deixar de citar a luminosa particularidade do teatro coreográfico Romola & Nijinsky,
experimentação estética para o livre alcance das atitudes criadoras, da
linguagem corporal no seu jogo teatral/gestual à precisão de seus recursos
histriônicos e dramáticos, através do tríplice descortino inventor de Regina Miranda,
Marina Salomon e Antônio Negreiros.
Em ano difícil para o espetáculo coreográfico, amenizado, em
parte, apenas para a importação de cada vez mais raras apresentações internacionais. Com nível mantido no caso de Fuenteovejuna, uma das criações mais emblemáticas da Compañia Antonio Gades, tanto por seu
conteúdo libertário quanto por sua refinada concepção coreográfica.
Ao Balé Nacional da
China com o celebrado Lanternas
Vermelhas, de trama próxima aos melodramas operísticos, através de
elementos cinéticos que remetem, além da ópera, aos recursos mímicos e à
representação teatral, pontuado por cenas de teatro dentro do teatro e de uma dança
potencializada em grande espetáculo.
Wagner
Corrêa de Araújo
FUENTEOVEJUNA / COMPAÑIA ANTONIO GADES / Foto - Javier Del Real |
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